A capa do novo livro do jovem escritor gaúcho Antônio Xerxenesky, “A página assombrada por fantasmas”, uma coletânea de contos sobre livros e escritores que acaba de sair pela Rocco, parece ter sido inspirada pelo mesmo vento que soprou a capa do novo romance do escritor inglês Julian Barnes, The sense of an ending, que a Jonathan Cape põe na rua semana que vem – e que mesmo inédito já está na lista do prêmio Man Booker. As evidentes diferenças – a arte do livro inglês é mais limpa e mais preparada para disputar aos gritos a atenção do leitor na livraria, enquanto a do brasileiro leva a um limite ousado a ideia de palimpsesto, de rasura – não escondem o fato de que se trata de capas irmãs. Em ambas, as letras parecem prestes a desaparecer, a se desfazer em borrões. Os lançamentos praticamente simultâneos eliminam qualquer possibilidade de influência de uma sobre a outra. O que o belo trabalho da designer gaúcha Ieve Holthausen tem em comum com o de seu colega britânico parece ser apenas aquilo que, à falta de um nome melhor, o pessoal chama de Zeitgeist. As letras que aspiram a sumir teriam algo a…
Duas entrevistas com o escritor britânico V.S. Naipaul publicadas por tradicionais jornalões no mesmo dia, o último sábado, são tão radicalmente opostas que o primeiro efeito do contraste não pode deixar de ser uma perplexidade cômica: qual dos dois retratos é fiel ao prêmio Nobel de Literatura de 2001? Ou seriam ambos falsos? Quando se vai além dessa primeira impressão é que começam a surgir questões interessantes sobre o jornalismo cultural. No Sabático, suplemento literário do “Estado de S.Paulo”, o enviado especial Andrei Netto encontra-se em Londres com um Naipaul “formal, mas simpático e muito gentil”. No Babelia, suplemento literário do espanhol “El País”, o correspondente Walter Oppenheimer teve sorte diferente na casa de campo do escritor, em Wiltshire: “A entrevista vai mal. Desde o primeiro instante. Não há química. O olhar de Sir Vidia destila cada vez mais impaciência, mais desprezo”. As entrevistas que eles arrancaram do autor de “A máscara da África” – relato de viagens lançado ao mesmo tempo aqui e na Espanha – são condizentes com esses inícios em chaves opostas. Com Netto, interlocutor abertamente simpático que evita até a sombra de questões espinhosas, Naipaul é paciente, loquaz, quase vulnerável (não disponível online). Com Oppenheimer, que…
Eu acho que há algo essencialmente infantil na literatura. Isso pode parecer inconciliável com a admiração que se tem pela literatura, e que eu acredito compartilhar, mas creio ser uma verdade profunda e fundamental que não se pode compreender realmente a literatura se não for do ponto de vista de uma criança, o que não significa dizer uma perspectiva inferior. (…) Eu acho que a literatura é um perigo muito grande e muito grave, e que só se é realmente um homem ao confrontar esse perigo. Deixo o leitor com a voz mansa – e as ideias ferozes – do escritor francês Georges Bataille nessa entrevista de 1958 para a TV, sobre seu livro “A literatura e o mal” (em francês, com legendas em inglês). Bom fim de semana a todos. httpv://www.youtube.com/watch?v=-WiwNekNJGA
O homem que ganhava 4 mil dólares por artigo do Saturday Evening Post em 1930 agora recebia da Esquire apenas 150 por história. Os direitos autorais de seus livros totalizaram em 1936 cerca de 80 dólares. Logo ele estaria em Hollywood como roteirista fracassado, completando sua queda. A terrível decadência movida a álcool de F. Scott Fitzgerald é comentada (em inglês) por Jimmy So no “Daily Beast”, a propósito de uma recém-lançada coletânea de escritos do “cronista da Era do Jazz” chamada On booze, algo como “Sobre a birita”. Está para o borbulhante “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen, como a ressaca para a euforia etílica. * Trata-se, como se vê, de uma antologia problemática e bastante desigual, para dizer o mínimo. Mas o problema principal que se manifesta em ‘Geração Zero Zero’ nem é esse. É que mesmo a leitura dos melhores contos dos melhores autores deixa na boca um gosto de anos 70, de repetição de procedimentos característicos daquela época, mal transplantados para um contexto social, cultural e político totalmente diferente – contexto este que pede novas respostas (e novas perguntas) dos escritores. Luciano Trigo escreve sobre “Geração Zero Zero”, a nova antologia de Nelson de Oliveira. *…
I. O que for antologizado pelo antologista será imediatamente antológico, seja analógico ou digital. II. Os antolhos do antolhogista serão critérios sagazes. III. Os autoelogios do autoelogista ficam abaixo da superfície da autoelogia, e não se fala mais nisso. IV. Se o antologista for uma anta, sua antalogia não será julgada por parâmetros zoológicos. V. Por proferir antes o julgamento da história, o anteslogista terá fama de xamã. VI. As antipatias do antipalogista serão todas, por definição, democráticas. VII. Se for um desempregado crônico, o à-toalogista poderá filar cigarros e requerer o Bolsa Família sem prejuízo de sua isenção crítica. VIII. Toda antologia será vista como axiomática, ainda que assintomática. IX. Só uma anti-antologia pode antagonizar uma antologia; todas as outras cartas serão incineradas. X. Ontologia? Não, não, no próximo corredor à direita.
O excesso de notícias gerado pela Flip fez com que tivesse menos destaque do que merece o anúncio, feito pela ministra da Cultura, Ana de Hollanda, do novo programa de apoio à tradução de autores brasileiros da Biblioteca Nacional. O mercado – editores, escritores e agentes – recebeu a novidade com empolgação. Ambicioso a ponto de prever investimentos até 2020, e lançado a tempo de ter impacto na Feira de Frankfurt em 2013, quando o Brasil será pela segunda vez o país homenageado, o consenso é que o presidente da Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, conseguiu costurar um programa próximo do que o mercado sempre reivindicou – e que a esta altura muitos já nem esperavam, desanimados com a crise política que cercou o ministério da Cultura nos últimos meses. O fato que é nunca houve uma ferramenta tão robusta de divulgação de nossa quase secreta literatura no exterior. Em outubro do ano passado, comentando a participação da Argentina como país homenageado no megaevento alemão, eu disse aqui neste espaço que, com todos os percalços e críticas feitas à festança armada pelos vizinhos, tínhamos muito a aprender com eles. Essa impressão se baseava sobretudo no quanto eles tinham investido na concessão…
Estou ciente de que há escritores que evitam com sucesso jamais ter que escrever uma linha. Qualquer energia criativa que eles possam ter foi completamente absorvida por atividades substitutas. Tais atividades costumam incluir vestir-se, soar e posar (quando não beber – na verdade, normalmente beber) como um autor, de modo que esses indivíduos conseguem ser muito mais convincentes como artistas da frase bem torneada do que muita gente que de fato já publicou. Quando eu estava começando a escrever, esses tipos me deixavam bastante confusa. Em casa, eu (…) não sabia o que queria dizer, ou se realmente gostaria de dizê-lo, ou se alguém queria que o dissesse. No mundo lá fora, havia todas essas fantásticas desculpas para nunca mais me preocupar com tais coisas. Eram tentações. Mas consegui compreender que eram também um horrível beco sem saída. Terminada a Flip, vistoso buquê de “becos sem saída”, é hora de sentar e escrever. Mas talvez valha a pena ler primeiro esse artigo (em inglês, acesso gratuito) da escritora escocesa AL Kennedy no blog do “Guardian” sobre a eterna tentação do adiamento, disfarce da covardia, que me lembrou aquele toque lapidar do americano E.L. Doctorow: Planejar escrever não é escrever. Traçar…
Se o curador da Flip 2011, o crítico literário Manuel da Costa Pinto, tivesse optado por outra palavra negativa para qualificar a participação constrangedora do cineasta francês Claude Lanzmann (foto), responsável pelo pior momento da festa, teria prestado um bom serviço à história do evento. Pode-se argumentar que esse não era seu papel como curador, mas o fato é que Lanzmann merecia uns cascudos. E o vocabulário da crítica é suficientemente vasto para que alguma palavra justa fosse encontrada. Ao optar por chamar de “nazista” um judeu que foi combatente da Resistência Francesa e realizou o referencial documentário “Shoah”, sobre o Holocausto, Costa Pinto viu-se obrigado a pedir desculpas e levou para uma penosa prorrogação o constrangimento inaugurado pela truculência com que Lanzmann humilhou repetidamente seu entrevistador, Márcio Seligmann-Silva, e desrespeitou o público na mesa de sexta-feira chamada “A ética da representação”. Não faltariam adjetivos mais adequados para seu desempenho: deselegante, arrogante, prepotente, desagradável, descortês, indelicado, grosseiro, ofensivo, rude, desrespeitoso, mal-educado, intratável, truculento, tirânico. Com um pouco de ironia, quem sabe até funcionasse uma fórmula politicamente incorreta como “profundamente francês”. Não é de hoje que se vem banalizando entre nós o uso das palavras nazista e fascista, equiparadas, em discursos…
Os escritores colombianos Héctor Abad e Laura Restrepo, que participaram da mesa “Em nome do pai”, iniciada às 14h30, disseram não ser amigos. Talvez não fossem até então, mas dificilmente poderão dizer o mesmo após a mesa de hoje. Com mediação do jornalista Ángel Gurría-Quintana, os dois travaram uma conversa cheia de elogios mútuos sobre como a literatura se relaciona com suas histórias de vida marcadas pela violência de seu país e pela militância política. Abad está estreando no mercado brasileiro com o premiado livro de memórias “A ausência que seremos”, em que fala do pai, um médico famoso, também chamado Héctor, defensor dos direitos humanos e assassinado por paramilitares colombianos em 1987. Laura lança o romance “Heróis demais”, a história de uma mãe que vai com o filho adolescente para a Argentina em busca do pai, militante político que os abandonou quando ela estava grávida. Há muito de autobiográfico no romance. “Eu e meu filho, Pedro, que veio comigo a Paraty, tivemos através dos personagens do romance o diálogo que nunca pudemos ter sobre o pai dele, que o abandonou quando tinha dois anos”, disse. Abad levou vinte anos para escrever sobre seu pai, e justificou a demora dizendo…
Coube aos acadêmicos de literatura João Cezar de Castro Rocha e Eduardo Sterzi a ingrata missão de entreter o público da Flip no primeiro horário deste domingo, a partir das 10h, quando a maioria ainda dorme em suas pousadas ou se recupera da ressaca de sábado à noite. Para tornar a missão mais difícil, o tema de sua mesa, chamada “Pensamento canibal”, era uma questão teórica – o que o homenageado deste ano, Oswald de Andrade, queria dizer ao falar de antropofagia e o que ela deixou de herança para a cultura brasileira. Resultado: uma Tenda dos Autores com menos de metade dos assentos ocupados. A verdade é que o viés oswaldiano, ainda que a homenagem seja merecida, não chegou a penetrar nas rodinhas de conversa flípicas e dar um arremedo de argamassa a uma festa marcada num extremo pela simpatia baiana de João Ubaldo Ribeiro e no outro pela antipatia francesa de Claude Lanzmann, com o fenômeno de popularidade instantânea do português Valter Hugo Mãe ocupando a maior parte do meio-de-campo. Castro Rocha está lançando no Brasil a edição brasileira ampliada de “Antropofagia hoje? – Oswald de Andrade em cena”, coletânea de ensaios publicada em 2000 nos EUA. “A…
Na mesa mais divertida da Flip, como estava previsto, João Ubaldo Ribeiro, 70 anos, contou histórias, cunhou frases de efeito, fez piadas consigo mesmo e com o entrevistador – seu amigo e também escritor Rodrigo Lacerda – e, de forma surpreendente, ousou falar mal do intocável Guimarães Rosa, que já foi apontado como influenciador de “Sargento Getúlio”, um de seus livros mais conhecidos. Em compensação, furou também o balão mitológico em torno de sua própria obra-prima, o romance “Viva o povo brasileiro”, ao dizer que a motivação para escrevê-lo foi apenas a de “fazer um livro grosso”. A última pergunta da noite, encaminhada por alguém do público, foi um anticlimax que, paradoxalmente, funcionou: “Qual é a importância da literatura na vida das pessoas?” Resposta: “Longos anos de afeto nos unem, Rodrigo Lacerda, pra que eu possa lhe dar uma resposta apropriada”. Seguiram-se aplausos de pé numa Tenda dos Autores lotada, com uma chuva de assobios e gritinhos pontuando a evidência de que, tendo passado anos brigado com a Flip, um dos maiores escritores brasileiros vivos estava fazendo falta em Paraty. Abaixo, uma lista de seus melhores momentos: “Em primeiro lugar, acredite se quiser, eu jamais tinha chegado nem perto de…
“O cinema não é uma arte superior aos quadrinhos”, disse Joe Sacco, astro solo da mesa iniciada ao meio-dia, que terminou por ser tão informativa quanto agradável. Onde se lê cinema, pode-se ler também literatura, jornalismo e fotografia, linguagens com as quais ele dialoga em sua importante, ambiciosa e original obra de HQ. Nascido em Malta em 1960 e criado nos Estados Unidos, Sacco é hoje o maior nome do jornalismo em quadrinhos, autor de livros como os que escreveu sobre a questão palestina, entre eles “Notas sobre Gaza” e “Palestina: uma nação ocupada”. Entrevistado pelo jornalista Alexandre Agabiti Fernandez, que conduziu bem a conversa, apesar de certa tendência à prolixidade, Sacco não fugiu de nenhuma das perguntas e falou sobre seu método de trabalho, suas influências e até da ocasião em que, intimidado pelo peso do jornalismo americano tradicional, se autocensurou ao fazer um trabalho para a revista “Time”. “Pensei demais em como a ‘Time’ diria certas coisas e acabei insatisfeito com o resultado”. Abaixo, um apanhado de suas declarações: Vantagens e desvantagens dos quadrinhos como veículo de jornalismo: “O que eu faço é jornalismo, e como tal precisa ter precisão. Mas com quadrinhos você pode viajar no tempo…
Mal-humorado e repetidamente descortês com seu entrevistador, o cineasta francês Claude Lanzmann, 85 anos, autor do referencial documentário “Shoah”, disse na última mesa de hoje que Steven Spielberg brinca em “A lista de Schindler” com algo que não admite brincadeiras. “O que significa representar a morte de milhões de pessoas? É uma questão muito complicada. Não existe representação possível, alguma coisa proíbe, e não sou eu quem o faz: é Adolf Hitler. Tentar essa representação é cometer a mais grave das trangressões. Spielberg usou subterfúgios desonestos.” “Shoah”, filme de nove horas e meia de duração lançado em 2005, custou a Lanzmann, judeu francês, doze anos de trabalho e, segundo ele, escapa dessa armadilha da representação por não ser “sobre a sobrevivência, mas sobre a morte, sobre a radicalidade da morte naquelas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas”. Afirmou ele: “Os homens que me deram seus depoimentos testemunharam a morte de seu povo. Nenhum deles deveria ter sobrevivido para contar: um número muito reduzido sobreviveu por uma conjugação de coragem, inventividade, sorte e milagre. Não contam como sobreviveram, não abrem o jogo, não revelam suas histórias pessoais. São porta-vozes dos mortos e assim queriam ser considerados”. Além de falar…
Ignacio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris declararam solidariedade ao escritor italiano Antonio Tabucchi, que deveria ter sido a principal atração da mesa de hoje às 17h15, mas cancelou sua participação em protesto contra a posição do Supremo Tribunal Federal – e do governo brasileiro – no caso Cesare Battisti. O psicanalista e cronista Calligaris, italiano como Tabucchi, fez questão de dizer que sua situação é diferente, por viver no Brasil: “Dizer não ao convite da Flip seria apenas dizer não à Flip. Se eu morasse na Itália, provavelmente tomaria a mesma posição que Tabucchi, fico completamente solidário e acho bom ter tido essa oportunidade (de dizer isso)”, discursou. Ignacio de Loyola Brandão apoiou o parceiro de mesa, lembrando que Tabucchi foi o tradutor de “Zero”, romance que, por ter sido proibido pela censura nos anos 1970, tornou-se seu título mais famoso. “Quero dizer que sou amigo de Antonio Tabucchi desde 1973, quando foi entregue a ele a tradução de ‘Zero’ e começou uma amizade que se solidificou ao longo dos tempos. Eu faria a mesma coisa que ele fez, não poderia ter outra atitude. E a tradução de ‘Zero’ para o italiano foi a mais perfeita de todas”. Pouco…
A Flip teve finalmente seu momento de emoção explítica na mesa de hoje ao meio-dia, chamada “Pontos de fuga”, que reuniu o português Valter Hugo Mãe e a argentina Pola Oloixarac. Surpreendentemente, os papeis tradicionais se inverteram: Pola, que antes mesmo de pisar em Paraty já carregava o título (merecidíssimo) de musa da Flip, foi o lado racional da conversa, e coube a Mãe, que chegou às lágrimas ao ler um simpático texto sobre a importância do Brasil em sua geografia emocional, arrebatar o público que lotou a Tenda dos Autores e ser aplaudido de pé. “Foi a mesa dos baixos instintos”, comentou uma velha raposa da Flip, referindo-se tanto àqueles instigados em parte da audiência pelas longas pernas envoltas em meias pretas da escritora argentina quanto aos que, de natureza diferente , o autor de “a máquina de fazer espanhóis” despertou ao falar de sua infância marcada por telenovelas e vizinhos vindos do Brasil, todos envoltos em certa aura de magia, e agradecer no fim, com voz embargada, o convite para visitar o país como escritor. “Sinto que fazem de mim um homem de ouro”, disse, referindo-se a um episódio de sua infância em que o fato de ser…
O neurocientista Miguel Nicolelis (foto) e o professor de filosofia da religião Luiz Felipe Pondé protagonizaram hoje à noite, numa Tenda dos Autores lotada, uma das mesas mais cabeçudas da história da Flip, chamada “O humano além do humano”, com mediação da jornalista Laura Greenhalgh. Como água e azeite, não se misturaram, apesar dos esforços da mediadora, nem poderiam: o triunfalismo científico (não sem razão) de Nicolelis e o pessimismo filosófico (idem) de Pondé acabaram criando um curioso espetáculo de claro-escuro. “Se a palavra milagre não tivesse sido adotada por outro ramo de negócios, deveria ser usada pela neurociência, porque estamos fazendo algumas coisas até melhores do que os velhos milagres hoje”, disse o primeiro. “O ser humano mata porque gosta”, afirmou o segundo. Foi divertido. Autor do recém-lançado “Muito além do nosso eu” e apontado pela revista Scientific American um dos vinte pesquisadores mais importantes da atualidade, o paulista Nicolelis falou primeiro, caminhando de um lado ao outro do palco e ilustrando seu discurso com imagens no telão. Era claramente um discurso ensaiado, com floreios poéticos (“as linhas de poesia elétrica desses bilhões de compositores que formam a única orquestra conhecida”, disse, falando do cérebro). A mensagem, porém, era…
Na mesa “Marco zero modernista”, diante de um auditório com cerca de 80% de ocupação, hoje à tarde, os pesquisadores acadêmicos Marcia Camargos e Gonzalo Aguilar deram continuidade às homenagens a Oswald de Andrade, iniciadas ontem à noite na mesa de abertura. Não era fácil a tarefa de trazer novos ingredientes ao banquete antropofágico proposto pela Flip, após o prato principal representado pelo venerável Antonio Candido, e dela saiu-se melhor o argentino Aguilar, que morou no Brasil e é autor de um livro ainda sem tradução em português chamado Por una ciencia del vestigio errático – ensaios sobre a antropofagia de Oswald de Andrade. Falando em português com forte sotaque portenho e algumas recaídas no espanhol, que não prejudicaram a compreensão do público, Aguilar partiu do quadro “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, para falar da principal “inversão” que inspirou Oswald a criar o movimento antropofágico: a subversão da hierarquia tradicional representada por uma figura de pé enorme e cabeça minúscula. “Isso tem a ver com a literatura de Oswald, que é uma literatura do corpo, muito erótica. O pé fala da mobilidade, que, como disse ontem Antonio Candido, define sua obra. Ir caminhando e inventando no caminho, essa ideia está…