No fascinante romance-ensaio “O papagaio de Flaubert”, lançado em 1984, o francófilo escritor inglês Julian Barnes dedica um capítulo aos olhos de Emma Bovary. Nele faz, em miniatura, uma grande e já célebre crítica à crítica acadêmica na pessoa de Enid Starkie, renomada biógrafa de Gustave Flaubert e professora de Oxford. “Flaubert não constrói seus personagens, como fazia Balzac, por meio da descrição objetiva de traços exteriores”, afirma Starkie, que já tinha morrido quando Barnes escreveu seu livro, lembrada pelo narrador Geoffrey Braithwaite. “Na verdade, ele é tão descuidado com a aparência deles que a certa altura atribui a Emma olhos castanhos; em outra, olhos profundamente negros; e numa terceira, olhos azuis.” Alter ego do autor, Braithwaite fica muito incomodado com isso. Como é possível que, obcecado pelo romance de Flaubert, nunca tivesse reparado em tão grosseira inconsistência? Voltando ao texto, sua irritação muda de endereço. No fim das contas fica evidente que o escritor francês queria que os olhos de Bovary fossem cambiantes: naturalmente castanhos, pareciam negros sob a sombra dos cílios e podiam adquirir um surpreendente tom de azul escuro quando a luz incidia neles de certa forma. Conclui Braithwaite/Barnes: “Seria interessante comparar o tempo gasto por Flaubert…