Tirei umas breves férias desta coluna – e do Sobre Palavras – para participar do Salão do Livro de Paris, que este ano teve o Brasil como país homenageado, e atender a outros compromissos de lançamento da tradução francesa de “O drible”. Sábado que vem estarei de volta com novidades. Até lá!
A estreia da seção Que cena!, em maio de 2012, foi apropriadamente entregue ao maior escritor brasileiro da história: A xícara de café de “Dom Casmurro” trazia um trecho notável – caseiro, objetivo, melodramático e totalmente aterrorizante – do mais importante romance de Machado de Assis. É justo, portanto, que seja Machado o primeiro autor a se repetir neste espaço, agora com um excerto da famosa cena do delírio do narrador em “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de 1880. Este é um naco de texto desbragado e furioso que elege o universo como palco e a história da humanidade como enredo – uma ousadia que, mesmo tendo fundo humorístico ou talvez por isso mesmo, fez a provinciana literatura brasileira amadurecer dois ou três séculos em poucos minutos. Curiosamente, sendo diferente em tudo, tom e intenção, daquela cena realista em que Bentinho cogita assassinar o filho, o delírio de Brás Cubas também se sente à vontade acompanhado de adjetivos como “melodramático” e “aterrorizante”. Para não poucos críticos, “Memórias póstumas…” disputa centímetro a centímetro com “Dom Casmurro” o posto de obra-prima machadiana. Pelo menos num aspecto sua primazia é indiscutível: o cronológico. Quinto romance de Machado, foi o relato da vida fútil…
A preocupação de não ser estraga-prazeres da leitura de ninguém me obriga a dizer que a cena abaixo, situada ao fim do segundo terço do livro, é o clímax do curto e notável romance “Na praia”, de Ian McEwan (Companhia das Letras, 2007, tradução de Bernardo Carvalho). Mais do que clímax – desgraçadamente precoce, como logo veremos –, trata-se do fulcro da narrativa, o momento decisivo ao redor do qual o autor inglês organiza com virtuosística economia de meios toda a melancólica história – pregressa e futura – dos jovens Edward e Florence. Ah, sim: é uma cena cômica também. Dito isso, não consigo imaginar a leitura de um trecho tão intenso como algo que impeça ninguém de procurar o livro para encará-lo desde o início – pelo contrário. Longe de conter uma informação terrível que o suspense da história exija manter oculta, a cena da noite de núpcias do casalzinho inglês num hotel à beira-mar é de uma banalidade pungente. Como eles chegaram até ali, naquele estado quase inverossímil de nervosismo e inépcia, e o que farão depois disso – eis o que torna “Na praia” um romance imperdível, espécie de hino triste aos derradeiros mártires de uma era…
O imprescindível jornal mensal “Rascunho”, especializado em literatura, traz na edição que saiu esta semana uma entrevista minha na seção Inquérito, que reproduzo abaixo. Todo mês o jornal curitibano submete as mesmas perguntas – ou mais ou menos isso, pois o número delas cresceu com o tempo – a um escritor brasileiro. O espírito da inquirição é aquele do famoso Questionário Proust, levar o depoente a expor sua “personalidade” em respostas curtas a perguntas singelamente diretas, algumas delas brincalhonas ou excêntricas. Divertido, em suma. Para o arquivo dos Inquéritos, clique aqui. A edição de março ainda não está disponível no site do jornal, mas já pode ser lida em pdf. Destaque para a suculenta primeira parte do ensaio “Dom Casmurro: a obra-prima da reciclagem”, de João Cezar de Castro Rocha, na página 20. * • Quando se deu conta de que queria ser escritor? Aos 14 anos, quando concluí que escrevia melhor do que desenhava. Comecei imediatamente a escrever um conto atrás do outro. A ideia era estar consagrado aos 18, mas não deu certo. • Quais são suas manias e obsessões literárias? Nunca falar do que estou escrevendo ou planejando escrever, pelo menos até o trabalho estar bem adiantado….