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Clássicos com capas cretinas, agora em versão ‘pulp’
Pop de sexta / 31/05/2013

Juro que não conhecia essa coleção, recém-lançada pela editora londrina Oldcastle Books, quando lancei aqui, há pouco menos de três semanas, a proposta meio séria e meio gozadora de reembalar clássicos da literatura brasileira em capas popularescas e apelativas – numa palavra, cretinas – como forma de atrair leitores fora do gueto literário. Os leitores do Todoprosa responderam com suas próprias e divertidas criações. Agora, vendo as capas do selo Pulp! The Classics, todas inspiradas na arte inconfundível das edições baratas de pulp fiction de meados do século passado, começo a acreditar que alguma coisa no Zeitgeist nos empurra mesmo nessa direção. Bom fim de semana a todos.

Literatura acima das nuvens e outros links
Pelo mundo / 29/05/2013

A Qantas, companhia aérea australiana, lançou um curioso programa (em inglês, acesso gratuito) de encomenda de livros de ficção e não-ficção para serem distribuídos em seus voos. Os tamanhos são variados como as rotas, mas a ideia é que o volume seja sempre lido entre a decolagem e o pouso. No cálculo, levou-se em conta que o leitor médio dá conta de algo entre duzentas e trezentas palavras por minuto. Os nomes dos autores ainda não foram divulgados. Por alguma razão, não consigo imaginar Gol ou Tam fazendo isso. * Há um ingrediente adicional que torna mais eficaz o recurso ao pensamento esotérico. Para deixá-lo doutrinariamente inofensivo, para despojá-lo de todo perigo satânico, Coelho o combina com doses adequadas de cristianismo tradicional: citações da Bíblia, quadros do Sagrado Coração de Jesus, rezas do Pai Nosso… O público majoritário não se sente em pecado por ler heresias, e o narrador, ao mesmo tempo que se faz passar por alguém dotado de poderes paranormais (capaz inclusive de telepatia), deixa saber que é também um bom cristão, apesar de seus flertes com a magia. Por que Paulo Coelho é tão ruim, na avaliação de Héctor Abad Faciolince (em espanhol). * A escrita é…

Contra Gatsby: sobre a arte de jogar pedra nos clássicos
Pelo mundo / 27/05/2013

Em um ótimo artigo (em inglês) no blog de livros da “New Yorker”, Sam Sacks tenta recuar dois passos para falar em termos menos apaixonados – e mais historicamente fundamentados – da polêmica deflagrada pelo recente torpedo “Por que eu desprezo ‘O grande Gatsby’”, de Kathryn Schulz (em inglês, aqui). Na verdade, mais do que o artigo original e a onda de condenações que ele levantou, a principal motivação de Sacks parece ser um tuíte em que a escritora Joyce Carol Oates tenta blindar o romance do colega F. Scott Ftizgerald dizendo o seguinte: “Odiar ‘O grande Gatsby’ é como cuspir no Grand Canyon. Ele não vai desaparecer tão cedo. Você vai”. Achei honesto o artigo de Schulz, ainda que não concorde com ele em seu ponto mais fundamental: considero ‘Gatsby’ um belo livro. No entanto, como Sacks, também fiquei incomodado com as tentativas generalizadas de desqualificar a crítica de antemão, como se a ousadia de falar mal de uma obra canônica não pudesse obedecer a nenhuma outra motivação além daquele impulso baixo, a “vontade de aparecer” – que em sua versão contemporânea pode ser traduzida como “fome de cliques”. Sim, é verdade que jogar pedras em ídolos é um…

Que cena! O pacto com o diabo em ‘Grande sertão’
Destaque , Que cena! / 24/05/2013

O título acima exige uma explicação. Não fica claro se o jagunço Riobaldo, narrador da obra-prima “Grande sertão: veredas”, publicada em 1956 pelo mineiro Guimarães Rosa, chega realmente a vender sua alma a Satanás. O que sabemos é que certa noite, transcorridos três quartos da narrativa, ele se dirige a um lugar ermo e sinistro até no nome, Veredas-Mortas, com tal intenção. A ideia é ganhar o poder que lhe falta para derrotar o arquivilão Hermógenes, vingando a morte do chefe Joca Ramiro – e de quebra agradar Reinaldo, também conhecido como Diadorim, seu querido colega de bando, que nada deseja na vida além dessa vingança. A incerteza sobre a consumação do pacto faustiano atravessa todo o romance e não se desfaz nem mesmo quando o narrador parece descartá-la categoricamente no famoso encerramento do livro: “O diabo não há!… Existe é homem humano. Travessia”. O fato é que ele nunca mais será o mesmo depois desse encontro que não houve – mas talvez tenha havido – nas Veredas-Mortas. A cena é bela e estranha, com a estrangeirice erudita do português “sertanejo” inventado por Rosa contribuindo para o lusco-fusco do que “não é falável”. Uma coisa é certa: vindo do além…

Como Hilda Hilst virou Hilda Hilst, por Hilda Hilst
Vida literária / 22/05/2013

Foi assim: quando jovem, eu tinha uma vida muito tumultuada, turbulenta. Gostava muito das emoções. Gostava de me apaixonar muitas vezes (eu me apaixonei muitíssimas vezes). Gostava de viajar, essas coisas de que todo mundo gosta. Mas, aí, a vida foi ficando tão emotiva o tempo todo; aconteciam tantos dramas pessoais! Porque eu me apaixonava muito, mas, depois, me desapaixonava. Era uma coisa estranha. Às vezes a pessoa me via e dizia: “Puxa, eu encontrei a mulher da minha vida”. E eu repetia todas essas coisas que nós dizemos todos: “Eu te amo, meu bem”; “É para sempre?” “Para sempre”; “É até a morte?” “É, até a morte”. Mas então acontecia qualquer coisa química em mim. Eu ia, automaticamente, ficando tristinha. São Francisco diz que “o corpo é o nosso irmão burro”. Ele deseja uma coisa e, depois, deseja outra. Por causa dessa inconstância minha, as coisas iam ficando muito dramáticas: várias pessoas queriam me matar, era horrível. Não era algo que fazia para ofender a pessoa; era algo impossível mesmo de retomar. Quando eu estava com 33 anos, um querido amigo que morreu, Carlos Maria de Araújo, poeta português, me deu um livro de [Nikos] Kazantzákis: “Carta a El…

McEwan, Zadie e o limite de quinze palavras por dia
Vida literária / 20/05/2013

Entre as muitas delícias da longa entrevista (em inglês, acesso gratuito) que Zadie Smith fez com Ian McEwan em 2005, publicada pela revista The Believer, minha preferida aparece já no texto introdutório da autora de “Sobre a beleza”. Zadie conta que, ainda universitária e aspirante ao mundo das letras, foi levada por uma amiga enturmada à festa de casamento de McEwan, já então um escritor estabelecido (embora ela confesse que, na época, estava ocupada imitando Martin Amis, também presente à festa). “Parece”, disse minha amiga com ar de entendida, quando observávamos McEwan rodopiar com sua nova esposa pela pista de dança, “que ele escreve apenas quinze palavras por dia.” Eis uma informação infeliz para se dar a um escritor aspirante. Eu era terrivelmente suscetível ao poder do exemplo. Se me dissessem que Borges corria três milhas toda manhã e depois plantava bananeira numa tina de água antes de se sentar para escrever, eu me sentiria obrigada a tentar isso. O espectro do limite de quinze palavras ficou comigo por um longo tempo. Três anos depois, quando estava escrevendo “Dentes brancos”, lembro-me de pensar que todos os meus problemas se originavam do excesso de palavras que me sentia impelida a escrever…

Esses leitores espertos e suas capas cretinas
Interatividade , Pop de sexta / 17/05/2013

Hoje o Pop Literário de Sexta fica por conta dos leitores do Todoprosa. A ideia foi lançada aqui na segunda-feira, baseada numa lista de capas horrorosas (reais) preparada pela Flavorwire: imaginar como seria se clássicos da literatura brasileira viessem embalados em capas cretinas, mas de grande apelo comercial. O pessoal pegou direitinho o espírito da coisa. Vinicius Linné lançou mão da boa e velha apelação sexual para vender Clarice Lispector. Wellington Santos preferiu, na promoção de Dalton Trevisan, usar o expediente – bastante em voga – de fingir ser o que não é, pegando carona no sucesso alheio a fim de fisgar o leitor desatento. Ivan Santos optou por João Ubaldo Ribeiro e uma mistura de falta de noção e cara-de-pau que descortina novos horizontes para o conceito de “capa cretina”, enquanto Guilherme Carvalhal – que só esqueceu o nome do autor de “O rei da vela”, Oswald de Andrade – ficou no terreno batido, mas sempre eficaz, da malhação de Judas. Bom fim de semana a todos. .

‘A infância de Jesus’: o gesto primordial da literatura
Resenha / 15/05/2013

Em seu novo romance, “A infância de Jesus” (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira, 304 páginas, R$ 44,00), J.M. Coetzee leva a investigação ética que sempre foi o principal motor de sua literatura a um plano de inédita rarefação. Descarnada e assumidamente alegórica desde o título, a narrativa desenha uma série de parábolas provisórias e inacabadas que se corrigem e se negam o tempo todo, recusando ao leitor o prazer de fechar um sentido e dizer: “Ah, então é isso!” – prazer que se pode chamar de fácil, mas do qual é dificílimo abdicar por completo, sob risco de inviabilização não apenas da literatura mas da própria linguagem. O que confirma o sul-africano, no mínimo, como o mais corajoso dos grandes escritores vivos. A história em si é tão simples, linear e desprovida de enfeites quanto a prosa em que é apresentada. Depois de atravessar o oceano, um homem de meia-idade, Simón, chega com um menino de cinco anos a uma terra desconhecida em busca de vida nova. O menino, David, é brilhante, mimado, voluntarioso, irritante. Não é parente do homem, mas uma alma desgarrada com a qual ele esbarrou no navio. Por razões pouco claras, Simón resolve…

Livros clássicos com capas cretinas: uma proposta
Vida literária / 13/05/2013

Não sei, mas acho que posso ter encontrado um jeito simples de aumentar os índices de leitura da população brasileira (clique na imagem para ter melhor resolução). A inspiração veio dessa seleção de piores capas de títulos famosos da literatura – sexistas, sensacionalistas, caras de pau, sem noção, comicamente literais ou todas as alternativas anteriores – feita pela Flavorwire. Atenção ao primeiríssimo lugar ocupado por uma capa da Record para “O iluminado”, já comentada aqui. A temporada de capas cretinas começa agora: se você tiver um Paint (ou programa melhor) na mão e uma ideia na cabeça, o Todoprosa está de portas abertas à sua criatividade pelo email sobrepalavras@todoprosa.com.br. Apenas arquivos em jpg, por favor. * Agora falando sério, é um primor de abrangência e lucidez o artigo “Literatura brasileira no exterior: problema das editores?”, de Felipe Lindoso, publicado em seu blog, aqui. Quem se interessa de forma profissional ou diletante pelo assunto tem muito a ganhar encarando a longa extensão do texto. Uma amostra: …seja através das editoras – ou, principalmente, dos agentes literários – as negociações internacionais usam, no maior limite do possível, a predominância do inglês nessa etapa atual da República Mundial das Letras precisamente para valorizar…

‘Temperamento imperatriz’: a revolução da spam-literatura
Sobrescritos / 10/05/2013

Recebi ontem, de um endereço comercial no Japão, este spam assombroso: Grandes meios, elementar ?? ??? bolsa desimpedido, sem muita modificação, feminilidade esplêndida flor, uma força aliada, é manifestar a propensão pessoal ??? ?? e bondade, ela pode imediatamente invertido o seu ???? ??? imagem. Modelagem atmosférica, queda de galante, este pep-se, não há pintura unblended, o simples primordial refere ainda, notar ser adepto de extraordinariamente todas as vezes para manter ? ???? volta ótimo! Porque você não discernir a próxima segunda-lhe propósito colisão em encontro com quem! Temperamento imperatriz, linda interpretação quixotesca do discreto auto-indulgência ???? ????? posição pessoa, elegância de design polido, para fazer uma fuga através das necessidades avançadas de em voga ?? ??? as mulheres. Todo mundo que tem uma vida online – ou seja, todo mundo – já terá esbarrado com casos semelhantes de algaravia produzida por tradutores automáticos sem noção (com perdão da redundância). No entanto, como tendemos, e não sem razão, a tratá-los como lixo, desconfio que não seja tão comum a epifania que experimentei quando, no início da manhã e ainda não completamente desperto, liguei o computador e fui atropelado. Será delírio meu, ou achados verbais como “queda de galante”, “interpretação quixotesca…

Quero ser lido em Marte e outros links
Pelo mundo / 08/05/2013

A notícia que começou a circular há alguns dias parece piada, mas não é. Trata-se apenas de um concurso literário do outro mundo: a Nasa, agência espacial americana, vai escolher três haicais num concurso de mensagens poéticas para Marte e gravá-los num DVD a ser levado ao Planeta Vermelho na missão Maven, com lançamento marcado para novembro (via Guardian). Como se sabe, haicai (também chamado haiku) é um poema de apenas três versos, de origem japonesa. As inscrições são abertas a todos e vão até 1º de julho. Uma votação online apontará os vencedores. Não, ninguém espera encontrar em Marte um público leitor para os poeminhas. A mensagem é dirigida aos próprios terráqueos, em busca de apoio popular para a contestada causa da exploração espacial. Isso é tornado mais evidente pela promessa de que os nomes de todas as pessoas que entrarem em contato com a missão manifestando esse desejo também serão gravados no tal DVD. Depois de refletir longamente sobre tudo isso, pensei em enviar minha modesta contribuição: Nada de arte, Marte: A Terra é feita de terra Água e marketing. Mas desconfio que desclassifiquem textos em português. * O cineasta Steven Soderbergh, de “Sexo, mentiras e videotape” e…

O jogo
Sobrescritos / 06/05/2013

Primeiro era o prazer infantil de pôr uma palavra depois da outra, encaixes de dominó. Depois que os encaixes em si perderam a graça, fáceis demais, veio a ambição de usar as sequências de peças para desenhar coisas no chão: bichos, casas, cidades. Ainda era uma ambição infantil, mas já continha o germe da fase seguinte, quando os desenhos começaram a parecer bobos, constrangedores, esquemáticos em sua bidimensionalidade de criança. Do lado de fora do jogo ficava o mundo inteiro com seus bichos de verdade, casas de verdade, cidades de verdade. Para desenhar o mundo em sua profundidade enigmática era preciso criar novos encaixes, superpor as peças do dominó rumo a uma nova dimensão: aspirar ao teto. Isso abriu uma fase de dificuldades imensas, torres penosamente empilhadas desabando sob o peso daquela última peça chamada ponto final, e com ela a temporada da frustração permanente – o fracasso como modo de vida – que só não provocou o abandono do jogo porque descobria-se na própria persistência uma nova e perversa modalidade de prazer infantil. Muitos anos depois, quando as torres começaram a se sustentar em pé e o espaço entre o chão e o teto se encheu de formas belas…

Admirável mundo sem livros
Pop de sexta / 03/05/2013

httpv://www.youtube.com/watch?v=jPfThpelv48 O Pop Literário de Sexta volta com o curta-metragem inglês The last bookshop (“A última livraria”), de Richard Dadd e Dan Fryer, produção independente recém-saída do forno que imagina um futuro distópico com toques de “Admirável mundo novo” e “1984”. Resta no mundo uma única – e maravilhosa – livraria. Essa notável resistência comercial se deve exclusivamente à teimosia do velho dono, que não vê um cliente cruzar a porta da loja há vinte e cinco anos. Até que um dia aparece por lá um garoto e… Um alerta: com vinte minutos de duração, o filme tem diálogos e não está disponível em versão legendada. Atenção para o nome do Grande Irmão, que é revelado perto do final triste e pessimista (mas não completamente): GamaZone. (Via Paris Review.) Bom fim de semana a todos.

III Concurso Todoprosa de Microcontos: os vencedores
Interatividade / 01/05/2013

Bichos lambem louças na pia. Num canto da cozinha, a menina. Faz dias. Lave a louça que a mãe já vem! Ela não lavou. Será que foi por isso? O drama desmedido que Sônia Barros fez caber na medida escassa de 139 caracteres é o vencedor do III Concurso Todoprosa de Microcontos para Twitter. Com total controle de seus meios de expressão – um punhado de palavras caseiras e meia dúzia de elipses afiadas – a autora escreveu uma micronarrativa modelar. O registro que Sônia escolheu é arriscado: o de um realismo semijornalístico que, com suas boas intenções de “denúncia das mazelas sociais”, é visto descambando com frequência para a banalidade do mundo-cão. Isso só realça a perícia com que se desincumbiu do desafio. Em segundo lugar ficou Celso Alves com um microconto de ficção científica que é um pequeno achado de humor – a angústia claustrofóbica do circuito narrativo fechado, que lembra um conto como No último minuto, de Sérgio Sant’Anna, é apenas entrevista por trás do sorriso: Jonas apertou o último parafuso e ligou a máquina do tempo. Erro. Jonas apertou o último parafuso e ligou a máquina do tempo. Erro. Jonas… Por fim, representando a corrente metaliterária…