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Bienal: três bons motivos para ir ao hipermercado do livro
Mercado / 31/08/2011

Evento da indústria editorial, a 15ª Bienal do Rio, que ocupa de amanhã ao dia 11 de setembro uma área de 55 mil metros quadrados no Riocentro, não é exatamente uma feira literária – não no sentido estrito desta palavra. É uma feira do livro, o que faz tanta diferença que explica o aparente paradoxo do sucesso de massa do evento num país com três quartos da população em situação de analfabetismo funcional e que carrega o modesto índice de leitura de 4,7 livros anuais per capita, aí incluídas obras didáticas e técnicas. Se a Flip é uma delicatessen, a Bienal é um hipermercado. Em Paraty, embalados em certa aura de alta cultura, poucos milhares de leitores vão ver e ouvir autores que só muito raramente dão as caras nas listas de best-sellers. No Riocentro, grandes vendedores de livros e até personalidades de outras praias atraem uma multidão prevista em 640 mil pessoas a uma festa que cresceu quinze vezes em público e 40 vezes em área em menos de trinta anos – não por acaso, o mesmo período em que explodiu no Brasil e no mundo a chamada cultura da celebridade. Na Flip, o ator Marcello Antony seria um…

Literatura e universidade, a história de um divórcio
Pelo mundo / 29/08/2011

A propósito do lançamento do tijolão The Cambridge history of the American novel, produto de um coletivo de acadêmicos, o crítico Joseph Epstein publicou sábado no “Wall Street Journal” o mais devastador artigo (em inglês, acesso gratuito) que já li sobre o progressivo afastamento entre os estudos literários feitos no âmbito da universidade e tudo aquilo que na vida real faz da literatura, literatura. “Só o que ficou fora do livro”, diz Epstein com ironia, “foram questões como a de por que é importante e mesmo prazeroso ler romances e como acontece de certos romances serem imensamente superiores aos outros.” Basta abstrair as referências à realidade americana para ter um retrato mais ou menos fiel do que se passa no Brasil e, presumo, em muitos outros países. Para leituras complementares, recomendo dois textos que publiquei aqui no Todoprosa: A crítica de mal com a literatura e Quer odiar literatura? Estude Letras. Tenho certeza que um dia nós – ou nossos descendentes – vamos rir disso tudo. Mas será preciso esperar tanto? Abaixo, alguns trechos do artigo de Epstein: É improvável que a maioria dos leitores já tenha ouvido falar dos autores que colaboram em “The Cambridge history of the American…

‘O fim do livro’ já cansou. Que tal ‘o fim do escritor’?
Mercado / 26/08/2011

O escritor escocês Ewan Morrison provocou um barulho considerável no Festival de Livros de Edimburgo, há poucos dias, com uma palestra (transcrição resumida do “Guardian”, em inglês) tão fundamentada quanto apocalíptica em que, além de dar razão a quem prevê para o futuro próximo o fim do livro de papel (para o qual estima uma sobrevida de apenas uma geração), pinta um cenário em que o próprio ofício de escritor como o conhecemos deixará de existir: Os e-books, no futuro, serão escritos por principiantes, por equipes, por entusiastas de suas respectivas especialidades e por autores já estabelecidos na era do livro de papel. A revolução digital não emancipará os escritoires nem abrirá uma nova era de criatividade: vai levá-los a ofertar seu trabalho em troca de muito pouco ou de nada. A literatura, como profissão, terá deixado de existir. A futurologia é uma disciplina traiçoeira, mas Morrison não é propriamente um maluco que sobe no caixote para pregar o fim do mundo. Apresenta-se munido de todas aquelas tendências estatísticas já bastante conhecidas que apontam para a progressiva perda de valor do conteúdo na era digital (rumo à gratuidade absoluta?) e para o crescimento aparentemente irresistível da pirataria. Registra a decadência…

Canudos não fica na Amazônia e outros links
Pelo mundo / 24/08/2011

Aí não, Babelia! A última edição do bom caderno literário do jornal espanhol “El País” trouxe na capa, com a assinatura de William Ospina, um abrangente apanhado da literatura produzida na região amazônica, “O grande rio dos mitos”, a pretexto dos quinhentos anos de Francisco de Orellana, “descobridor” do rio. O problema é que o texto é abrangente demais: inclui entre os expoentes da literatura amazônica “Os sertões”, de Euclides da Cunha, o clássico brasileiro sobre a guerra de Canudos – que, como se sabe, fica na Bahia. * Desde o surto de suicídios deflagrado pelo sucesso de “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, não se via uma epidemia romântica de fundo literário como essa: casais de namorados escrevem seus nomes em cadeados, prendem-nos nas pontes de Veneza e atiram as chaves na água. Inspirada num livro do escritor italiano Federico Moccia, a gracinha virou febre e vem sendo reprimida pelas autoridades, que temem danos ao patrimônio histórico. O jornal “La Repubblica” cobrou em editorial multa de 3 mil euros e um ano de prisão para a turma do “cadeado do amor”. Reportagem completa do “Guardian”, em inglês, aqui. * A revista “Banipal”, em inglês, lançou este ano uma…

‘O senhor do lado esquerdo’: por uma mitologia carioca
Resenha / 22/08/2011

O típico romance brasileiro contemporâneo não quer saber do passado, seja em forma de história ou de mito. Para ele o passado perdeu substância e virou uma obsolescência de mau gosto, museu da irrepresentabilidade da experiência humana. À parte uma óbvia diversidade – apregoada em excesso, a meu ver – qual é o narrador típico da ficção brasileira dos últimos vinte anos? Eu diria que é o sujeito solitário e cético que se vê lançado num mundo de referências – morais, sexuais, políticas, religiosas, familiares, profissionais – que considera fajutas, esvaziadas, fantasmagóricas, quando não violentas e absurdas. Menos agente da realidade do que seu paciente crítico, bartlebyano, esse narrador às vezes é abúlico, às vezes agitado, mas sempre tão atordoado quanto o leitor. Habita uma espécie dolorida de presente: aquele em que a quebra das molduras fornecidas pelo passado e a inação que isso induz tornam o futuro aleatório, portanto imprevisível, mas de toda forma gratuito e vão. Esse “narrador típico” – uma abstração generalista, claro – é descendente direto de Albert Camus e Samuel Beckett, via Rubem Fonseca e João Gilberto Noll. Foi antecipado por Cyro dos Anjos, mas não sabe disso. Também tem suas dívidas com o noir,…

Uma baleia chamada Melville e outras bizarrices
Vida literária / 19/08/2011

Uma baleia – aliás extinta – batizada Livyatan melvillei (o bicho maior aí ao lado) em homenagem a Herman Melville, autor de “Moby Dick”, parece algo bastante lógico, não? Mas o que tem Leon Tolstoi a ver com a cratera de Mercúrio que leva o seu nome? O mesmo que figuras tão díspares quanto Homero, Cervantes, Shakespeare, Balzac, Rimbaud, Proust, Neruda e Calvino (o Italo, ele mesmo), entre muitos outros escritores, todos homenageados em algum buraco daquele pequeno planeta que dizem ser mais quente que Manaus. Véspera de fim de semana, não poderia haver leitura literária mais amena do que este post (em inglês) do “PWxyz”, blog do Publishers Weekly, sobre escritores que dão nome a coisas bizarras. Coisas bizarras como a síndrome de Stendhal, fenômeno psiquiátrico caracterizado por uma série de sintomas físicos e emocionais (palpitações, agitação, desorientação espacial e temporal, sudorese) provocados pela exposição à beleza de grandes obras de arte. A síndrome, que me parece longe de ser das piores que existem, ganhou esse nome porque coube ao autor de “O vermelho e o negro” a mais famosa descrição de um desses episódios, em visita a Florença em 1817. Quebrei a cabeça por algum tempo tentando encontrar…

Literatura: como proteger seu filho dessa droga
Sobrescritos / 17/08/2011

Prezada senhora, Obrigado por sua consulta. Nossa experiência de reabilitação de centenas de pacientes, quase todos afligidos por sintomas idênticos aos que a senhora descreve em seu e-mail, nos permite assegurar que seu filho estará inteiramente curado em apenas uma semana, caso a senhora opte por contratar nossos inovadores serviços. Na jornada rumo à meta de todos os pais dignos desse nome, uma vida saudável e produtiva para seus filhos, a senhora já deu o passo mais importante: identificar o problema no nascedouro e evitar a ilusão confortável de que tudo não passará de uma paixão adolescente fugaz. A espiral do vício, minha senhora, é implacável: dos suspiros pelos cantos, sempre cercada de livros, a vítima passa em 72,7% dos casos à fase que chamamos de “projeção ativa”, arriscando então seus próprios escritos, seduzida pela miragem de pertencer a esse mundo imaginário de beleza e sensibilidade que os ingênuos conhecem por literatura. Diversos métodos de reabilitação já foram propostos por nossos concorrentes. Nenhum deles tem a eficácia comprovada do nosso. A dureza radical do tratamento que desenvolvemos – e que leva alguns pais a recuarem, sentindo pena de seus pimpolhos, o que é um erro terrível – nada mais é…

Um prêmio de peso para poesia e conto e outros links
Pelo mundo / 15/08/2011

Depois de uma série de prêmios literários cheios de cifrões, mas todos monopolizados por romances, chegou a vez da poesia e do conto. O prêmio Moacyr Scliar, que o governo do Rio Grande do Sul anuncia amanhã, vai contemplar o melhor livro brasileiro de cada um desses gêneros, em anos alternados, com R$ 150 mil para o autor e R$ 30 mil para a editora. * No site da “New Yorker”, Giles Harvey junta numa só crônica (em inglês) suas tentativas frustradas de ser um jogador de futebol decente, os bons conselhos literários de Virginia Woolf, um papo velho demais de Noam Chomsky e o mais famoso gol que Pelé não marcou, aquele contra o Uruguai em1970. No campo eu não sei, mas com as palavras o cara é bom de bola. * Polêmica: “Enquanto o debate literário clama por mais e melhores antologias, Pires pede ‘referências centrais e critérios claros’ na organização de uma antologia geracional”. Nelson de Oliveira responde a Paulo Roberto Pires na “Ilustríssima” (só para assinantes). To be continued. * Para mim, o debate literário clama mesmo é por mais e melhores apreciações críticas. Já começou a se preparar para o I Concurso Todoprosa de Resenhas?…

I Concurso Todoprosa de Resenhas: Brasil, século 21
Vida literária / 12/08/2011

Pelo menos num ponto concordam os que acham a literatura brasileira contemporânea saudável e os que a consideram um lixo: espelhando o próprio mundo da informação na era da internet, vivemos uma síndrome que é ao mesmo tempo de excesso e de carência. Um dos traços marcantes da literatura brasileira no século 21 é a sensação de que há mais gente escrevendo do que lendo. Se é evidente que existe exagero nessa impressão (mas não muito), parece indiscutível que há mais gente escrevendo do que lendo criticamente e resenhando de forma inteligente, inteligível e íntegra a produção de nossos escritores. Resultado: a vida literária parece um organismo em que a quantidade de alimentos ingeridos supera em muito a capacidade digestiva. Com perdão do desdobramento escatológico – mas lógico – da metáfora, o bolo fecal gerado no processo é gigantesco, mas, caramba, como se desperdiçam nutrientes! O I Concurso Todoprosa de Resenhas está sendo lançado para suprir parte dessa falta. REGULAMENTO: 1. Serão premiadas as três melhores avaliações críticas de livros nacionais de ficção – romances ou coletâneas de contos – lançados desde 2001 (inclusive). 2. Cada autor pode inscrever uma única resenha, que deve ser enviada por arquivo Word para…

Como sobreviver ao fim do mundo
Pelo mundo / 10/08/2011

Quis o acaso que eu estivesse lendo dois ensaios de peso sobre a famosa “crise do romance” quando os jornais de terça-feira trombetearam o fim do mundo, com as bolsas de valores derretendo em todos os cantos do planeta e as multidões de saqueadores de Londres ateando fogo à cidade que até então parecia a prova mais risonha de que o multiculturalismo globalizado podia dar em boa coisa, afinal. Essa atmosfera de fim dos tempos – ou no mínimo de fim de uma era, uma vez que o apocalipse maia em 2012 é duro de levar a sério – foi o ruído de fundo perfeito para a leitura de É possível pensar o mundo moderno sem o romance?, de Mario Vargas Llosa, e O romance é concebível sem o mundo moderno?, de Claudio Magris, ensaios que são, respectivamente, a abertura e o fecho do monumental volume de crítica literária organizado pelo italiano Franco Moretti, “A cultura do romance” (Cosac Naify, 2009, tradução de Denise Bottmann). Respondendo a provocações em que a ordem dos fatores altera, sim, o produto, o consagrado romancista peruano e seu colega italiano, que também é crítico, não poderiam deixar de adotar posturas diferentes diante de uma…

Camus teria sido morto pela KGB e outros links
Pelo mundo / 08/08/2011

O acidente de carro que matou Albert Camus em 1960 pode ter sido arquitetado pela KGB, diz o jornal italiano “Corriere della Sera” (em inglês, via “Guardian”, aqui). * Nos cinqüenta anos da morte do grande Dashiell Hammett, o Babelia lembra (em espanhol) a dignidade do silêncio à la Bartleby que o levou à cadeia no auge do mccarthismo. * Resposta (em inglês) da Kurt Vonnegut Memorial Library ao banimento do livro “Matadouro 5” do currículo de uma escola americana: distribuição de 150 exemplares gratuitos do livro aos alunos. * Paulo Roberto Pires reflete sobre antologias e antologias na Ilustríssima de ontem (só para assinantes). * “A ironia é elitista”, minha crônica de ontem no Sobre Palavras, poderia ter saído aqui. * Escritores estão se tornando “versões baratas de celebridades”, diz David Foster Wallace nesta entrevista, falando da demanda crescente por viagens de divulgação e leituras em livrarias – ou, na versão brasileira, Flap, Flep, Flip, Flop, Flup. httpv://www.youtube.com/watch?v=S9VAgdEzUss&feature=related

Nareba quer ir a Frankfurt
Sobrescritos / 05/08/2011

A lenda da blogosfera literária nacional Lúcio Nareba está em liberdade desde o último indulto de Cosme e Damião, tendo cumprido, conforme a lei, um vigésimo da pena a que foi condenado pelo assassinato da editora Bia Escarpin (ao lado, no flagrante de Gilmar Fraga). A imprensa tradicional não deu destaque à libertação, mas os fãs têm sido fiéis ao velho mito e se cotizam para pagar os dois engradados diários de cerveja em que o fundador do radical narebismo se embebe, além dos cigarros que fuma sem parar pelos ouvidos e do Blackberry lilás em que cutuca nanocontos de três palavras o dia inteiro, produzindo um a cada quinze ou dezoito horas. E de repente isso já não basta. O homem Lúcio sente que alguma coisa nele, profunda e visceral, foi transformada pela cadeia. Começa a lhe parecer pouco desfrutar da glória de sempre, ainda que imensa, em seu próprio círculo literário. Nareba quer crescer como artista, ganhar o mundo. No começo fica meio confuso, mas, num esforço final notável, seus neurônios desenham a ideia mágica: Frankfurt 2013! É urgente que o traduzam para o alemão! Ora, ter uma ideia dessas deveria bastar por si só. Lúcio Nareba em…

Manual para tweets, Itamaraty literário e outros links
Pelo mundo / 03/08/2011

Estava demorando: sai em inglês um seriíssimo manual de estilo para quem quer se aprimorar na comunicação com um mundo em que qualquer mensagem além de 140 caracteres parece tão longa quanto um livro de Jonathan Franzen. “Microestilo: a arte de escrever pequeno” é de autoria de um publicitário, o que faz todo o sentido. Especialista em branding, Christopher Johnson acredita que as técnicas de condensação usadas por profissionais de comunicação na criação de marcas, slogans, títulos e frases de efeito podem ser úteis ao cidadão comum. Mas o que este sujeito estaria interessado em vender online? A si mesmo, claro. * Depois do bom programa de apoio à tradução da Biblioteca Nacional, mais um indício de que o Brasil está finalmente acordando em seu berço esplêndido para a importância de exportar literatura: os vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura – Rubens Figueiredo por “O passageiro do fim do dia” e, na categoria estreante, Marcelo Ferroni por “Manuel prático da guerrilha” – podem correr o mundo em viagens de divulgação bancadas pelo Itamaraty. No “Estadão” de hoje. * Corajoso para publicar o que muitos sussurram pelos cantos, o jornalista e escritor paulista Ronaldo Bressane descasca o novo livro de…

Massacre da Noruega: literatura e trauma nacional
Pelo mundo / 01/08/2011

“Como reagirão os escritores policiais da Noruega ao massacre de Utoya?”, perguntava ontem um tweet do jornal inglês “Observer”, dando um endereço que conduzia a um artigo de Brian Oliver, intitulado “Quando escritores são confrontados por um trauma nacional” (em inglês, acesso gratuito). Resposta possível: “Não reagirão. Escritores policiais não têm que reagir a tal coisa. Basta que reajam os policiais”. Mas o artigo não é tolo, embora também não seja profundo. Faz um rápido apanhado do bom momento vivido pela literatura policial nos países escandinavos e sustenta a tese de que, na cultura nórdica, a ficção retém um lugar privilegiado de arena de debates públicos que está praticamente esquecido no resto do Ocidente. Ao contrário do que sugere o tom ligeiramente ridículo do tweet que gerou, o texto de Oliver não força a barra de uma ligação direta entre o que explode nas manchetes e o que vai parar nas páginas dos romances. Ainda bem. A não ser em casos de subliteratura, essa ligação não costuma ter nada de direta, simples ou urgente. Uma excelente reflexão sobre o tema, a partir de um “trauma nacional” incomparavelmente mais devastador que o da Noruega, encontra-se no livro “Guerra aérea e literatura”,…