Palavras na escuridão: numa imitação descarada do escritor americano Austin Kleon e seu intrigante projeto Newspaper Blackout, canetei o artigo (sobre os “finais inesquecíveis” da literatura) com que Sérgio Augusto se despediu sutilmente dos leitores do “Sabático” no dia 20 de abril – o último em que o suplemento literário do “Estadão” circulou. Clique na imagem para ter melhor leitura.
A Associação de Editores de Madri acaba de lançar uma campanha publicitária, assinada pela agência espanhola Grey, em que ilustres representantes da cultura literária de todos os tempos são impiedosamente exterminados por representantes da cultura audiovisual contemporânea (via No mundo e nos livros). Dom Quixote enfrenta os Angry Birds e é abatido ao pé de um moinho de vento. A baleia Moby Dick, depois de derrotar a fúria homicida de Ahab, encalha e morre na praia do seriado Lost. O Pequeno Príncipe (vamos conter as comemorações, pessoal) tomba entre as ruínas de um videogame de guerra. A arte é caprichada e o recado, claro: o culpado é você – isso, você mesmo – que devia estar lendo em vez de perder tempo com atividades idiotas como jogar videogame e ver TV. “Quando você passa tantas horas jogando um joguinho no seu celular, nem tudo o que você destrói lhe rende pontos”, diz a legenda da primeira imagem. “Quando você passa tantas horas assistindo à série de TV mais popular da história, não são apenas os personagens que terminam perdidos”, reforça a segunda. “Quando você gasta tanto tempo jogando videogames de guerra, não são só seus inimigos que você liquida”, fulmina…
Após quatro anos à frente da “Granta”, a mais influente revista de literatura do mundo, o escritor e crítico americano John Freeman (foto) está deixando o posto – e a ponte aérea Londres-Nova York – para dar um curso de “escrita criativa” na Universidade Columbia. A saída de Freeman, aparentemente amigável, se dá poucos dias após o lançamento da quarta edição da já lendária seleção de “melhores jovens romancistas britânicos” (em inglês, aqui). A gestão do americano foi marcada pela expansão internacional da marca, lançada nesse período em dez países em modelo de franquia – a brasileira, da editora Alfaguara, já existia quando ele desembarcou na revista. O último fruto da safra será a “Granta” portuguesa, que tem lançamento marcado para 21 de maio e já anunciou a publicação de cinco sonetos inéditos de Fernando Pessoa. (Via Galleycat.) * E a própria bola te há de boicotar, e sobre teu tapete sentirás as dores de parto de inúmeras peladas que negarão a honra do teu nome. Pois serás Maracarena, serás Maraca-Não, serás rebatizado e deserdado em tuas tradições: os gentios rasgarão tua rede véu-de-noiva e vendê-la-ão aos pobres. Recurso antigo que o pós-modernismo revalorizou, a paródia literária costuma ser vítima…
Conforme prometido ano passado aos leitores, declaro aberto neste momento o terceiro – e último! – concurso de micronarrativas em formato Twitter promovido pelo Todoprosa. As inscrições ficam abertas até o último dia deste mês, às 18h. O regulamento é simples: 1. O microconto deve delinear uma narrativa (história) em 140 toques no máximo. 2. Cada leitor pode inscrever até três microcontos, desde que submeta um por vez. 3. Os contos devem ser inscritos diretamente na caixa de comentários abaixo, identificados pelo nome do autor e com email para contato (este não aparecerá para o público). 4. As inscrições se encerram no dia 30 de abril às 18h. 5. Os três melhores microcontos serão publicados neste blog em forma de post e o resultado, divulgado no Twitter e no Facebook. 6. A comissão julgadora é composta de um homem só, eu mesmo, e suas decisões são soberanas. A primeira edição foi realizada em 2010 e a segunda, ano passado – leia aqui e aqui as micronarrativas vencedoras. Cada uma delas teve pouco mais de 600 microcontos inscritos. Esta agora fecha um ciclo e é a última oportunidade para quem ainda não entrou na brincadeira. É razoável supor que, desde aquele…
O cartunista Laerte (blog aqui), nascido em São Paulo em 1951, é para muita gente – para mim inclusive – o maior nome brasileiro de todos os tempos em sua arte. Se Bill Watterson e seu Calvin eram uma lacuna que o Pop Literário de Sexta tratou de preencher na semana passada, agora chegou a vez das tirinhas mais filosóficas e agridoces de que se tem notícia sobre os atos de ler e escrever. Bom fim de semana a todos.
(…) Showalter presta menos atenção ao mérito artístico, ao que separa a boa da má ficção, do que aos seus significados culturais; está menos preocupada com nuances de arte ou estilo do que com as ramificações políticas do livro ou o comportamento intrépido ou aventureiro de suas protagonistas. Como outras acadêmicas feministas de seu time, não está interessada em saber se as escritoras que discute são boas escritoras, ou na questão de como seus melhores trabalhos funcionam, mas apenas se elas exploram temas feministas. Desse modo, acaba cavucando romances e poemas atrás de mensagens e significados que digam respeito à posição das mulheres na sociedade, tramas que critiquem a vida doméstica ou que exponham a estreiteza da vida das mulheres. (Certa vez cunhou o termo “ginocrítico” para críticos libertos do “dos absolutos lineares da história literária masculina”.) Essa exploração de tramas subversivas e heroínas da pá virada pode ser frutífera de um ponto de vista puramente histórico ou político, mas nem sempre parece ser crítica literária de um tipo sofisticado. Faz pensar numa frase de Joan Didion sobre as feministas: “Que a ficção tem certas ambiguidades irredutíveis parece nunca ter ocorrido a essas mulheres, nem deveria mesmo, porque a ficção…
“As Benevolentes”, de Jonathan Littell, vencedor do prêmio Goncourt em 2006, é um dos romances mais originais, fortes e perturbadores jamais escritos sobre a Segunda Guerra Mundial. É também um dos mais notáveis deste século em qualquer gênero (leia aqui a resenha que publiquei na época). Escrito em francês pelo americano Littell (e muito bem traduzido por André Telles para a edição brasileira que a Alfaguara pôs no mercado em 2007), “As Benevolentes” contribui para esta seção com um raríssimo caso de cena marcante que não contém spoiler. Quem ainda não atravessou o tijolo de 912 páginas pode ir até o fim do post sem o risco de encontrar algo que estrague o prazer de ler o livro. Embora seja talvez a de mais alta voltagem dramática, a cena abaixo é apenas uma entre centenas de vinhetas de violência ultrajante que são empilhadas como cadáveres numa vala comum. O efeito final da obra é atingido por acumulação. Desfilam no romance – com uma riqueza desconcertante, cerrada e meio hipnótica de detalhes burocráticos, históricos e geográficos – as memórias de guerra do oficial alemão Maximilen Aue, um Hauptsturmführer (capitão SS) ambíguo, de temperamento artístico mas também capaz de grande crueldade, que…
Pequena maravilha de humor e inteligência, “Calvin e Haroldo” (Calvin and Hobbes no original), a tirinha que o americano Bill Watterson escreveu e desenhou por dez anos, de 1985 a 1995, marcava uma lacuna indesculpável no Pop Literário de Sexta. O buraco é preenchido agora pela conversa do esperto menino de seis anos com seu tigre de pelúcia – que para ele (e só para ele) aparece como um animal falante de raro espírito crítico – sobre o surpreendente aspecto literário da matemática. Apesar (ou por causa?) do sucesso mundial, Watterson tomou a decisão de parar de desenhar a tira depois de passar dez anos resistindo à pressão da indústria dos cartuns para multiplicar o faturamento da dupla com o lançamento de uma série de produtos com a cara dos personagens. Essa tensão entre arte e comércio foi satirizada por ele numa das conversas do inteligentíssimo Calvin com seu tigre: CALVIN: O mais difícil para nós, artistas pós-modernos de vanguarda, é decidir se abraçaremos ou não o comercialismo. Vamos permitir que nossa obra seja promovida e explorada por um mercado que está sempre ávido pela próxima novidade? Vamos fazer parte de um sistema que transforma grande arte em pequena arte…
O artigo parece uma piada a princípio, mas vai bem além disso. “A curiosa incidência de cães no mercado editorial – Se os gatos mandam na internet, por que os cachorros reinam nos livros?” é um pequeno ensaio que combina alguma pesquisa (e até gráficos) com boas sacadas sobre o tema que o título resume bem. Assinado por Daniel Engber e publicado na revista eletrônica Slate, deixa claro que não quer apenas fazer graça quando transforma caninos e felinos em metáforas intrigantes – respectivamente, do escritor à moda antiga e do “produtor de conteúdo” da era digital. O verdadeiro mistério, então, não é como os gatos ganharam precedência online, mas sim como conseguiram destronar o cachorro. Nossos meios de comunicação se dividiram em dois campos opostos, e cada um deles – o velho contra o novo – tem um animal adequado ao seu ethos. Estamos lendo cachorros e clicando gatos. Vale a pena ler o artigo completo, em inglês, aqui. Engber não se satisfaz com o recente sucesso de Marley. Entre os muitos exemplos literários que garimpa para ilustrar a velha paixão de escritores e indústria editorial pelos cães (o fascínio da internet por vídeos fofos de gatos, que confesso…
httpv://www.youtube.com/watch?v=XwoW9hnB4vY O trailer do livro infantil It’s a book (“É um livro”), de Lane Smith, lançado em 2010, vale por si mesmo como um adorável curta de animação. Fazia tempo que o gênero não aparecia aqui no Pop Literário de Sexta. Convém encarar com humor a mensagem subliminar contida na escalação de um evoluído macaco como cultor do livro físico e de um burrinho como viciado no mundo digital. Parece coisa de ludita, mas o elogiado livro de Smith (aqui, em inglês) não tem esse espírito. – Dá para blogar com ele? – Não. É um livro. – Dá para tuitar? – Não. – Ele faz isso? TOINHONHÓIN!!!!! (Para a ata: ontem à noite comprei três livros no Kindle.) Bom fim de semana a todos.
Alguém acreditou em Philip Roth quando (…) ele anunciou que estava se aposentando? De todos os romancistas contemporâneos, é ele quem fez a escrita parecer um ato necessário e contínuo, inseparável das continuidades e batalhas de estar vivo. Para Roth, a narração e a individualidade parecem ter nascido juntas; portanto, precisam morrer juntas também. Mais do que qualquer outro romancista moderno, ele usou a ficção como confissão e deslocamento da confissão: seus rabugentos, reclamões e alter egos, de Portnoy a Zuckerman e Mickey Sabbath, parecem todos rothianos, mesmo quando apenas atuam como substitutos do autor. Ele tornou sua infância em Newark, seus pais amorosos e irritantes, seu judaísmo, sua sexualidade, sua própria vida de escritor familiares e vívidos para milhões de leitores. Parecia precisar da ficção como uma espécie de incansável relatório performativo, e por essa razão, nos últimos anos, grandes romances (‘O teatro de Sabbath’, ‘Pastoral americana’) dividiram espaço com obras muito mais fracas e ele foi tão profícuo – a ficção ao mesmo tempo urgente e um tanto agressiva, tão necessária quanto a arte e tão desesperançada quanto a vida. Admiro Roth (…) por muitas razões. Porque ele não permaneceu igual (sua prosa despojada é hoje muito diferente…
A capa ao lado (“Este é o primeiro livro que eu leio em seis anos”), nome alternativo de “A garota com tatuagem de dragão”, de Stieg Larrson, é a preferida de todos os tempos pelos leitores do blog de humor Better Book Titles, que desde 2010 imagina “títulos melhorados” para livros famosos. O nome que coube à obra do autor sueco, claro, caberia em vários outros sucessos. * E por falar em capa de livro: se esta aí embaixo, à direita – um legítimo produto brasileiro, de uma coleção popular da editora Record nos anos 1980 – não for a pior do mundo em todos os tempos, como a denominou Gabe Habash no blog da Publishers Weekly, será apenas porque as outras da coleção “Best of the best” não ficam atrás. * Michel Laub, oportuno, escreve sobre a forma mais garantida e socialmente aceita de assassinar um escritor: banalizá-lo em pílulas de auto-ajuda nas redes sociais. * A sempre provocante Laura Miller reflete na Salon.com sobre o direito que têm os escritores de ficção de puxar o tapete do leitor – e em que momento esse direito esbarra no direito do leitor de simplesmente abandonar o livro. * Um livro…