A memória é a matéria-prima do escritor francês Patrick Modiano, agraciado em outubro do ano passado com o prêmio Nobel de literatura. Isso pode sugerir um parentesco com Marcel Proust, o maior nome da literatura de seu país no século XX, autor dos sete volumes do caudaloso “Em busca do tempo perdido”. Mas é enganosa a semelhança. Enquanto Proust se dedica à recriação da vida mundana nos círculos aristocráticos franceses da virada do século em prosa suntuosa, inchada de minúcias psicológicas e sensoriais que esticam suas frases para além do fôlego convencional da leitura, Modiano faz tudo ao contrário. Em seus livros sempre magros, estranhamente inconclusivos, é em tom menor e prosa singela, às vezes tateante, que o escritor nascido em 1945 busca reconstruir a vida na capital francesa sob domínio nazista e no pós-guerra de sua infância, um tempo de vidas fraturadas, identidades fugidias e segredos tenebrosos. Onde Proust oferece um banquete, inventando um triunfo literário sobre o poder corrosivo do tempo, o autor de “Remissão da pena” (Record, tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto, 128 páginas, RS 29,00) serve pratos frugais, ainda que cheios de sabores inusitados, incorporando ao leque temático de uma obra marcada pela…