Na mesa “Marco zero modernista”, diante de um auditório com cerca de 80% de ocupação, hoje à tarde, os pesquisadores acadêmicos Marcia Camargos e Gonzalo Aguilar deram continuidade às homenagens a Oswald de Andrade, iniciadas ontem à noite na mesa de abertura. Não era fácil a tarefa de trazer novos ingredientes ao banquete antropofágico proposto pela Flip, após o prato principal representado pelo venerável Antonio Candido, e dela saiu-se melhor o argentino Aguilar, que morou no Brasil e é autor de um livro ainda sem tradução em português chamado Por una ciencia del vestigio errático – ensaios sobre a antropofagia de Oswald de Andrade.
Falando em português com forte sotaque portenho e algumas recaídas no espanhol, que não prejudicaram a compreensão do público, Aguilar partiu do quadro “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, para falar da principal “inversão” que inspirou Oswald a criar o movimento antropofágico: a subversão da hierarquia tradicional representada por uma figura de pé enorme e cabeça minúscula.
“Isso tem a ver com a literatura de Oswald, que é uma literatura do corpo, muito erótica. O pé fala da mobilidade, que, como disse ontem Antonio Candido, define sua obra. Ir caminhando e inventando no caminho, essa ideia está em toda a obra de Oswald.
Segundo Aguilar, outras inversões hierárquicas que Oswald viu sintetizadas no quadro de Tarsila, com quem foi casado, foram a ideia de que o homem nu e natural, longe de ser o índio situado num passado mítico, existe agora; a linguagem que se despe da racionalidade para abraçar a iluminação instantânea dos epigramas e das frases de efeito; e a valorização da brincadeira e do riso sobre a seriedade.
“A antropofagia é a unica vanguarda da América Latina que passou da questão estética para a questão política”, concluiu. “Oswald fala socialmente, economicamente e filosoficamente: a questão estetica era menor para ele. O Congresso Antropofágico, que acabou não acontecendo, tinha entre seus princípios a abolição da propriedade privada e a legalização do aborto.”
Marcia Camargos, autora do livro “A semana de 22 entre vaias e aplausos”, teve seu momento de maior comunicação com o público ao dedicar sua palestra a “todas as mulheres que usam a palavra escrita para mudar a realidade” e ao proclamar, incentivando todo mundo a “devorar” a obra do escritor modernista que a Flip homenageia: “Oswald de Andrade é gostoso!”.
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