Primeiro era o prazer infantil de pôr uma palavra depois da outra, encaixes de dominó. Depois que os encaixes em si perderam a graça, fáceis demais, veio a ambição de usar as sequências de peças para desenhar coisas no chão: bichos, casas, cidades. Ainda era uma ambição infantil, mas já continha o germe da fase seguinte, quando os desenhos começaram a parecer bobos, constrangedores, esquemáticos em sua bidimensionalidade de criança. Do lado de fora do jogo ficava o mundo inteiro com seus bichos de verdade, casas de verdade, cidades de verdade. Para desenhar o mundo em sua profundidade enigmática era preciso criar novos encaixes, superpor as peças do dominó rumo a uma nova dimensão: aspirar ao teto. Isso abriu uma fase de dificuldades imensas, torres penosamente empilhadas desabando sob o peso daquela última peça chamada ponto final, e com ela a temporada da frustração permanente – o fracasso como modo de vida – que só não provocou o abandono do jogo porque descobria-se na própria persistência uma nova e perversa modalidade de prazer infantil. Muitos anos depois, quando as torres começaram a se sustentar em pé e o espaço entre o chão e o teto se encheu de formas belas…