Por Raissa Pascoal
A mesa Cidade e Democracia abriu o quarto dia da Flip com uma discussão longa, com pontos interessantes, mas que perdeu em dinâmica e conteúdo pela falta de habilidade do mediador Guilherme Wisnik na condução da discussão entre o escritor indiano Suketu Mehta e o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta. A partir do livro Bombaim: Cidade Máxima, de Mehta, lançado no país pela Companhia das Letras em 2011, a conversa abordou pontos como o nascimento das grandes metrópoles, suas transformações e as semelhanças entre as favelas do Rio de Janeiro e de Bombaim, hoje chamada de Mumbai.
Apesar de promissores, alguns tópicos deixaram de ser desenvolvidos a contento, e o mediador, que poderia incitar os autores a falar, não o fez. Durante uma hora e 20 minutos, tempo que durou a mesa, Wisnik só lançou três perguntas aos convidados. Em lugar de promover um debate, ele deu espaço para que Mehta e DaMatta falassem longamente e sem destino – a conversa não tinha um norte. Parte do tempo também foi destinado à apresentação de músicas sobre grandes metrópoles, como a canção This is Bombay, My Love, da Bollywood da década de 1950, e New York, New York, clássico na voz de Frank Sinatra.
O primeiro assunto tratado foi a diferença entre a Bombaim da década de 1970, época em que Mehta ainda morava na cidade, e a Bombaim do final dos anos 1990, quando o escritor voltou a morar no local, deixando Nova York, para onde havia se mudado aos 14 anos. Em Bombaim: Cidade Máxima, Mehta mistura pesquisa jornalística com literatura de viagem para imergir no cotidiano frenético da metrópole. “Quando eu voltei para Bombaim, me tornei um outsider. Não consegui voltar às ruínas do meu passado. O que temos hoje na Índia é uma falta de respeito por nossa civilização arruinada”, disse o escritor, referindo-se a fatos que considera absurdos, como a construção de torres no meio de bairros históricos.
O indiano também destacou o contraste que há na cidade entre a brutalidade (representada pela guerra travada entre muçulmanos e hindus) e a solidariedade do povo (por exemplo, quando as pessoas abrem espaço nos trens lotados para que todos possam entrar).
DaMatta, que se mostrou fã da obra do indiano, ponderou que as metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, e as indianas, como Bombaim, devem ser enxergadas de forma menos negativa. “Não dá para pensar mais as cidades em termos de exceção. Nós temos que repensá-las como cidades exemplares e prováveis modelos do futuro, com todos os seus problemas”, disse. Wisnik então lembrou que Brasil e Índia fazem parte do Bric, são as duas primeiras letras da sigla que designa os quatro países em desenvolvimento de maior destaque no cenário mundial – Rússia e China completam o grupo.
Para fechar a mesa, Mehta contou que aproveitou a visita que fez ao Brasil em dezembro do ano passado para visitar as favelas do Rio de Janeiro. “Fiquei impressionado com a correspondência entre as favelas do Rio e de Bombaim.” O escritor contou ter visto a diferença entre as favelas pacificadas e as que ainda não passaram pelo processo. Em uma delas, foi a um baile funk com meninos de 12 anos armados com AK-47 e, em outra, vizinha da central do Bope, viu um show de jazz, frequentado por moradores do Leblon e Ipanema querendo mostrar aos amigos que agora vão à favela. “Esse é o futuro das favelas com a pacificação. Quando a Rocinha for pacificada, talvez daqui a 10 anos, será uma região valorizada.”
O escritor ainda criticou a construção de conjuntos nacionais no lugar das favelas, algo que está acontecendo tanto na Índia quanto no Brasil. “Se olhar as favelas em qualquer lugar do mundo, elas são coloridas. Já os conjuntos habitacionais são monocromáticos, geométricos. A mente humana não é formada assim, ela tem curvas. Eu não entendo esses conjuntos habitacionais tão feios, parece que foram feitos por um arquiteto louco e surdo”, disse.
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