Em 1972, às vésperas de completar 70 anos, o ilustre médico mineiro Pedro Nava, radicado no Rio de Janeiro, publicou “Baú de ossos”, o primeiro volume de suas memórias. O livro vinha com um prefácio luxuoso do amigo Carlos Drummond de Andrade, que o declarava “digno de figurar entre o que de melhor produziu a memorialística em língua portuguesa”. As palavras do poeta não faziam favor algum ao trabalho de Nava, que encontrou sucesso instantâneo. Até sua morte, por suicídio, em 1984, ele teve tempo de concluir e lançar outros cinco títulos na mesma veia: “Balão cativo”, “Chão de ferro”, “Beira-mar”, “Galo das trevas” e “O círio perfeito” – o sétimo da série, “Cera das almas”, ficou incompleto. (Desde 2012, a Companhia das Letras vem repondo a obra em circulação, e já relançou os cinco primeiros volumes em edições caprichadas.) A inesquecível cena abaixo, de “Baú de ossos”, resume bem as qualidades – de prosador fino, de contador de histórias, de evocador de marcas temporais e de aquarelista de atmosferas – que fazem Nava ser considerado pela maior parte da crítica o grande memorialista da literatura brasileira. É a primeira vez que um não-ficcionista vem parar na seção Que cena!….
Esbarrei dia desses numa lista de dez conselhos – aqui, em espanhol – do romancista americano Richard Ford (foto) a jovens escritores e fiquei matutando sobre esse subgênero das dicas sobre o fazer literário, que sempre mereceu atenção do Todoprosa em seus quase nove anos de história. Embora sejam discutíveis em princípio, claro, simplesmente por serem conselhos, os de Ford têm lá sua graça. O que neles mais chamou minha atenção foi o fato de serem, em sua maioria, toques de vida, de comportamento, de postura diante do trabalho – e não de técnica, estilo, relação com as palavras, condução do ritmo narrativo ou composição dos personagens. Acredito que isso os faça mais úteis. “Case-se com alguém que ame e que ache uma boa ideia você ser escritor”, recomenda Ford já na abertura do decálogo. E mais à frente: “Não discuta com sua mulher”; “Não deseje mal a seus colegas”; “Tente pensar no sucesso dos outros como um estímulo para você”. O que pode parecer uma cartilha de bom-mocismo entra também por terreno íntimo e polêmico: “Não tenha filhos”. Puxa, será que um escritor com filhos deve desistir da carreira? Eu tenho dois. É claro que ninguém deve tomar ao…
Sábado passado publiquei aqui a Antologia online de carnaval: edição revista e ampliada, com oito contos brasileiros de tema carnavalesco. Nunca tive a pretensão de esgotar o assunto com aquelas sugestões de leitura, evidentemente. Mesmo assim, a resposta de leitores e amigos, tanto na caixa de comentários quanto em contatos pessoais, me convenceu de que o desfile não ficaria completo sem uma última ala. Os cinco contos abaixo abrangem um arco histórico ainda mais amplo, de Machado de Assis a um recentíssimo Sérgio Sant’Anna, e por isso vão organizados em ordem cronológica. É curioso observar como, no geral, eles desenham um quadro carnavalesco bem menos sinistro, mais chegado à alegria, do que o conjunto de histórias da semana passada. Um dia de entrudo não está entre os melhores contos do autor, mas Machado é Machado e desfilaria até de casaca e pincenê. Lima Barreto comparece com um conto leve e divertido, parente da crônica, o que o aproxima da história agridoce de Luis Fernando Verissimo. Rubem Fonseca, que havia perdido a vaga na última antologia por ter tido seu conto Fevereiro ou março retirado da internet, volta à avenida com uma história do início de sua carreira. E Sérgio Sant’Anna,…
O casamento de literatura e carnaval dá samba? Se dá! Dos oito contos listados abaixo – todos disponíveis para leitura imediata na rede, sem a necessidade de baixar arquivos –, acredito que pelo menos a maioria tenha presença obrigatória em qualquer antologia que se organize sobre o tema. Esta coleção é a versão revista e aprimorada de uma lista que publiquei aqui no blog no carnaval de 2011. Naquele ano, lamentei que não pudese incluir no pacote, por não estarem disponíveis online, a espetacular crônica Batalha no Largo do Machado, de Rubem Braga, com sua prosa-batucada, e o conto Caprichosos da Tijuca, de Marques Rebelo. Ocorre que a internet tem dessas maravilhas: a leitora Regina Braga leu aquilo, não se conformou com tais lacunas e, seguindo a minha dica, apressou-se a publicar os dois textos faltantes em seu blog. Outro acréscimo bem-vindo é o sensível conto Folia, de Marcelo Moutinho, o escritor carioca contemporâneo mais ligado ao tema. Em compensação, o trecho de Fevereiro ou março, de Rubem Fonseca, que na época estava ao alcance de um clique, saiu do ar. O que, se é sem dúvida um desfalque importante, não deixa de tornar a antologia mais coesa: todos os…