Clique para visitar a página do escritor.

Grátis

07/03/2008

Palavrinha adorável, “grátis” nunca saiu de moda, mas alguns anos atrás pouca gente teria sido capaz de prever que a internet a transformaria em carro-chefe. Mera – e antiga, já registrada em 1502 – transposição para o português do latim gratis, é derivada do adjetivo latino gratus, que tem sentido ativo (“que agrada, que delicia”) e passivo (“agradecido, reconhecido”). A gratuidade traz do berço, portanto, a idéia de que aquilo que é oferecido livre de custo busca agradar, é um favor, geralmente em reconhecimento ao valor de alguém. O que significa dizer que, do outro lado do balcão, de frente para o grátis, existe sempre uma pessoa que deve se sentir grata.

A ambivalência ativo-passivo se transmitiu a outros termos da família: olhando bem, é possível ver a presença do mesmo “grat” latino na gratificação e no agradecimento, ou seja, dando conta tanto do que agrada quanto de quem, sendo agraciado, demonstra gratidão. Engraçado? Juro que esse grande congraçamento de palavras aparentadas, talvez gracioso para uns, mas certamente uma desgraça de etimologista doido para outros, não está aqui gratuitamente, só para fazer graça.

As palavras grifadas no parágrafo anterior – algumas, como “grátis”, vindas diretamente do latim, enquanto outras se formaram no português com base na matriz latina a partir do século 15 – traduzem a complexidade das relações envolvidas na idéia de gratuidade. Apesar de sua força poética, free, vocábulo inglês que quer dizer livre e também grátis, isto é, livre de custos, não traduz imediatamente essas relações. E são elas, com menos ênfase na idéia de favor e mais na de reconhecimento, que tornam possível a previsão de Chris Anderson, da Wired, sobre o futuro gratuito – para o consumidor final, enquanto o dinheiro corre solto por outros fios da rede – da economia digital.

Publicado na “Revista da Semana”.

5 Comentários

  • Sérgio Rodrigues 07/03/2008em18:41

    Pô, ninguém vai dizer nada sobre o texto do Chris Anderson (o mesmo da Cauda Longa)? A tese parece bem consistente, mas o otimismo virtual sempre me deixa com um pé atrás.

  • Sérgio Rodrigues 07/03/2008em18:45

    A propósito: a Revista da Semana que está nas bancas, com a capa “Grátis”, sai de graça (menos no Rio, por algum problema relativo à distribuição). Quem ainda não conhece tem uma boa chance.

  • cético 08/03/2008em10:37

    eu quero ver o dia q a comida for de graça, aí sim mas enquanto isso ñ rola é so papo furado

  • Pablo 08/03/2008em19:02

    Mais um artigo que nos deixa com saudade de quando “A palavra é…” era mais freqüente.
    Impressionante como uma palavra tão “barata” pode ser assim rica de significados.

    Abraço,

    Pablo
    http://cadeorevisor.wordpress.com

  • adelaide 10/03/2008em13:54

    Na prática, o abuso corrompeu a palavra, e grátis, de linda etimologia, passou a levantar suspeitas. Todo mundo oferece cartões grátis, por exemplo, quando na verdade por trás da gratuidade existe um custo muito bem malocado no contrato em letrinhas ilegíveis. Se o barato costuma sair caro, o grátis pode ser uma armadilha.