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Análise ‘científica’: Shakespeare não escreveu Shakespeare
Pelo mundo / 29/03/2013

A suspeita é antiga, mas uns dois séculos mais nova do que a obra fenomenal do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): ele não seria o verdadeiro autor de suas peças e poemas, ou pelo menos de grande parte deles. Algumas lacunas historiográficas e sobretudo o fato de que o jovem Will nunca teve acesso a uma educação clássica de primeira linha, então ao alcance apenas da nobreza, são os principais argumentos invocados pelos céticos. Como diz o próprio Stephen Greenblatt na introdução do excelente Will in the world: how Shakespeare became Shakespeare, “(sua) obra é tão assombrosa, tão luminosa, que parece ter vindo de um deus e não de um mortal, muito menos um mortal de origem provinciana e educação modesta”. Convém deixar claro que o autor de “Como Shakespeare se tornou Shakespeare” (lançado aqui pela Companhia das Letras, com título que abre mão do trocadilho intraduzível entre Will e “vontade, determinação”) não duvida que Shakespeare tenha sido escrito por Shakespeare. Apenas se dedica a pesquisar, com uma mistura sedutora de informações históricas e insights, como isso foi possível. Se os céticos nunca foram capazes de provar sua tese, correndo o risco de se aproximar de descabelados teóricos…

Chabon sobre Wes Anderson: ‘A isso chamamos arte’
Pelo mundo / 27/03/2013

O mundo é tão vasto, tão complicado, tão repleto de maravilhas e surpresas que a maioria das pessoas leva alguns anos para começar a perceber que é também irremediavelmente quebrado. A esse período de pesquisa chamamos “infância”. Segue-se um programa de investigação reiterada, quase sempre involuntária, sobre a natureza e os efeitos de mortalidade, entropia, coração partido, violência, fracasso, covardia, hipocrisia, crueldade e sofrimento, cujas histórias e amargas lições o pesquisador aprende de cor. Ao longo do caminho, ele ou ela vai descobrindo que o mundo está quebrado até onde alcança a memória de qualquer um, e luta para conciliar tal fato com a pontada de nostalgia cósmica que, de tempos em tempos, agita-se em seu coração: uma sugestão de glória extinta, de inteireza perdida, uma memória do mundo antes de se quebrar. Ao momento em que essa pontada se manifesta pela primeira vez chamamos “adolescência”. O sentimento assombra as pessoas pelo resto da vida. Todo mundo, cedo ou tarde, é submetido ao aprendizado da quebra. A questão passa a ser então: o que fazer com os pedaços? Há quem se abanque em sua pilha local de escombros e toque a vida assim mesmo, beduínos criando suas cabras à sombra…

Que cena! O sexo incestuoso de ‘Lavoura arcaica’
Antologia / 25/03/2013

Em 1975, ano especialmente feliz para a literatura brasileira, um paulista do interior, descendente de libaneses nascido em Pindorama, lançou seu livro de estreia. O nome do autor, então com 39 anos, era Raduan Nassar. O romance curto e denso com que se apresentava, “Lavoura arcaica”, ganhou reconhecimento da crítica – imediato – e de um público exigente – aos poucos – como um clássico moderno. O que sem dúvida é. Nove anos depois, quando anunciou que estava abandonando a literatura para cuidar de sua fazenda, Raduan tinha publicado só mais uma novelinha, “Um copo de cólera”. Intitulado “Menina a caminho”, o volume também breve que reúne cinco contos, quatro escritos antes de “Lavoura” e apenas um recente, sairia em 1997, pela mesma Companhia das Letras que edita toda a sua obra. Acredito estar dizendo o óbvio ao apontar “Lavoura arcaica”, do qual extraí a cena abaixo, como a obra-prima de Raduan. E também ao alertar quem ainda não conhece o livro (nem viu o filme nele baseado, dirigido por Luiz Fernando Carvalho) para o risco de descobrir nesta seção a revelação de um mistério que preferiria desvendar no tempo certo da leitura. O anseio não é apenas justo, mas…

Qual é o negócio da literatura?
Mercado , Pelo mundo / 22/03/2013

A história do livro como tecnologia – o livro como uma tecnologia revolucionária, de ruptura – precisa ser contada honestamente, sem triunfalismo nem derrotismo, sem esperança nem desespero, como Isak Dinesen nos recomendava escrever. Um grande obstáculo à produção de um relato desse tipo, contudo, é a “heurística da disponibilidade”. Trata-se de um modelo de psicologia cognitiva proposto pela primeira vez em 1973 por Daniel Kahneman, ganhador do Nobel, e seu colega Amos Tversky, que descreve como os seres humanos tomam decisões baseadas em informações relativamente fáceis de lembrar. Como as coisas de que nos lembramos com facilidade são aquelas que ocorrem com frequência, tomar decisões baseadas em amostras que temos à mão parece fazer sentido. O sol nasce todo dia; inferimos daí que o sol nasce todo dia. Um peru é alimentado todo dia; inferimos daí que será alimentado todo dia – até que, de repente, não é. A heurística é ótima até deixar de ser. Lemos um grande número de notícias sobre gatos que pulam de árvores altas e sobrevivem, e desse modo acreditamos que os gatos devem ser resistentes a longas quedas. Notícias desse tipo predominam amplamente sobre aquelas em que um gato cai e morre, como…

‘Conversas com escritores’: a arte do bom papo
Resenha , Vida literária / 20/03/2013

Estou lendo com muito prazer o recém-lançado “Conversas com escritores”, de Ramona Koval (Globo Livros, Biblioteca Azul, tradução de Denise Bottmann). É apropriado que o título chame de “conversas” (no original, conversations) as entrevistas feitas pela escritora e jornalista australiana especializada em literatura com 26 autores – entre eles Saul Bellow, Ian McEwan, Toni Morrison, Harold Pinter, Gore Vidal, Mario Vargas Llosa, Amós Oz e Martin Amis. “Há momentos em uma entrevista em que a gente prende a respiração, sem saber se o próximo passo vai trazer a humilhação pública ou um agradável alívio”, diz Koval na introdução. O risco faz mesmo parte de seu jogo. Não lhe falta informação sobre a obra dos autores entrevistados, mas tampouco falta coragem para se colocar diante deles em abordagens pouco convencionais. Fico pensando que talvez seja a oralidade do rádio, veículo em que ela apresentou durante anos um programa de sucesso em seu país, chamado The Book Show, a principal explicação para o fato de suas entrevistas se distanciarem do formato tradicional e virarem bate-papos propriamente ditos, com reticências, associações livres, apartes e epifanias. “Relendo estas entrevistas”, escreve Koval, “vejo que volto constantemente a perguntas sobre a maneira de avaliar uma vida,…

Fala, Tolstoi, que nós te ouvimos
Pelo mundo / 18/03/2013

Ouvir a voz de Leon Tolstoi, um dos maiores escritores do século XIX, é uma experiência quase fantasmagórica. É difícil espantar a ideia de que aquele som não vem do além, mas foi realmente articulado por um ser vivo e gravado por meios terrenos, prosaicos. O fato de que nessa rara gravação de 1909 – um ano antes de sua morte – o escritor não está falando russo, mas inglês, torna tudo ainda mais estranho. Numa cortesia do blog Brainpickings, o que se ouve aqui é o autor de “Guerra e paz” lendo um trecho da tradução inglesa de seu livro “Calendário da sabedoria”, um precursor da onda de auto-ajuda em que Tolstoi, preparando-se para o fim da vida, resumia o legado de suas inquietas investigações espirituais – em que se combinavam um cristianismo peculiar (e excomungado pela Igreja Ortodoxa), o pacifismo, a idealização da vida no campo e uma espécie de proto-ambientalismo. Mas o que vale mesmo, de toda a experiência, é ouvir aquela voz. Abaixo, uma tradução caseira do trecho: Que o propósito da vida é a busca da perfeição, a perfeição de todas as almas imortais, e que esse é o único propósito da minha vida, é…

Quando o bonito fica bonito demais?
Pop de sexta / 15/03/2013

httpv://www.youtube.com/watch?v=CdTN_3kgPaY Hoje o Pop Literário de Sexta deixa momentaneamente de lado as velharias e as esquisitices para falar de duas produções cinematográficas atuais, cheias de estrelas e de apelo midiático. Os filmes eu ainda não vi, mas esses dois trailers de adaptações recentíssimas de clássicos da literatura, um do século XIX e o outro do XX, são promissores. Acima, o trailer de “O grande Gatsby”, adaptação do romance do americano F. Scott Fitzgerald feita pelo australiano Baz Luhrmann, com Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire e Carey Mulligan, filme escolhido para abrir o Festival de Cannes em maio. Abaixo, o de “Anna Karenina”, leitura do romance do russo Leon Tolstói que está estreando este fim de semana no Brasil, com boa recepção crítica. Tem Keira Knightley, Jude Law e Kelly MacDonald no elenco, o grande Tom Stoppard no roteiro e um Oscar na bagagem – o de figurino, o que talvez seja sintomático. Os dois filmes parecem bonitos de doer. O que eu fiquei pensando aqui – está bem, confesso que sou meio implicante – é se não parecem bonitos demais. E o que há de errado nisso? Em princípio nada, claro, mas bolos pomposamente confeitados, com recheio pobre ou indigesto, são…

O PM e o revisor
Sobrescritos / 13/03/2013

Ia entrar na garagem de seu edifício quando um PM fortão de cabeça raspada fez sinal para que encostasse o carro. Obedeceu, claro. Baixou o vidro da janela. – Boa noite, cidadão. Seu farol está queimado. – É mesmo? – ele fingiu que não sabia, lendo a identificação do homem no bolso do uniforme: sargento Hudson. – Prometo consertar amanhã cedo, sargento. – Mas isso é uma infração, cidadão. Como é que fica? Claro, que coisa mais previsível: o cara queria levar uma grana. Mas não ia levar. Ele não compactuava com corrupção. – Bom, se tiver que me multar… – O que é isso, cidadão, não tem escopo nem determinismo. O senhor é revisor, positivo? O primeiro efeito daquelas palavras foi deixá-lo confuso, depois com medo. Como o sargento Hudson sabia que ele era revisor? Será que os medíocres livros de auto-ajuda e elevação espiritual que garantiam seu sustento, e com os quais se relacionava com envergonhada discrição, tinham deixado alguma marca traiçoeira em sua testa? Confirmou: – Como sabe disso, sargento? O homem riu. – Não precisa se assustar, cidadão. Não vamos causar malefício a si. Provemos a segurança aqui da área, conhecemos todo mundo. Gostaríamos de fazer…

Coetzee e Auster veem esporte na TV: ética x estética
Pelo mundo / 11/03/2013

Numa das cartas do recém-lançado Here and now – que traz a intensa correspondência trocada por J.M. Coetzee e Paul Auster entre 2008 e 2011 e que teve um excerto publicado no site da “New Yorker” – o escritor sul-africano explica por que discorda do amigo americano quando ele sustenta que a dimensão estética do esporte explica seu fascínio sobre o espectador. De forma nada surpreendente, Coetzee leva a conversa para o campo ético. Para mim, a discussão não poderia ser mais atual. Estes dias estou dando os retoques finais em meu novo romance (a ser lançado no segundo semestre pela Companhia das Letras), que tem a história do futebol brasileiro como pano de fundo e que se ocupa de questões tanto estéticas quanto éticas. É justamente o futebol brasileiro que contraria um dos elos da argumentação de Coetzee. O discurso missivístico do autor de “Desonra” vai reproduzido abaixo, em tradução caseira, para que o leitor julgue por si. Pareceu-me interessante e iluminador de aspectos certamente presentes na mágica esportiva, mas limitado também. “Que atleta gostaria de ser parabenizado por sua graciosidade em campo?”, pergunta Coetzee. “Até mulheres atletas o olhariam de cara feia. Graça, graciosidade: termos efeminados.” Vê-se que…

‘Vício inerente’: a voz do dono
Pop de sexta / 08/03/2013

httpv://www.youtube.com/watch?v=RjWKPdDk0_U A adaptação cinematográfica assinada por Paul Thomas Anderson (“Boogie nights”, “O mestre”), com Joaquin Phoenix no papel do detetive Doc Sportello, está em pré-produção e é prometida para 2014. Enquanto ela não vem, o Pop Literário de Sexta fica com o trailer também cinematográfico do romance pós-policial “Vício inerente” (Companhia das Letras, 2010, tradução de Caetano Galindo), do americano Thomas Pynchon. Lançado um pouco antes do livro, em 2009, o vídeo acima provocou arrepios nos leitores do misterioso Pynchon – um escritor mil vezes mais recluso do que Rubem Fonseca sonhou ser um dia, antes de desistir e cair na gandaia – por trazer uma narração em off que, suspeitou-se, era do próprio autor. Seria mesmo? Sim, era ele, confirmou a editora. Foi quando alguns fãs começaram a acreditar que Pynchon não era Deus, como se dizia até então, mas a identidade secreta de Jeff Bridges.

Mo Yan, Morrissey, Maura e outros links
Pelo mundo , Vida literária / 06/03/2013

O chinês Mo Yan (foto), Nobel de literatura do ano passado, se defendeu em entrevista ao Der Spiegel – a meu ver, bem – das acusações generalizadas de ser um escritor governista. Em inglês (melhor do que alemão, certo?), aqui. Como noticiou ano passado o vizinho “Veja Meus Livros”, Mo Yan é considerado por alguns especialistas ocidentais em assuntos chineses uma espécie de “via do meio”. * Morrissey, em momento de rara infelicidade (que o Guardian criticou aqui), disse que não haveria guerra se todos os homens fossem gays, porque “gays não matam”. Alguém aí dê ao Moz um exemplar de “As benevolentes”, por misericórdia. * Estou bem curioso para ler essa biografia da talentosa e atormentada escritora mineira Maura Lopes Cançado, que teve uma vida triste. Ainda no forno, mas promete. * Deve ser, disparado, a pauta preferida do jornalismo inglês que trata de literatura: por que é tão difícil escrever cenas de sexo, blablablá. Durante algum tempo dei trela para o assunto aqui no blog, mas confesso que estou cansado. A obsessão com o sexo na literatura me parece cada vez mais um problema de quem vive uma escassez de sexo fora dela. Reconheço que Daniel Galera discorreu…

Que cena! Os caminhos bifurcados de Borges
Antologia / 04/03/2013

Nos contos de “Ficções”, um dos maiores livros do século XX, Jorge Luis Borges propõe vários jogos literários em seu estilo inimitável (embora não falte quem tente imitá-lo), no qual se misturam de forma quase inverossímil a seriedade mortal da investigação erudita sobre os limites da linguagem e uma espécie de molecagem irônica que torna possível ler seus rigorosos artefatos ficcionais com um prazer e um abandono normalmente associados à literatura de gênero – como o policial, por exemplo, que o autor argentino admirou e cultivou. Ou ainda o romance de espionagem, inspiração para uma de minhas “Ficções” preferidas, embora menos famosa do que “Funes, o memorioso”, “Pierre Menard, autor do Quixote” ou “A Biblioteca de Babel”. Estou falando de “O jardim de veredas que se bifurcam” (ou “O jardim de caminhos que se bifurcam”, ao gosto do freguês: o original fala em senderos), cuja maravilhosa cena final, na tradução de Carlos Nejar para a editora Globo, é reproduzida abaixo. Como costuma ocorrer nesta sessão, a leitura da cena é puro spoiler e talvez deva ser evitada por quem ainda não leu o livro, mas pretende lê-lo. Algo que, tendo a chance, deveria começar a fazer ainda hoje. Na Primeira…

Nabokov na mira do atraso russo e outros links
Pelo mundo / 01/03/2013

Depois da banda Pussy Riot, Vladimir Nabokov (foto) é a nova vítima da ruidosa onda de ultraconservadorismo – nacionalista, populista, autoritário, religioso, anti-ocidental – que varre a Rússia de seu xará Vladimir Putin. Michael Idov conta no blog de livros da “New Yorker” (aqui, em inglês) como uma adaptação teatral de “Lolita” que estreou no início do ano em São Petersburgo tem despertado em parte da população um furor censório que incluiu o espancamento do produtor, Anton Suslov, tachado de “pedófilo”. A notícia parece ainda mais preocupante quando se considera que, segundo informa Idov, a mesma peça entrou e saiu de cartaz na cidade várias vezes durante décadas, sem provocar a menor marola. Até a censura soviética a liberou. “Lolita” é só parte da campanha contra Nabokov. Os fogosos militantes reivindicam ainda o fechamento do museu dedicado ao escritor, também em São Petersburgo, e o banimento de todos os seus livros. Talvez não vençam todas essas batalhas. Infelizmente, com Putin, têm vencido a maioria. * Gostei desse breve “ensaio filosófico” de Saulo Dourado sobre o ótimo romance “Barba ensopada de sangue”, de Daniel Galera. É restaurador ver uma obra de literatura contemporânea ser abordada por um prisma não exclusivamente literário,…