A ideia de “bloqueio de escritor” pode ter surgido junto com a de inspiração, irmãs gêmeas e inimigas geradas na barriga do Romantismo: ambas atacam quando bem entendem, sem que o pobre escritor possa fazer nada para controlá-las. A tese é exposta – não com essas palavras – por Joan Acocella, crítica da revista “New Yorker”, num alentado ensaio que estará no próximo número da revista “serrote”, semana que vem, sob o título “Por que os escritores param de escrever?”. Segundo Acocella, o poeta romântico inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) foi a primeira pessoa da história a deixar registrado em seus diários um caso do gênero. “Bloqueio de escritor é um conceito moderno”, observa ela. “É provável que os escritores tenham sofrido para trabalhar desde que começaram a assinar suas obras, mas apenas no começo do século 19 essa inibição criativa tornou-se uma questão para a literatura, algo que as pessoas levavam em conta quando conversavam sobre a arte.” A partir daí, a questão da angústia de não conseguir escrever é examinada pela autora sob diversos ângulos e em diversas épocas. Se, ao citar casos concretos, ela acaba falando quase exclusivamente de autores da língua inglesa (com uns poucos franceses…
Na entrevista que Kurt Vonnegut (1922-2007) deu à “Paris Review”, lida há muitos anos, há um trecho que nunca me saiu da cabeça. Nele o escritor americano, autor de “Matadouro 5”, faz com a verve que lhe era característica uma defesa da boa e velha contação de histórias: Garanto a você que nenhum esquema narrativo moderno, nem mesmo a ausência de enredo, dará ao leitor satisfação genuína, a menos que uma daquelas tramas à moda antiga seja contrabandeada para dentro da história. Não defendo a trama como representação acurada da vida, mas como forma de manter o leitor lendo. Quando eu dava aulas de criação literária, costumava recomendar aos estudantes que fizessem seus personagens desejar alguma coisa imediatamente – mesmo que apenas um copo d’água. Personagens paralisados pela ausência de sentido da vida moderna ainda precisam beber água de vez em quando. Um dos meus alunos escreveu um conto sobre uma freira que ficou com um pedaço de fio dental preso entre os molares inferiores e não conseguia se livrar dele o dia inteiro. Achei isso maravilhoso. A história lidava com questões muito mais importantes do que fios dentais, mas o que mantinha os leitores presos era a ansiedade de…
Um artigo (em inglês) publicado pouco mais de um ano atrás pelo ensaísta americano Joseph Epstein na revista The Atlantic, lido dia desses com atraso, me fez pensar nas tensas, sutis relações entre crítica literária e literatura – e por extensão entre crítica e qualquer arte que seja seu objeto. O título é provocante, para não dizer sensacionalista: “Franz Kafka é superestimado?”. Uma pergunta feita para pegar o leitor de surpresa, pois dificilmente lhe terá ocorrido formulá-la mesmo em sonhos. O subtítulo responde depressinha: “Os críticos há muito tempo tendem a vê-lo como um mestre modernista em pé de igualdade com Joyce, Proust e Picasso. Reconsideremos isso”. Ou seja: transformemos Kafka num inseto monstruoso. Meu primeiro pensamento foi: bem, se vamos reconsiderar a turma dessa lista, Picasso não deveria ser o primeiro da fila? Mas Epstein não está realmente interessado no pintor espanhol, a não ser como símbolo de uma suposta grandeza incontestável, compartilhada por Joyce e Proust, em relação à qual o escritor tcheco deveria se apequenar. Sim, o truque é batido no jornalismo cultural e tem florescido como nunca em nossos tempos internéticos: pega-se uma unanimidade qualquer, alega-se com maior ou menor poder argumentativo que ela é boba…

