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Millôr, a audácia de um pessimista anarco-humanista
Vida literária / 28/03/2012

Millôr Fernandes é um escritor de domínio linguístico invejável e ouvido perfeito. Em crônicas, frases soltas, poemas curtos, pastiches, peças de teatro originais e memoráveis traduções, deixa um legado textual variado que expressa com grande coerência, em meio à diversidade das formas, uma visão de mundo que se poderia chamar de, hmm, milloriana. O esquema é provisório, claro, traçado ainda sob o impacto de sua morte, mas acredito ser possível identificar quatro linhas de força principais em seus escritos: pessimismo, anarquismo, humanismo e uma quarta qualidade, mais difícil de definir, que ele mesmo chamou de audácia, mas que também se poderia chamar de irreverência, caso a palavra não estivesse tão gasta, ou mesmo de molecagem. Volto à versão bruta da entrevista que fiz com Millôr para a revista “Bravo!”, no dia 14 de novembro de 2008 (versão editada aqui), e descubro que os quatro pontos são cobertos de alguma forma em nossa conversa, embora eu ainda não os tivesse discriminado na época. O pessimismo de Millôr é uma das fontes evidentes de seu humor. Levado ao superlativo, dá em frases como estas: “Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na desonestidade”; “Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem” e…

Millôr, a generosidade do gênio
Vida literária / 28/03/2012

A perda de Millôr Fernandes (1923 ou 1924-2012, ele dizia haver controvérsia sobre o ano de nascimento) chega a ser, sob muitos aspectos, ainda maior que a de Chico Anysio para a cultura brasileira, mas as duas nos atacam na mesma esquina, a da inteligência com a alegria, o que basta para tornar este março de 2012 um mês inesquecivelmente funesto. Para mim, existe ainda um agravante: com Millôr eu tive a sorte de ter contatos profissionais que, se não me permitem falar propriamente em amizade, enchem este momento de um luto mais sombrio e mais sentido. Não é à toa que o céu hoje está enfarruscado sobre o mar de Ipanema, bairro que “o grande filósofo brasileiro” – nas palavras do jornalista Sérgio Augusto – adotou precocemente em 1954, quando aquilo mal passava de um areal, e cuja mitologia ajudou a construir. Pouco mais de três anos atrás, em novembro de 2008, quando, por encomenda da revista “Bravo!”, eu me encontrei com Millôr em sua cobertura-estúdio junto à hoje atarefadíssima praça General Osório, o gênio carioca já se movia com dificuldade, mas mentalmente conservava uma vivacidade e um fôlego que renderam muitas horas vertiginosas de conversa, piadas, maledicências, trocadilhos,…