Sérgio Rodrigues está de férias. A coluna volta a ser atualizada no dia 8 de outubro.
Fiquei muito feliz com a notícia (em inglês) de que o escritor americano Elmore Leonard, 86 anos, autor de um punhado dos melhores romances policiais e de faroeste de todos os tempos, vai receber a medalha da National Book Foundation pelo conjunto da obra, uma honraria que costuma ser abiscoitada por escritores mais “sérios” como John Updike, Gore Vidal e Toni Morrison. Além disso, a Library of America reunirá seus policiais em três volumes de capa dura. Pode ser que esses passos no sentido da canonização não signifiquem muita coisa para o ex-publicitário recluso que vive há décadas de seus livros, produzidos ao ritmo de um por ano e em muitos casos adaptados para o cinema e a TV. (Fala-se muito em “Jackie Brown”, um Tarantino menor, mas meu Leonard cinematográfico preferido é Get Shorty/“O nome do jogo”, de Barry Sonnelfeld.) Estamos falando de um sujeito avesso a qualquer tipo de pose, que projeta uma imagem de artesão e que nunca precisou reivindicar o título de “intelectual” para se levar a sério. De todo modo, as homenagens de agora não são propriamente uma surpresa. Elmore Leonard virou uma instituição cultural americana, ganhou elogios públicos de ninguém menos que Saul Bellow…
Eu me descobri envolvido em algo que se pode chamar de evento histórico mundial. Pode-se dizer que foi um grande evento político e intelectual do nosso tempo, até mesmo um evento moral. Não a fatwa, mas a batalha contra o Islã radical, da qual essa foi apenas uma refrega. Têm sido levantados certos argumentos, até por pessoas de orientação liberal, que me parecem muito perigosos. Argumentos que são basicamente de relativismo cultural: nós temos que deixá-los fazer isso porque é a cultura deles. Minha visão é: não. Circuncisão de mulheres – isso é uma coisa ruim. Matar pessoas porque você não gosta das ideias delas – isso é uma coisa ruim. Nós temos que ser capazes de ter um sentido de certo e errado que não se dilua nesse tipo de argumento relativista. Se não tivermos, teremos deixado de viver num universo moral. Em entrevista ao “New York Times”, concedida no mês passado mas publicada ontem, Salman Rushdie tocou com lucidez nos pontos que tornam “Joseph Anton” (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira e Donaldson M. Garschagen, 616 páginas, R$ 54,50) – seu livro de memórias sobre a década que passou escondido sob o codinome inspirado em Joseph…
É muito esclarecedor este artigo (em inglês) publicado na “Salon.com” por Gerald Howard, sob o título “Eu sei por que Bret Easton Ellis odeia David Foster Wallace”. Howard editou os dois autores americanos quando jovens, admira ambos e acredita que eles sejam os mais brilhantes representantes de dois lados antitéticos da mesma geração – com DFW na extremidade que acabaria por se provar culturalmente vitoriosa. Mesmo assim, reconhece que os tweets cheios de fel que o autor de “Psicopata americano” disparou em sequência, a propósito da biografia de DFW recém-lançada por D.T. Max, deixam-no na posição indigna de chamar um morto para sair no braço. Dois exemplos: A fajuta “sinceridade” do Meio-Oeste de David Foster Wallace, em que uma geração de bebês se reconhece, é a coisa que eu mais odeio como escritor. Tudo bem que David Foster Wallace seja mais esperto do que eu e um escritor melhor, mas ele era tão mais frio do que eu jamais fui. Ele era uma farsa. Quase. * Por falar em David Foster Wallace, cuja morte acaba de completar quatro anos: sai no mês que vem, pela Companhia das Letras, “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo”,…
httpv://www.youtube.com/watch?v=wOrhpRtEXH8&feature=related O Pop Literário de Sexta traz dois vídeos ligados à novela “A metamorfose”, obra-prima de Franz Kafka que, escrita em 1912 (e publicada três anos depois), está completando cem anos sem dar o menor sinal de que um dia se verá transformada numa espécie monstruosa e embolorada de literatura de época. Acima, a íntegra do bom média-metragem livremente inspirado no livro que o cineasta independente espanhol Carlos Atanes lançou em 1993. Abaixo, numa preciosa dica tuíterística do escritor e “curador de links” Carlos Henrique Schroeder, um vídeo em que o professor Ritchie Robertson, eminente kafkólogo de Oxford, apresenta e comenta o manuscrito original do livro. Destaque para a caligrafia demasiado humana de Kafka (não mais torta do que a minha, devo confessar) e para o escasso número de rasuras. Bom fim de semana a todos. httpv://youtu.be/IOoQcPy23w4
Se existe um lado bom no neopuritanismo do Facebook, ele acaba de ser encontrado. O tom de falsa seriedade com que o editor de cartuns da revista “New Yorker”, Robert Mankoff, expôs no site da revista o ridículo de quem se escandaliza com mamilos de nanquim numa representação cartunesca de Adão e Eva produziu uma pequena obra-prima do humor. Muito melhor, aliás, do que o cartum da discórdia, que não é ruim. O post se chama Nipplegate (Mamilogate) e pode ser lido inteiro, em inglês, aqui. Traduzi o trecho inicial: A “New Yorker” tem uma página no Facebook para nossos cartuns, que muitos de vocês curtem, ou talvez seja só uma pessoa com tempo livre à beça que curte a página, depois curte de novo e de novo. Em todo caso, é um número grande de curtidas. Nós curtimos isso. O que nós não curtimos foi a suspensão temporária que levamos do Facebook por violar suas normas comunitárias de “Nudez e sexo” ao publicar este cartum de Mick Stevens. Com a esperança de voltar às boas graças do Facebook, Mick redesenhou o cartum para a gente, mas a adição de roupas provocou uma severa subtração no humor. Uma breve investigação…
Esta é a segunda e última parte da entrevista que fiz com o ex-escritor Silvério Sombra, que há sete anos abandonou as lides literárias para criar galinhas num pequeno sítio chamado Itaguaí. A primeira parte pode ser lida aqui. A mulher feia que a juventude embeleza é uma metáfora da sua própria obra? Ou da literatura em geral? – (risos) É a metáfora de uma metáfora. Uma metáfora para acabar com todas as metáforas. Tudo é metáfora nesse negócio, vê só que porcaria. Demorei a entender o que estava errado. Que tinha alguma coisa errada, tinha. Aquela não era a minha turma. Entrei nesse negócio perseguindo uma miragem, como imagino que todo mundo entre. Um dia lá, perdido na infância, um Robinson Crusoé qualquer, uma Emília, um Zezé do Pé de Laranja Lima puxa um neurônio pra cá, outro pra lá, uma sinapse nova faz zapapof e aí já viu, está feito o estrago. O coitado vai passar o resto dos seus dias perseguindo uma coisa que não sabe direito o que é, querendo fazer parte daquilo. Nesse caminho ele muda de gosto, renega o passado, refina, escolhe a dedo uma meia dúzia de desafetos, quase sempre fica bastante besta,…
A inspiração do artista e poeta austríaco Anatol Knotek, que pinta retratos – como o de Herman Hesse, à esquerda – com palavras manuscritas em vez de traços disputou uma vaga no Pop de Sexta com a suprema gratuidade de uma coleção online de biquínis que se parecem com capas de livros – como o da direita. Deu empate. * Embora pop à beça e bom mesmo seja este mapa da Via Láctea com design inspirado no do metrô londrino. Pena que não se qualifique como propriamente literário. * O escritor catarinense Carlos Henrique Schroeder fez para o site do Instituto Moreira Salles um apanhado de vídeos interessantes disponíveis na web literária. Já havia feito o mesmo com textos. * Este artigo (em inglês) de Barton Swain para o Weekly Standard, a propósito de um livro que busca ensinar regras de estilo para acadêmicos, tem o grande mérito de mostrar – consolo duvidoso – que o problema não é só nosso: “Os acadêmicos modernos não são celebrados pela clareza e pela felicidade de seu texto”, escreve ele. “Uma das lições mais importantes que um estudante de pós-graduação pode aprender – e se não aprender logo, estará condenado – é que…
Encontrei o ex-escritor Silvério Sombra em seu sítio, que ele batizou de Itaguaí por motivos que veremos adiante, embora não se situe na cidade fluminense. O sigilo sobre a localização da pequena propriedade rural de Sombra é apenas uma das cláusulas restritivas que ele impôs como condição para conceder sua primeira entrevista desde que, há sete anos, abandonou tanto os círculos literários em que tinha atuação frenética quanto a própria literatura, recusando-se a acrescentar – conforme suas últimas palavras públicas – “uma linha que seja a uma obra que espero ver esquecida para sempre”. A obra de Sombra, composta de dois romances e dois livros de contos, foi esquecida sem demora, como ele desejava. Seu nome, porém, tem teimado em pairar como um fantasma sobre as conversas literárias nacionais, sobretudo depois que alguém cunhou para ele o epíteto maldoso de “Raduan sem Lavoura”, que pegou. O nervosismo com o imperativo jornalístico de lhe perguntar em algum momento da entrevista o que achava desse apelido me atazanou a viagem até o sítio. Contudo, assim que saltei do jipe um homem de meia-idade descalço e maltrapilho, saco de milho na mão, cercado de galinhas, acabou com o problema. “Aqui não tem lavoura…
RASCUNHO: Como você avalia a entrada do Paulo Coelho na Academia Brasileira de Letras? CARLOS HEITOR CONY: Tendo uma vaga, qualquer um pode entrar. O Paulo Coelho namorava a Academia havia bastante tempo. É uma figura polêmica, sua literatura é muito questionada. Mas há uma coisa que não se pode negar: ele é um homem de letras. Ele escreve letras. Escreveu letras para o Raul Seixas. Nunca li nada dele, realmente. Mas ele tem um sucesso comercial muito grande. Está entrando na Rússia. Já vendeu dois milhões de livros no Japão. É impressionante isso. Shakespeare não vendeu, até hoje, dois milhões de exemplares no Japão. Há outra coisa: o Paulo Coelho é uma pessoa muito fina, muito educada. Não responde ninguém, não agride ninguém. Não se vangloria por vender tanto. É muito cavalheiro. Agora, há as evidências. No Salão do Livro em Paris, em março de 1998, a homenagem foi ao Brasil. Havia lá uma réplica do 14-bis, um busto do Machado de Assis. Foram mais de cem figuras da literatura nacional. O (Jacques) Chirac era o presidente, na época. E ele entrou, para inaugurar o Salão do Livro, de braço dado com o Paulo Coelho. Disse que queria prestar…