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Gêneros? Sim, mas com generosidade
Pelo mundo / 26/04/2014

Se escrevesse hoje, Jane Austen, autora de clássicos do romance inglês como “Orgulho e preconceito”, talvez fosse catalogada como uma autora cômica, isso se não fosse parar na prateleira de “romance romântico” ou, quem sabe, de chick lit. Esse é o argumento defendido pela escritora Elizabeth Edmondson em artigo publicado no “Guardian” (em inglês, aqui), sob o título “Ficção literária é só marketing esperto”, como parte de uma série dedicada a debater os chamados “gêneros literários”. O argumento é instigante: Jane Austen não se via como autora de “ficção literária” (também chamada de “literatura séria”) pela simples razão de que tal rótulo não existia no século XIX. Sua criação, no século XX, foi uma forma até certo ponto artificial de diferenciar obras artisticamente ambiciosas, mais focadas no trabalho de linguagem do que na contação de histórias, da vasta produção de livros de ficção científica, literatura policial, fantasia, terror, humor, faroeste e outros gêneros de grande apelo comercial, mas considerados artisticamente “menores”. Muito bem. Fora o fato de que rótulos são redutores por definição, haverá algo errado nessa classificação, de resto importante para as livrarias na hora de expor seus produtos? Se considerarmos que uma coisa é vender livros e outra…

Gabo (1927-2014): o legado complexo de um gênio
Pelo mundo / 17/04/2014

A reputação literária do colombiano Gabriel García Márquez, que morreu hoje na Cidade do México, aos 87 anos, está estabelecida faz tempo. Sua cotação na Bolsa de Valores Literários deverá sofrer oscilações no futuro, como a de qualquer escritor que não seja simplesmente esquecido, mas poucas vozes devem se dar ao trabalho de lamentar, por exemplo, seu “folclorismo e exotismo realmente desnecessários” como fez o exilado cubano Guillermo Cabrera Infante, um desafeto político morto em 2005. “Cem anos de solidão” é um monumento cravado na história da literatura, ponto. Como seus três ou quatro principais livros depois dele mantêm o sarrafo lá no alto, o solo sob os pés do escritor parece firme. No caso de Gabo, como o chamavam os amigos próximos (e os jornalistas de qualquer distância), a reputação que falta fixar é a do homem público, a do “político” – papel que o ex-menino pobre e franzino de Aracataca passou a representar de modo praticamente profissional depois de se consolidar como celebridade planetária com o Nobel de literatura de 1982. Foi essa frente política – ou seriam fundos? – que a crítica internacional atacou com maior apetite na notável biografia autorizada que o inglês Gerald Martin publicou…

Da arte de procurar no lugar errado

Nas entrevistas que tenho dado sobre “O drible”, meu romance mais recente, é comum que me perguntem – em geral de modo positivo, com admiração – sobre como cheguei à tese de que o estilo brasileiro de jogar futebol só se tornou o que é devido à ajuda involuntária dos velhos narradores de rádio, que com sua mania de embelezar exageradamente os jogos, fazendo “qualquer pelada chinfrim disputada em câmera lenta por perebas com barriga d’água” parecer “cheia de som e fúria”, obrigaram os atletas a fazer “um esforço sobre-humano” em campo para ficar à altura de suas mentiras. Não é tão simples responder a essa pergunta. Em primeiro lugar a tese não é minha: quem a expõe com entusiasmo, “parecendo satisfeito consigo mesmo”, é Murilo Filho, um dos personagens principais de “O drible”. Murilo é um velho e famoso cronista esportivo que, à beira da morte, busca se reaproximar de seu único filho, Neto, com quem brigou há um quarto de século. Trata-se de um excêntrico que Neto suspeita estar gagá e, mais do que isso, um personagem de princípios morais duvidosos (digamos assim, para evitar spoilers). Duvido que algum autor se sentisse confortável de escalar tal figura como…

‘O professor’: ensaio sobre a queda
Resenha / 05/04/2014

Ninguém pode acusar Cristovão Tezza de cair nas armadilhas populistas do sucesso. Com o romance autobiográfico “O filho eterno”, de 2007, o escritor paranaense nascido em Santa Catarina – até então considerado um nome “difícil”, do tipo que a crítica elogia e a grande massa leitora evita – explodiu. Relato sensível mas inclemente das agruras de um pai para aceitar seu filho com síndrome de Down, o livro pulou o cercadinho onde se reúnem em gueto os poucos milhares de consumidores da literatura brasileira dita séria: virou best-seller, mas sem abrir mão do prestígio crítico que o levou a ganhar todos os prêmios literários mais importantes do país, proeza rara numa sociedade precariamente letrada e que se habituou a ver a lista dos romances mais vendidos loteada por sobrenomes como Green e Brown. Quem passou a esperar de Tezza o golpe baixo do “novo ‘O filho eterno’”, porém, tem se decepcionado desde então. Ainda bem. “O professor” (Record; 240 páginas; 32 reais) eleva a aposta do autor em sua literatura realista, historicamente enraizada, mas antinaturalista e rigorosa. Consciente da insuficiência irremediável da própria linguagem que lhe dá corpo, a prosa do romance parece querer desdobrar uma frase de “O espírito…