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O dia em que Pelé desafiou Deus

httpv://www.youtube.com/watch?v=-UzRsvCsC4c Adianto abaixo o primeiro capítulo de meu novo romance, “O drible”, que será lançado no dia 26 de setembro pela Companhia das Letras. Antes, durante ou depois da leitura, recomenda-se assistir (acima) ao mais famoso quase-gol da história do futebol. Outro trecho do livro foi publicado pela “Folha de S.Paulo” no caderno Ilustríssima de domingo passado, aqui. Para os leitores do Rio: estarei hoje às 18h30 no Placar Literário da Bienal do Livro para falar de “O drible” e os dribles que a literatura pode dar. Apareçam. * A TV é uma velha trambolhuda de tubo de imagem. O lance não deve ter mais de dez segundos, mas com as interrupções de Murilo enche minutos inteiros enquanto ele narra sem pressa, play, pause, rew, play, o que na época foi narrado com assombro. O que você vê primeiro é uma imagem parada que logo identifica como da Copa de 1970 pelo short da seleção brasileira, que é de um azul mais claro que o habitual, além de escandalosamente curto para os padrões de hoje. Tostão, cabeçudo inconfundível, número 9 às costas, conduz a bola observado a certa distância por um sujeito de camisa azul-clara e calção preto. Murilo solta…

Para ler os conselhos literários de Elmore Leonard
Vida literária / 24/08/2013

Listas de conselhos de escritores são um gênero jornalístico de qualidade duvidosa, apesar de sempre atraírem leitores aos magotes – o número de aprendizes das letras que há no mundo, muitos deles inseguros dos caminhos que começam a trilhar, garante seu sucesso. A morte do americano Elmore Leonard, na última terça-feira, aos 87 anos, rendeu grande exposição ao seguinte decálogo elaborado para o “New York Times” em 2001 pelo maior mestre dos romances policiais (e de faroeste, gênero no qual começou a carreira) da segunda metade do século XX: Nunca inicie um livro falando do tempo. Evite prólogos. Nunca use um verbo que não seja “disse” para os diálogos. Nunca use um advérbio para modificar o verbo “disse”. Mantenha seus pontos de exclamação sob controle. Nunca use as palavras “subitamente” ou “começou uma confusão dos diabos”. Use com parcimônia dialetos regionais e gírias. Evite descrições detalhadas dos personagens. Não entre em detalhes demais ao descrever lugares e coisas. Tente deixar de fora as partes que os leitores pulam. No fim, um décimo primeiro conselho aparece como o resumo de tudo: Se parece que foi escrito, eu reescrevo. A lista de Leonard – escritor que muito admiro e no qual fui…

Elmore Leonard (1925-2013) e a glória
Pelo mundo / 20/08/2013

A morte do escritor americano Elmore Leonard, hoje, aos 87 anos, me levou a buscar um post de pouco menos de um ano atrás (que vai reproduzido abaixo na íntegra) em que saudei sua chegada a uma certa glória literária oficial, na forma de uma condecoração da National Book Foundation e do lançamento de seus livros pela Library of America. A conclusão era a de que o reconhecimento, merecido, era melhor para o establishment do que para Leonard – embora fosse bom para os dois. Essa impressão é ainda mais forte hoje. * Fiquei muito feliz com a notícia (em inglês) de que o escritor americano Elmore Leonard, 86 anos, autor de um punhado dos melhores romances policiais e de faroeste de todos os tempos, vai receber a medalha da National Book Foundation pelo conjunto da obra, uma honraria que costuma ser abiscoitada por escritores mais “sérios” como John Updike, Gore Vidal e Toni Morrison. Além disso, a Library of America reunirá seus policiais em três volumes de capa dura. Pode ser que esses passos no sentido da canonização não signifiquem muita coisa para o ex-publicitário recluso que vive há décadas de seus livros, produzidos ao ritmo de um por…

Tóibín concebe Maria com pecado
Resenha / 17/08/2013

Em termos literários, Maria, a mãe de Jesus, aparece no Novo Testamento como uma personagem pouco desenvolvida: sem pecado, amorosa, silenciosa, discreta, está lá para criar um filho destinado à glória e ao martírio sem uma única queixa. Não demora a escorregar para a periferia da ação, mas volta no fim para acolher o cadáver destroçado do homem que gerou e representar a mater dolorosa. É o que se poderia chamar de um tipo, um estereótipo da mãe perfeita, não exatamente um personagem humano – o que, se é insatisfatório de um ponto de vista secular, literário ou mesmo histórico, funcionou divinamente na narrativa mitológica que fundou o cristianismo, como comprova o duradouro poder simbólico e imagético de sua figura. Na curta, concentrada novela “O testamento de Maria” (Companhia das Letras, tradução de Jorio Dauster, 88 páginas, R$ 29), o escritor irlandês Colm Tóibín encara um desafio que, pensando bem, acho curioso que só seja encarado agora, após tantas décadas de feminismo: reivindicar Maria para a literatura e transformá-la numa mulher de três dimensões, narradora de sua triste história. O resultado é um livro belo e estranho, ao mesmo tempo previsivelmente herético e surpreendentemente respeitoso. A princípio concebida como um…

Estamos de olho: Flaubert, Machado e as ‘janelas da alma’
Vida literária / 10/08/2013

No fascinante romance-ensaio “O papagaio de Flaubert”, lançado em 1984, o francófilo escritor inglês Julian Barnes dedica um capítulo aos olhos de Emma Bovary. Nele faz, em miniatura, uma grande e já célebre crítica à crítica acadêmica na pessoa de Enid Starkie, renomada biógrafa de Gustave Flaubert e professora de Oxford. “Flaubert não constrói seus personagens, como fazia Balzac, por meio da descrição objetiva de traços exteriores”, afirma Starkie, que já tinha morrido quando Barnes escreveu seu livro, lembrada pelo narrador Geoffrey Braithwaite. “Na verdade, ele é tão descuidado com a aparência deles que a certa altura atribui a Emma olhos castanhos; em outra, olhos profundamente negros; e numa terceira, olhos azuis.” Alter ego do autor, Braithwaite fica muito incomodado com isso. Como é possível que, obcecado pelo romance de Flaubert, nunca tivesse reparado em tão grosseira inconsistência? Voltando ao texto, sua irritação muda de endereço. No fim das contas fica evidente que o escritor francês queria que os olhos de Bovary fossem cambiantes: naturalmente castanhos, pareciam negros sob a sombra dos cílios e podiam adquirir um surpreendente tom de azul escuro quando a luz incidia neles de certa forma. Conclui Braithwaite/Barnes: “Seria interessante comparar o tempo gasto por Flaubert…

Nasce um campo de pesquisa: o dos estudos nasoliterários
Vida literária / 03/08/2013

A notícia do jornal inglês “The Guardian” foi publicada na editoria de livros, mas também poderia estar na de economia e negócios ou mesmo na de ciências – para não mencionar, em nota mais cínica, a de fait divers, onde se agrupam histórias soltas e bizarrices em geral. Trata-se da conclusão a que chegou uma pesquisa de consumo realizada na Bélgica com frequentadores de livrarias de rua: a de que o cheiro de chocolate deixa as pessoas significativamente mais propensas a comprar romances românticos – romance novels, um gênero que não tem identidade literária tão clara no Brasil, mas que é facilmente reconhecível pelas capas com heroínas suspirosas e pelas vendas expressivas. Manja Barbara Cartland? O aroma em questão, bem entendido, é espargido na livraria e não nos volumes em si (será esse o próximo passo das editoras em sua luta para injetar ânimo nos combalidos livros físicos?). Como se sabe, o estudo das relações entre o olfato e certas inclinações de comportamento, sobretudo quando se trata de abrir a carteira, não é exatamente novo. Lojas com variados perfumes estratégicos – de abaunilhados a frutados e florais, aromas supostamente acolhedores para estimular a permanência do cliente ou excitantes para fazê-lo…