Mal-humorado e repetidamente descortês com seu entrevistador, o cineasta francês Claude Lanzmann, 85 anos, autor do referencial documentário “Shoah”, disse na última mesa de hoje que Steven Spielberg brinca em “A lista de Schindler” com algo que não admite brincadeiras. “O que significa representar a morte de milhões de pessoas? É uma questão muito complicada. Não existe representação possível, alguma coisa proíbe, e não sou eu quem o faz: é Adolf Hitler. Tentar essa representação é cometer a mais grave das trangressões. Spielberg usou subterfúgios desonestos.” “Shoah”, filme de nove horas e meia de duração lançado em 2005, custou a Lanzmann, judeu francês, doze anos de trabalho e, segundo ele, escapa dessa armadilha da representação por não ser “sobre a sobrevivência, mas sobre a morte, sobre a radicalidade da morte naquelas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas”. Afirmou ele: “Os homens que me deram seus depoimentos testemunharam a morte de seu povo. Nenhum deles deveria ter sobrevivido para contar: um número muito reduzido sobreviveu por uma conjugação de coragem, inventividade, sorte e milagre. Não contam como sobreviveram, não abrem o jogo, não revelam suas histórias pessoais. São porta-vozes dos mortos e assim queriam ser considerados”. Além de falar…
Ignacio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris declararam solidariedade ao escritor italiano Antonio Tabucchi, que deveria ter sido a principal atração da mesa de hoje às 17h15, mas cancelou sua participação em protesto contra a posição do Supremo Tribunal Federal – e do governo brasileiro – no caso Cesare Battisti. O psicanalista e cronista Calligaris, italiano como Tabucchi, fez questão de dizer que sua situação é diferente, por viver no Brasil: “Dizer não ao convite da Flip seria apenas dizer não à Flip. Se eu morasse na Itália, provavelmente tomaria a mesma posição que Tabucchi, fico completamente solidário e acho bom ter tido essa oportunidade (de dizer isso)”, discursou. Ignacio de Loyola Brandão apoiou o parceiro de mesa, lembrando que Tabucchi foi o tradutor de “Zero”, romance que, por ter sido proibido pela censura nos anos 1970, tornou-se seu título mais famoso. “Quero dizer que sou amigo de Antonio Tabucchi desde 1973, quando foi entregue a ele a tradução de ‘Zero’ e começou uma amizade que se solidificou ao longo dos tempos. Eu faria a mesma coisa que ele fez, não poderia ter outra atitude. E a tradução de ‘Zero’ para o italiano foi a mais perfeita de todas”. Pouco…
A Flip teve finalmente seu momento de emoção explítica na mesa de hoje ao meio-dia, chamada “Pontos de fuga”, que reuniu o português Valter Hugo Mãe e a argentina Pola Oloixarac. Surpreendentemente, os papeis tradicionais se inverteram: Pola, que antes mesmo de pisar em Paraty já carregava o título (merecidíssimo) de musa da Flip, foi o lado racional da conversa, e coube a Mãe, que chegou às lágrimas ao ler um simpático texto sobre a importância do Brasil em sua geografia emocional, arrebatar o público que lotou a Tenda dos Autores e ser aplaudido de pé. “Foi a mesa dos baixos instintos”, comentou uma velha raposa da Flip, referindo-se tanto àqueles instigados em parte da audiência pelas longas pernas envoltas em meias pretas da escritora argentina quanto aos que, de natureza diferente , o autor de “a máquina de fazer espanhóis” despertou ao falar de sua infância marcada por telenovelas e vizinhos vindos do Brasil, todos envoltos em certa aura de magia, e agradecer no fim, com voz embargada, o convite para visitar o país como escritor. “Sinto que fazem de mim um homem de ouro”, disse, referindo-se a um episódio de sua infância em que o fato de ser…