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‘O retrato de Dorian Gray’: mais jovem do que nunca
Resenha / 29/06/2013

O primeiro aspecto desconcertante de “O retrato de Dorian Gray – edição anotada e sem censura” é o que se poderia chamar de paradoxo do tamanho. Costumamos pensar no verbo censurar como sinônimo de suprimir, cortar – não à toa, é uma tesoura seu símbolo universal. No entanto, a edição da obra-prima de Oscar Wilde organizada pelo pesquisador acadêmico Nicholas Frankel (Biblioteca Azul, tradução de Jorio Dauster, 352 páginas, R$ 64,90), alegadamente fiel até a última vírgula à primeira versão datilografada e emendada à mão pelo escritor irlandês em 1890, é consideravelmente menor do que aquela que seria publicada no ano seguinte em livro e admirada por gerações de leitores: tem apenas treze capítulos, sete a menos do que o texto canônico. Que censura foi aquela? Na resposta a essa pergunta, que não é simples, vamos encontrar o pecado (menor) e a virtude (imensa) do trabalho de Frankel. Primeiro, o pecado: sim, há um leve toque de sensacionalismo na simplificação que o subtítulo abraça ao falar em “sem censura” (no original, uncensored). A realidade é mais complicada. O que houve foi um processo tortuoso em que, em primeiro lugar, o texto passou pelo crivo dos editores da revista americana “Lippincott’s”,…

Todoprosa, ano 8: blog, eu?
Vida literária / 21/06/2013

No dia 8 de maio de 2006, um texto chamado “Futebol, literatura e caneladas” – comentário sobre a suposta dívida que, segundo muitos críticos, a literatura brasileira tem com o futebol – inaugurava este blog. Não que eu tivesse inteira consciência, àquela altura, do que significava começar um blog. Essa palavra, blog, ainda era mais empregada para nomear páginas marcadamente pessoais, de umbigo à mostra, e a ideia do Todoprosa era diferente: ser uma coluna jornalística que suprisse a lacuna da cobertura de livros na (finada) revista eletrônica NoMínimo, da qual eu era editor executivo. Sim, a coluna teria atualização diária, não se furtaria a trazer links nacionais e estrangeiros quando estes fossem pertinentes, seria aberta a comentários dos leitores – incorporaria tudo o que o meio digital pudesse acrescentar, em termos de calor e vibração, a uma coluna jornalística. Mas coluna jornalística seria, e foi mesmo. Nunca deixou de ser. Isso não quer dizer que não tenha sido também um blog. Formado na velha imprensa de papel (não peguei os lampiões a gás, mas ainda havia máquinas de escrever na redação do “Jornal do Brasil” quando lá cheguei como foca em 1984), acabei aprendendo aos trancos, mas depressa, que…

Que cena! O encontro com a morte, segundo Crane
Antologia / 19/06/2013

O clássico “O emblema vermelho da coragem”, de Stephen Crane (Penguin-Companhia, 2010, tradução deste que vos digita, 216 páginas), romance definitivo sobre a Guerra Civil Americana que o precoce autor (1871-1900) lançou quando tinha apenas 24 anos e nenhuma experiência de batalha, tira pelo menos parte de sua estranha força do contraste entre o vastíssimo cenário épico da guerra e o olhar impressionista por meio do qual o narrador em terceira pessoa filtra tudo para o leitor: o de um jovem, ensimesmado e torturado soldado de primeira viagem que, já em seu batismo de fogo, se descobre um covarde. (Com típico excesso explicativo, chamou-se no mercado brasileiro “A glória de um covarde” a adaptação cinematográfica de 1951 dirigida por John Huston.) Depois de fugir do fogo e passar a vagar sozinho pelos campos em luta feroz com sua consciência, cruzando com grupos de soldados vivos e mortos em situações variadas, o “soldado jovem” que conduz a história, chamado Henry Fleming, encontra numa longa coluna de feridos que caminha em direção à retaguarda seu amigo e companheiro de pelotão Jim Conklin, o “praça alto”, que está evidentemente nas últimas. Ao lado de outro personagem, o “soldado maltrapilho”, o jovem passa a…

Em defesa de Alice Munro
Pelo mundo , Vida literária / 17/06/2013

Trata-se de uma espécie de “Sobre a arte de jogar pedra nos clássicos – parte 2”: na revista eletrônica Salon.com, o escritor Kyle Minor sai em defesa da contista canadense Alice Munro (foto), que foi esculachada dos pés à cabeça por uma resenha de Christian Lonrentzen na prestigiosa London Review of Books (os dois textos em inglês, acesso gratuito). Alice Munro atingiu um lugar de proeminência literária, e quando um escritor atinge um lugar de proeminência literária, pode acontecer que um crítico encarregado de resenhar seu novo livro se sinta tentado a transformar a encomenda numa oportunidade de fazer uma declaração bombástica sobre o tal escritor proeminente – e dessa forma fazer uma declaração bombástica sobre a literatura contemporânea, a cultura literária contemporânea ou a crítica literária contemporânea. Há dois caminhos comuns pelos quais esse tipo de declaração bombástica pode dar errado – o da santificação e o da iconoclastia. O crítico do tipo santificador despeja sobre o escritor uma ducha de elogios incondicionais, declara-o um gênio e ignora seus defeitos – ou diz que eles são virtudes. O outro tipo de crítico talvez decida que o modo mais seguro de esvaziar o balão de uma reputação hiperbólica não é…

Essa vida dura de escritor, segundo o Monty Python
Pop de sexta / 14/06/2013

httpv://www.youtube.com/watch?v=jOEZr3fR2uA “O que você sabe sobre acordar às cinco da manhã para voar para Paris?”, pergunta o pai (Graham Chapman), um velho e rude dramaturgo de sucesso, ao filho (Eric Idle), um jovem e polido mineiro de carvão, no calor do bate-boca que deixa a mãe (Terry Jones) aflita. Sim, alguma coisa está – muito – fora da ordem nessa versão nonsense do imemorial conflito de gerações. Casos de empate são admissíveis em tese, mas dificilmente o truque cômico dos papéis trocados terá sido empregado algum dia com mais eficácia do que em Working-class playwright, esquete (legendas em espanhol) que foi ao ar na temporada de 1969 do Monty Python’s Flying Circus, a primeira do programa de TV que o grupo britânico manteve na BBC até 1974. “Vou dizer o que está errado com o senhor!”, retruca o filho a certa altura. “Sua cabeça está turvada de romances e poemas. O senhor volta para casa toda noite recendendo a Château Latour. E veja o que fez com a mamãe! Ela está acabada de tanto encontrar estrelas do cinema, frequentar premières e oferecer almoços de gala!” “Não tem nada errado com almoços de gala, rapaz!” (…) “Um dia o senhor vai…

O paradoxo do moleque no país do futebol
Futebol & literatura , Posts / 12/06/2013

Molecagem baiana. Capoeiragem pernambucana. Malandragem carioca. “Com esses resíduos”, escreveu o sociólogo Gilberto Freyre, autor de “Casa grande & senzala”, obra clássica sobre a formação da sociedade brasileira, “é que o futebol brasileiro afastou-se do bem ordenado original britânico para tornar-se a dança cheia de surpresas irracionais e de variações dionisíacas que é.” Atenção: o autor pernambucano não estava embriagado pelos vapores de uma grande vitória esportiva quando escreveu isso. O texto é de 1947. Além de ostentar como maior feito internacional um terceiro lugar na Copa do Mundo da França, em 1938, a seleção – algo que hoje parece mais grave – ainda envergava como uniforme uma camisa branca. Ou seja, o “país do futebol” ainda não o era. Hoje, depois de cinco títulos mundiais e da introdução da camisa amarela como um dos mais poderosos ícones da mitologia esportiva em todos os tempos, o problema é outro. Comenta-se pelas esquinas que o “país do futebol” já era. Será? A possibilidade não deve ser descartada. Dentro e fora do esporte, os destroços de potências decaídas entulham a história. Mas é curioso observar como a velha retórica otimista do sociólogo, com suas “surpresas irracionais” e “variações dionisíacas” (uma referência a…

Como a Coreia do Norte salvou a arte alemã e outros links
Pelo mundo / 10/06/2013

Um fascinante artigo da Bloomberg Businessweek (em inglês, acesso gratuito) conta como um gigantesco ateliê norte-coreano de escultura e pintura em estilo realista-socialista, o Mansudae (que tem como principal cliente o próprio Estado, claro), foi a melhor opção da cidade de Frankfurt quando, há poucos anos, seus administradores decidiram reconstruir a Fonte do Conto de Fadas (foto), uma extravagância art noveau de 1910 que tinha sido derretida para alimentar a indústria bélica nazista na Segunda Guerra Mundial. Uma fábula real sobre como o tecido da história tem dobras surpreendentes em que o “atraso” estético pode virar vantagem competitiva: Klaus Klemp, diretor do Museu de Arte Aplicada de Frankfurt, descobriu o Mansudae em 2004 e ficou tão impressionado com a qualidade de seu trabalho que convenceu a burocracia local a contratar o ateliê. “Foi uma decisão puramente técnica”, diz ele. “Os artistas de ponta na Alemanha simplesmente não fazem mais arte realista. Os norte-coreanos, por outro lado, não vivenciaram a longa evolução da arte moderna: estão meio que presos no início do século XX, que é exatamente quando a fonte foi construída.” O preço cobrado pela Coreia do Norte para reconstruir a escultura de bronze também foi atraente: 200 mil euros,…

Quando Dickens encontrou Morrissey no portão do cemitério
Pop de sexta / 07/06/2013

httpv://www.youtube.com/watch?v=F2Dy2n2H2qA Isso é Pop Literário de Sexta em sua forma mais acabada e essencial: um brilhante clipe de três minutos em que a vida e a obra do escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) são resumidas numa canção pop que parodia o estilo dos Smiths (1982-1987), com destaque para o desempenho impagável do ator e músico Mathew Baynton como Dickens/Morrissey. O clipe foi produzido para um programa infantil – isso mesmo, infantil – da BBC chamado Horrible Histories. Bom fim de semana a todos.

O último Sobrescrito
Sobrescritos / 05/06/2013

“Lá fora espocam foguetes que choram lágrimas incandescentes”, ele escreveu. “Mas não choram mais que Maria Flor.” Assim terminava a redação de 1975 que nunca lhe saiu da memória. Tinha treze anos e sua presunção, como toda presunção, era feita metade de coisas sabidas – lágrimas metafóricas! o verbo espocar! – e metade de coisas rotundamente ignoradas. O atraso cósmico, por exemplo. Transformar a tarefa escolar num esboço de conto regionalista dos anos 30 sobre um coitado, o marido de Maria Flor, que os capangas de um coronel provavelmente nordestino matavam por vagas disputas fundiárias em pleno curso dos festejos juninos era para sempre embaraçoso. Talvez desculpável também. Quem sabe nessa idade o que é clichê ou, mais difícil ainda, purple prose? A professora de português, que devia saber tudo isso, adorou. Leu a redação em voz alta para a turma e apressou a chegada do arrependimento que ia se agravar com os anos, a ponto de levá-lo a passar a vida inteira, livro após livro – não que tivesse consciência disso, era algo que percebia agora, no leito da UTI – renegando no tutano de cada frase que escrevia a própria possibilidade de foguetes derramarem lágrimas incandescentes e serem…

Eagleton espanca Coetzee e Auster: só falta o Bono Vox
Pelo mundo / 03/06/2013

É uma ilusão romântica supor que escritores devem ter algo interessante a dizer sobre relações raciais, armas nucleares ou crises econômicas pelo simples fato de serem escritores. Não há nenhuma razão para presumir que romancistas ilustres como Paul Auster e J.M. Coetzee tenham uma visão mais sábia da conjuntura mundial do que um físico ou um neurocirurgião, algo que essa correspondência entre eles confirma de modo deprimente. Na verdade, não há razão alguma para que autores tenham algo especialmente marcante a dizer sobre o ato de escrever, muito menos sobre a Caxemira ou o IRA. Seus comentários sobre a própria obra que produziram podem ser ainda mais obtusos que o dos críticos. Se T.S. Eliot acreditava mesmo que “A terra devastada” era apenas um amontoado de resmungos rítmicos, como disse certa vez, nunca deveriam tê-lo condecorado com a Ordem do Mérito. Os comentários de Coetzee sobre a atual crise econômica não são apenas equivocados, mas levianos. Nada de fato aconteceu com a economia mundial, ele escreve presunçosamente a Auster, a não ser uma reacomodação estatística. É improvável que o Banco da Inglaterra, para não falar das pessoas que viram suas casas e seus sustentos lhe serem roubados por gângsteres financeiros,…