A primeira referência que encontrei à autonomia dos personagens literários me impressionou muito. Era adolescente, começava a tentar pôr de pé o plano insensato de um dia escrever livros e fiquei boquiaberto ao descobrir que um escritor podia se declarar impotente diante do livre-arbítrio manifestado por criaturas que ele próprio tinha criado. Como assim – então não era o autor que mandava? A revelação constava de um dos prefácios que Erico Verissimo, meu primeiro ídolo literário, havia escrito para suas (ainda incompletas) obras completas, coleção de capa dura azul que ocupava lugar de honra na estante lá de casa. Não demorou para que meu estranhamento desse lugar a uma profunda reverência diante do supremo mistério da criação. Não registrei na memória o momento exato em que mudei de ideia, mas lembro-me de, poucos anos mais tarde, abrir um sorrisinho sarcástico toda vez que esbarrava – e esbarrava o tempo todo – num artigo ou entrevista em que um escritor evocava o supremo mistério da criação, alegando que seus personagens só faziam o que bem entendiam e tal. Pô, aqueles caras pensavam que estavam enganando quem? Tremendo caô, claro. Tentativa canhestra de mitificar e dar caráter quase divino a algo que…