Clique para visitar a página do escritor.
Como viver, por Vila-Matas
Pelo mundo / 30/01/2012

Enrique Vila-Matas publicou na última sexta-feira no “El País” o artiguete que traduzo abaixo: Embora inconciliáveis entre si, três atitudes diante da arte literária podem ser igualmente fascinantes. No fundo, as três respondem à questão de como posicionar-se diante do mundo, como viver. Se me perguntassem, seria difícil precisar com qual me afino mais, pois todas têm a mesma carga de verdade íntima, o que não faz mais que comprovar que, como sustentava Niels Bohr, o oposto de uma verdade não é uma mentira, mas outra verdade. Mesmo assim, reconheço que por algum tempo tive minhas preferências e admirei, acima de todas, a atitude elegante dos solitários, dos que têm desejo de clausura, de torre de marfim, uma necessidade de isolamento para atender apenas à sua obra. Tudo mudou quando me dei conta de que estava reparando apenas em criadores de indiscutível estatura moral e intelectual; andara estudando, por exemplo, Wittgenstein, lendo tudo sobre o ano que ele passou em radical solidão na cabana de Skjolden, na Noruega, onde sentiu uma grande euforia ao ver que podia se dedicar inteiramente a si mesmo, ou melhor, ao que acreditava ser a mesma coisa, a sua lógica, o que lhe permitiu ter…

O cânone russo de Putin: literatura e poder, tudo a ver?
Pelo mundo / 27/01/2012

Não é simples dar conta da notícia de que Vladimir Putin, ex-presidente, atual primeiro-ministro e novamente candidato à presidência da Rússia, propôs num longo artigo de jornal – intitulado “Rússia: a questão étnica” – a formulação de uma lista oficial de cem livros que traduzam um certo espírito russo, a serem adotados nas escolas de todo o país como forma de fortalecer sua unidade cultural. O jornalista russo Alexander Nazaryan, residente nos Estados Unidos, optou neste artigo (em inglês) por encarar a notícia pelo lado escuro – o que no caso do primeiro-ministro, ex-agente da KGB, faz sentido – e comparar Putin a Adolf Hitler no nacionalismo exacerbado e manipulador. “Engenharia social por meio de uma literatura sancionada pelo Estado: nenhum outro ato de Putin até agora foi tão escancaradamente soviético em seu desejo de manipular e subjugar o intelecto humano”, alarmou-se Nazaryan, prevendo como contraponto ao cânone oficial uma lista de livros banidos, embora Putin não toque neste assunto. Eis o lado ruim, certo, mas qual seria o bom? Simples: o fato mesmo de acharem – Putin e Nazaryan – que a literatura tem essa importância toda em pleno século 21. Tanto as ideias do primeiro-ministro quanto as de…

Erico no IMS, McCarthy no Twitter, Franzen na TV
Vida literária / 25/01/2012

Amanhã à noite terei uma conversa íntimo-pública com Luis Fernando Verissimo sobre “Incidente em Antares”, o último romance do pai dele, diante de uma plateia de bolso no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Lançado em 1971, o divertido livro em que Erico Verissimo (foto) cutucava a ditadura no auge da repressão e flertava com o “realismo mágico” latino-americano pela via do humor rasgado – além de passar bem perto de antecipar a moda moderninha dos zumbis – já tem um pouco mais de quatro décadas, mas a comemoração do aniversário atrasou. Fiquei tão honrado quanto surpreso ao ser convidado para o evento por Elvia Bezerra, coordenadora de Literatura do IMS, que detém o acervo do maior nome da literatura gaúcha. Como podia ela saber, se quase nunca falo disso, que em minha adolescência quem me enfiou na cabeça que eu ia ser escritor foi justamente Erico, que tinha presença imponente na biblioteca de meus pais e que eu li de forma compulsiva entre os 12 e os 14 anos? Pois é, ela não sabia. O que me deixa com a sensação – nada desagradável, devo reconhecer – de ter feito algumas escolhas certas na vida. Não é só…

Quer ganhar aumento? Leia Guimarães Rosa
Pelo mundo / 23/01/2012

Assolado por uma sensação de perda de tempo toda vez que abre “Em busca do tempo perdido”? Em busca de uma razão utilitária para ler – com perdão da palavra – ficção? Bem, a executiva americana Anne Kreamer também estava, até que descobriu uma série de pesquisas que associam a leitura de ficção literária com “inteligência emocional”, empatia, capacidade de imaginar o outro e se adaptar a situações novas, eficiência no trabalho em equipe – e, como consequência de tudo isso, maiores chances de descolar bons salários no mundo corporativo, especialmente na era da globalização. O artigo (aqui, em inglês, no blog da Harvard Business Review) vale mais como curiosidade do que como guia de comportamento para futuros executivos. Por um lado, o que Anne Kreamer afirma não é muito diferente de algo que já virou lugar-comum entre letrados, uma espécie de último reduto de “relevância social” da ficção num mundo em que ela perdeu centralidade: aquilo que Amós Oz chama de “antídoto contra o fanatismo”, a “virtude moral” de exercitar sistematicamente a imaginação de tudo que ultrapassa o círculo limitado do ponto de vista individual do leitor. (O mesmo vale para histórias contadas em filmes, peças de teatro etc.?…

Como não escrever um romance – o escracho
Pelo mundo / 20/01/2012

httpv://www.youtube.com/watch?v=ocvlo3XG8aY&feature=related O livro é de aconselhamento literário do tipo sério – ou quase isso. O filmete de animação (em inglês) que acompanhou seu lançamento, porém, é puro escracho, com aquela sátira da vida boêmia podre de chique à la Scott e Zelda Fitzgerald que já era falsa no original: como escrever um bom romance, ganhar rios de dinheiro e ser sexualmente irresistível, tudo sem derramar o dry martini? Tem coisas que só o Pop Literário de Sexta faz por você.

‘E foram todos para Paris’: uma viagem na primeira classe
Resenha / 18/01/2012

Terá começado com o fim da Primeira Guerra Mundial, nos passos de John dos Passos e e.e. cummings? Ou antes disso, com o desembarque do crítico de arte Leo Stein, irmão de uma certa Gertrude? Ou teria sido alguns anos mais tarde, quando lá pôs os pés pela primeira vez um sujeito chamado Ernest Hemingway – que se tornaria seu principal divulgador e figura mais emblemática? Seja como for, o fato incontestável é que a mitológica Paris da chamada Geração Perdida é uma criação americana, celebrada nostalgicamente por geração após geração de artistas americanos – o último deles, o cineasta Woody Allen, com o divertidíssimo “Meia-noite em Paris”. Se a mitologia parisiense dos anos 1920-1930 tem em seu coração esse drástico deslocamento geográfico-cultural, não é tão espantoso que seu mais sucinto e espirituoso guia turístico-literário seja de autoria não de um americano, nem de um francês, mas de um brasileiro. Em “E foram todos para Paris – Um guia de viagem nas pegadas de Hemingway, Fitzgerald & Cia.” (Casa da Palavra, 128 páginas, R$ 39,30), o jornalista Sérgio Augusto equilibra num volume magro e bem ilustrado, que se presta tanto à leitura corrida quanto à consulta, o rigor no acompanhamento…

O grandioso projeto de Antenor, microcontista do Twitter
Sobrescritos / 16/01/2012

O microcontista Antenor já gostava de escrever contos curtos antes do Twitter. O que a rede social lhe proporcionou, além de um mural onde publicar sua obra até então inédita, foi um foco preciso. Isso foi mais importante até do que o próprio mural: a concentração que o limite de 140 caracteres lhe deu. De mistura com a concentração de Antenor veio a grande ambição de Antenor: ser o primeiro dos microcontistas “científicos”. Aplicar a exigente moldura dos 140 toques a todos os aspectos da técnica ficcional, mapeando exaustivamente recursos e efeitos. Esquadrinhar as sete províncias da prosa imaginativa, projeto rascunhado certa manhã por Walser numa cabeça de alfinete, e ir além. Construir personagens redondos com pinceladas retas, lançá-los em conflitos épicos, guardar espaço para o twist final. Tudo num registro que ponha em questão a própria ideia de registro, brincando com a linguagem. Eis a meta, de resto tão inatingível quanto a imortalidade do corpo. Contudo, não sendo possível conjugar perfeitamente foco e amplitude, é possível – tem de ser, é a aposta de Antenor – determinar onde e por quê. Onde começa o impossível e o que acontece com a história a partir daí: quando se fica com…

O ‘crítico demolidor’ como figura folclórica e outros links
Pelo mundo / 13/01/2012

Para críticos e resenhistas que se ressentem, às vezes de forma dolorosa, da importância atribuída às obras dos escritores em detrimento da sua própria, uma boa notícia: um prêmio (anglófono, of course) para resenhas jornalísticas. Mas não se trata de qualquer resenha. Só podem concorrer aquelas que, de preferência com estilo, fizerem picadinho de seu objeto, como o nome do galardão indica: Hatchet Job of the Year, isto é, Serviço de Machadinha do Ano. Talvez a notícia não seja tão boa, afinal. Por que não premiar simplesmente a melhor resenha, a que jogue mais fachos de luz – negativos ou positivos, mas mais provavelmente uma mistura deles – sobre o livro que analisa? O foco em textos de espinafração espirituosa é claramente uma forma de, pela via do folclore, dar contornos nítidos a algo que permanece embaçado e amorfo na cena cultural contemporânea. * Talvez seja o caso de refletir sobre a surpreendente humildade declarada por George Steiner, crítico de altíssimo coturno, nesta entrevista (em inglês) de duas semanas atrás: Críticos, comentaristas e exegetas, mesmo os mais talentosos, ainda estão a anos-luz dos criadores. Nós não compreendemos as fontes íntimas da criação. Por exemplo, imagine esta cena, que se passou…

Ainda ‘A geração superficial’: e a literatura com isso?
Resenha / 11/01/2012

Na resenha do livro “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (The shallows), segunda-feira, faltou falar justamente do que está no foco do Todoprosa: livros, e dentro dos livros a literatura, e dentro da literatura a prosa de ficção. Como ficam essas coisas arcanas, o texto enquanto arte e tal, no mundo colorido, afogado em informação, compulsivo e desatento que Nicholas Carr vê na internet? Um mundo em que todos os textos – e não só os feitos de palavras – viram “conteúdo” indexado, imediatamente acessível na forma de excertos, caquinhos interligados de modos imprevisíveis, tão descontextualizados quanto certo microfragmento triangular de louça cartaginesa azul num caleidoscópio que tende ao infinito. A literatura não é abordada diretamente em “A geração superficial”. Não é este seu foco. Uma exceção é o capítulo em que seu autor discorre sobre o Google Book Search (mas aí está falando mais de mercado editorial, política cultural e biblioteconomia que de literatura). A outra é o momento em que ele fulmina o triunfalismo digital anencefálico de um articulista que nega todo valor à leitura de “Guerra e paz”, um romance que estaríamos na obrigação histórica de finalmente admitir ser uma…

A internet é uma máquina de fazer idiotas?
Resenha / 09/01/2012

“A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital. O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado “O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz, horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de extinção. Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue manter no ar todos esses malabares sem perder a atenção do leitor – isto é, daquele leitor que ainda for capaz de prestar atenção em um texto com mais de cinco linhas. Carr não é um luddita, um reacionário….

‘Livro? Oba! Vamos ler agora, professor!’
Pelo mundo / 06/01/2012

O Pop Literário de Sexta saúda 2012 e pede passagem. * PROFESSOR: Muito bem, crianças, sentem-se. Houve uma mudança de orientação pedagógica na escola. Vou passar um livro para vocês lerem. ALUNO: Livro? Cara, como eu odeio isso. P: Turma, este livro é muito polêmico e acaba de ser retirado da lista de livros proibidos. A: É mesmo? Maneiro. P: Chama-se “O apanhador no campo de centeio” (começa a distribuir exemplares entre as carteiras), e tem algumas partes muito censuráveis… A: Eba! P …e linguagem forte e vulgar. Por sinal, diversas escolas do país ainda proíbem este livro, considerado realmente impróprio. A: Cara, mal posso esperar! P: Como dever de casa, eu quero que vocês leiam do capítulo 1 ao 5, e amanhã debateremos… A: Não, não, vamos ler agora! A: Sr. Garrison, o cara que matou o John Lennon não botou a culpa neste livro? P: Sim (a contragosto), parece que o assassino de John Lennon alegou ter sido inspirado pelo “Apanhador no campo de centeio”. Mas ele era só um maluco. A: Olha só, você tá dizendo que esse livro é sujo, impróprio, e ainda fez um cara dar um tiro no rei dos hippies? Quer fazer o…

Nelson Rodrigues está vivo e tuitando
Sobrescritos / 04/01/2012

Imagine que Nelson Rodrigues não morreu. Às vésperas de completar cem anos, tem um blog chamado A vida como ela ainda é, que atualiza dia sim, dia não (a idade pesa), embora mantenha com as tecnologias digitais uma relação irônica e cheia de ambiguidade. Aproveita-se do que elas têm de prático, mas sente falta do teclado pesado da máquina de escrever. Só consegue continuar publicando porque já não precisa frequentar redações, resolve tudo do sofá de casa, mas morre de saudade do papo furado com os colegas da Geral e do Esporte. Acha que a humanidade se amarrou de bom grado ao pé da mesa e que o computador pessoal, o notebook, o smartphone, o tablet – que nomes absolutamente abomináveis! – não passam de versões metidas a besta da cuia de queijo Palmira. Nelson sabe que o mais descolado animador de rede social não conseguiria atravessar a rua sem ser atropelado pela carrocinha do Chicabon. A certeza de que os cretinos fundamentais venceram a guerra o atormenta um pouco. Não porque um dia tenha duvidado que esse fim seria inevitável, mas por ter sido incapaz de antever, distraído que andava com a cretinice vermelha dos bigodudos de capote, o…

Machado em hipertexto
Vida literária / 02/01/2012

Que tal abrir o ano com uma boa notícia? Então lá vai: com a entrada no ar da edição em hipertexto de “Memorial de Aires”, o último romance de Machado de Assis, no site machadodeassis.net, a Casa de Rui Barbosa cumpre a promessa de disponibilizar nesse formato toda a obra romanesca do maior escritor brasileiro. O espírito didático das notas, que se abrem em caixinhas na tela quando se passa o cursor sobre uma palavra marcada, é explícito: a ambição declarada é fornecer “explicações sobre todas as citações e alusões do texto: tanto as de natureza simbólica (autores, obras de arte, personagens, fatos históricos referidos por Machado de Assis), como as menções a lugares e instituições não-ficcionais (bairros e ruas da cidade do Rio de Janeiro, lojas, teatros, cafés que as personagens machadianas frequentam)”. É possível que, não sendo um marciano recém-desembarcado neste planeta, o leitor estranhe entradas como esta, logo a primeira do “Memorial”, que começa com a seguinte frase: “Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa“: A Europa é um dos cinco continentes da Terra, onde, desde a Antiguidade Clássica, até o século XIX, a civilização ocidental alcançou o maior desenvolvimento. Para os países…