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#**}%#!!! Uma história escabrosa e sua lição inestimável
Vida literária / 30/03/2011

Acendam uma vela por Jacqueline Howett, autora autopublicada e autodestruída em público, numa das histórias mais pungentes – e, para bom entendedor, didáticas – que a selva cheia de novos perigos da internet já propiciou nos domínios da literatura. Os personagens principais do caso são praticamente anônimos. Ou eram anônimos até poucos dias atrás, quando começou a guerra internética que se espalhou feito um vírus de gripe suína pela blogosfera literária de língua inglesa. Jacqueline Howett, nascida em Londres e radicada nos EUA, autopublicou no Kindle um romance chamado The Greek seaman. BigAl, blogueiro de literatura, fez uma resenha do livro em que lamenta os inúmeros erros sintáticos e ortográficos que atravancam a leitura, cotando-o em duas estrelas. Até aí, tudo normal. O problema é que a autora começou a bater boca com o crítico na caixa de comentários. Qualquer pessoa que já tenha acompanhado um desses acalorados “debates” online – e haverá alguém que não, a esta altura do furdunço virtual? – sabe como eles, por alguma razão que parece ter a ver com a própria atmosfera do meio, tendem a degenerar rapidamente num espetáculo muito, muito feio. Quem estiver interessado nas minúcias do vale-tudo pode ler aqui, em…

Livros roubados, livros bandidos e outros links
Pelo mundo / 28/03/2011

“Os livros de que me lembro melhor são os que roubei na Cidade do México entre as idades de dezesseis e dezenove…” Roberto Bolaño discorre (em inglês) sobre os prazeres de ser um ladrão de livros. * Roubando ou não, você é um acumulador de livros, do tipo que se julga incapaz de se desfazer de um único volume, por pior que ele seja? Então saiba que sua doença tem nome: bibliomania. Conheça alguns truques que, sem prometer cura, podem aliviar os sintomas. * Mas se você acha que é novo esse sentimento de estar soterrado por livros, veja esta: “Temos razões para temer que a Multidão de Livros que aumenta a cada dia (…) faça cair os séculos seguintes num estado tão lamentável quanto aquele em que a barbárie lançou os anteriores a partir da decadência do Império Romano.” A frase é do erudito francês Adrien Baillet, biógrafo de René Descartes, que a escreveu no início do século 18. * “Diante da ciência, nós escritores somos como crianças com a cara colada no vidro de uma janela, tentando descobrir o que lá dentro.” Ian McEwan, um escritor que sempre levou a ciência a sério, num debate em Barcelona, semana…

‘Diário da queda’: a ascensão de um autor
Resenha / 25/03/2011

A notícia é boa para aqueles poucos milhares de leitores fiéis de ficção nacional, mas mais importante ainda para os muitos milhares que nem passam perto desse tipo de produto: “Diário da queda”, o quinto romance do escritor gaúcho Michel Laub (Companhia das Letras, 152 páginas, R$ 38,50), é um grande livro. Desafiando o clima volátil deste início de século, com suas novidades que ficam velhas em cinco minutos, a permanência desse romance deve ser garantida por pelo menos dois achados que seriam dignos de nota em qualquer época na literatura brasileira: o personagem tragicômico do sobrevivente de Auschwitz que, feito um Pangloss autista, dedica os últimos anos de vida a escrever o interminável diário de uma realidade edulcorada e perfeita; e a cena de crueldade adolescente protagonizada pelo narrador judeu na festa de aniversário de João, o colega gói e pobre – a queda propriamente dita do título, fulcro da história. Se os dois elementos, personagem e cena, têm uma pungência e uma reverberação que atestam um salto qualitativo na obra de Laub, é interessante observar como isso se dá no quadro de uma serena continuidade e fidelidade ao próprio estilo. Como quase todos os romances do autor (a…

República das Letras, sim. Mas isso inclui o Google?
Pelo mundo / 23/03/2011

Depois da decisão do juiz americano que refreou o apetite de digitalização universal do Google, ontem, vale a pena recuperar o trecho mais aplaudido da palestra que o historiador Robert Darnton fez na Flip do ano passado: Em primeiro lugar, devo dizer que admiro o Google, que fez coisas maravilhosas, e não quero soar como um D. Quixote. A digitalização do conhecimento é uma grande oportunidade e um grande risco. O Google já digitalizou cerca de 2 milhões de livros que estão em domínio publico. Não cobra pelo acesso e ganha discretamente com publicidade, mas isso não me incomoda. O que me preocupa é a comercialização do nosso patrimônio cultural. Na Biblioteca de Harvard temos 14 milhões de livros. O Google nos procurou e propôs digitalizar tudo sem custo para nós, mas em troca eles nos cobrariam pela leitura em formato digital. Isso é inaceitável. Estão criando o maior monopólio já visto, um monopólio de informação. Não acho correto comercializar uma biblioteca que foi formada ao longo de séculos e deixar isso na mão de uma empresa que precisa gerar lucro para seus acionistas. A República das Letras, com seu acesso universal ao conhecimento, ideal do seculo 18, tem uma…

O maior matador de Kindle desta semana
Pelo mundo / 21/03/2011

Um bom indicador de como anda confuso o mundo dos livros é o título de um artigo publicado ontem no “Guardian” por Patrick Kingsley (o rapaz da foto ao lado): “Será este novo livro o matador de Kindle?” Primeiro fator de estranhamento: esse epíteto forçado, “matador de Kindle”, não era reservado até outro dia mesmo ao iPad? Era. Aparentemente, a despeito de todo o seu sucesso comercial, o aparelho da Apple não fez jus a ele. O segundo susto vem ao se constatar que o poderoso objeto para o qual se tenta transferir agora tamanha esperança assassina é só um livrinho de papel – este mesmo que aparece na foto, nas mãos de Kingsley. Chamado flipback book e apresentado como “uma sensação na Holanda, onde já vendeu um milhão de cópias”, o livrinho chegará em breve a outros países europeus. Como o nome diz, “abre para trás”, como certos tipos de caderneta de anotações. Além disso, tudo o que o torna diferente tem a ver com portabilidade e manuseio: é menor que um livro de bolso, tem miolo de papel-bíblia e uma encadernação que facilita a leitura sem o uso das mãos: aberto em determinado ponto, o livro permanece assim…

Bibliotecas depois do terremoto
Pelo mundo / 18/03/2011

As fotos de bibliotecas japonesas pós-terremoto que vêm sendo reunidas pelo site Togetter.com, enviadas por voluntários de diversas cidades, levam Macy Halford a especular, no blog de livros da “New Yorker”, por que essa preocupação com estantes tombadas e tomos esparramados no chão em meio a uma devastação tão completa, que deveria fazer este parecer o menor dos problemas. Bom, talvez por isso mesmo, imagina ela, ao dizer que “as imagens nos permitem ter uma ideia da destruição num ambiente relativamente benigno – livros não são gente”. As bibliotecas funcionariam então como uma poderosa metonímia, tirando sua força menos do que as imagens mostram do que daquilo que sinistramente sugerem. Faz sentido, mas acho que fica faltando dizer alguma coisa. Num país de povo tão proverbialmente organizado, estudioso e culto, bibliotecas podem ser vistas também como uma metáfora do próprio edifício social – e de sua fragilidade. Num minuto, todo aquele mundo de livros estava perfeitamente ordenado em suas prateleiras por assunto, ordem alfabética etc. No minuto seguinte…

O que eles disseram: Marías, Hatoum, Wallace
Pelo mundo / 14/03/2011

“‘Isto é de tal período e só dele’, dizemo-nos ao ler [certas obras] fora de sua época, e, com a inapelável e sempre crescente aceleração do mundo, ‘fora de sua época’ significa às vezes, hoje em dia, apenas uma década depois de sua vinda à luz. Algo desse tipo sentimos até com as narrativas dos maiores autores contemporâneos: com Kafka, com Faulkner, às vezes com Borges, com Joyce quase sempre. De tão inovadores, de tão arriscados, de tão voluntaristas, de tão diferentes ou de tão ambiciosos, podem resultar, vez por outra, levemente antiquados, ou, se se prefere, simplesmente ‘datados’.” Javier Marías fazendo o elogio do não-datado “O Leopardo”, de Lampedusa, no Babelia. * “Creio que a literatura argentina é a mais forte do continente.” Milton Hatoum em entrevista à revista do jornal (argentino) “Clarín”. Será que tem alguém aí disposto a discordar? (Ah, mas que Pelé foi maior que Maradona, foi!) * “Toda pessoa sadia tem ambições, objetivos, iniciativas, metas. A meta desse garoto em particular era ser capaz de pressionar seus lábios sobre cada polegada quadrada de seu próprio corpo.” Começo (inesquecível?) do conto Backbone (Espinha dorsal), de David Foster Wallace, publicado na “New Yorker”.

‘Como funciona a ficção’: quem disse que a literatura morreu?
Resenha / 11/03/2011

Se tivermos sorte, e bota sorte nisso, o livro “Como funciona a ficção” (Cosac Naify, tradução de Denise Bottmann, 232 páginas, R$ 49,00), lançado em 2008 pelo crítico inglês James Wood, cairá entre nós como uma bomba de efeito moral. Claro que esta é só uma frase de efeito (moral?) e que um simples volume de crítica literária dificilmente provocará tal estrago. Isso não altera o fato de que, num mundo ideal, seria de esperar que depois dele uma série de personagens que atravancam nossa vida literária saíssem correndo em busca de abrigo, do pequeno resenhista movido por cordialidades buarquianas ao crítico acadêmico adestrado por décadas de teoria e estudos culturais para odiar tudo o que cheire a literatura. Simpatizemos ou não com suas idiossincrasias (eu simpatizo com algumas delas), Wood é tão apaixonado pela coisa que não se furta a cair no pasmo boquiaberto diante de certa tirada poética de Virginia Woolf no romance “As ondas”: “Sinto-me mortificado com essa frase; um pouco porque não consigo explicar de jeito nenhum por que ela me comove tanto”. Nessa cândida confissão de impotência reside, paradoxalmente, o maior poder de “Como funciona a ficção”. Egresso da crítica literária jornalística, que exerceu por…

‘A Cabeça’ e o mistério da McSweeney’s
Pelo mundo / 09/03/2011

Faz poucos dias que finalmente botei as mãos no mais recente número da revista (à falta de um nome melhor) literária McSweeney’s, de São Francisco. Editada pelo escritor Dave Eggers, de “O que é o quê”, com a ajuda de um bando de malucos, a maioria em esquema de trabalho voluntário, a McSweeney’s é hoje a coisa mais lúdica, divertida, inquieta e (por que não?) cool existente no mundo da literatura: uma publicação trimestral que desde seu surgimento, em 1998, nunca repetiu um formato. Um dos números, ano passado, foi o jornal mais belo da história, o “Panorama”, comentado na época aqui. Este que eu tenho nas mãos agora, conhecido como “A Cabeça”, é uma caixa de papelão resistente cheia de livretos, revistinhas, postais e artigos mais difíceis de nomear. Não se trata, como podem pensar os cínicos de plantão, de uma forma esfuziante para encobrir a falta de conteúdo: para desmentir essa impressão bastariam o conto de Colm Tóibín e os quatro primeiros capítulos de “Fountain City”, o famoso romance inacabado que quase acabou com a carreira de Michael Chabon, acompanhados de impiedosas notas críticas do próprio autor. Mas “A Cabeça” tem muito mais, e imagino que estarei mexendo…

Biblioteca de sentar
Pelo mundo / 07/03/2011

Uma poltrona da qual ninguém precisa se levantar para alcançar os livros na estante: a Bibliochaise Home, que acomoda “cinco metros de livros”, foi criada por um estúdio de design de Glasgow, Escócia, chamado Timorous Beasties, e custa cerca de 12 mil reais (!). Vem em duas cores básicas, preto e branco, mas outras podem ser encomendadas. Quantos não-carnavalescos não andam sonhando com algo parecido nestes dias ofegantes? Embora um aprimoramento pareça necessário: como assim, nem um lugarzinho para acomodar o copo? (Via The Book Bench.)

Pequena antologia online: contos brasileiros de carnaval
Vida literária / 04/03/2011

Folião cerebral, do tipo que sempre valorizou mais uma virada de enredo que uma virada de bateria, fiz um garimpo na grande rede instigado pela aposta de que seria possível montar uma boa antologia de contos de carnaval só com textos disponíveis online, de preferência na íntegra. Deu certo. A meia dúzia de contos abaixo – todos acessíveis a quem clicar sobre os títulos, sem necessidade de baixar arquivos – deixa claro que as relações entre a folia momesca e a literatura brasileira, com perdão do clichê, sempre deram samba. Destaque absoluto para o aterrorizante O bebê de tarlatana rosa, obra-prima de João do Rio, imbatível na captação do lado negro de uma festa solar. De resto, tons sombrios se fazem presentes – o que, pensando bem, não chega a ser surpresa – em praticamente todas as histórias. Pena que o conto Caprichosos da Tijuca, de Marques Rebelo, e a crônica A batalha do Largo do Machado, de Rubem Braga, não estejam online. Presenças obrigatórias em qualquer antologia analógica sobre o tema, espero que esta menção compense de alguma forma sua ausência. O conto de Rubem Fonseca tem apenas um trechinho disponível, mas sua qualidade me levou a incluí-lo na…

Vêm aí os Escritores Unidos, diz Margaret Atwood
Pelo mundo / 02/03/2011

“As anchovas estão inquietas”, diz a escritora canadense Margaret Atwood, explicando que as anchovas são os escritores – individualmente fracos, mas fortes quando em cardume, por darem sustentação a toda a cadeia alimentar do mercado editorial. A inquietude, diz ela, provém da sensação de que a maioria das editoras tem sido intransigente ao negociar direitos autorais para e-books, deixando de levar em conta uma nova realidade em que os baixos custos de produção permitiriam multiplicar o tamanho da fatia que tradicionalmente cabe ao autor (em torno de 10% do preço de capa). “Está no ar”, nas palavras de Atwood, a ideia de repetir no mundo literário o que fizeram alguns artistas de ponta de Hollywood em 1919, entre eles D.W. Griffith e Charles Chaplin, ao romper com os grandes estúdios e fundar sua própria companhia, a United Artists. United Writers? Mas “escritores unidos” não é uma contradição em termos? Este é apenas um dos atrativos desta recente palestra de Margaret Atwood no TOC 2011, seminário de novas tecnologias realizado em Nova York. Pontuada por piadas, algumas ótimas, e desenhos em PowerPoint feitos pela própria escritora, a fala de Atwood cobre de forma leve quase todos os aspectos do emaranhado de…