Foram as poucas linhas daquela carta de recusa que fizeram Lúcio Nareba, lenda da blogosfera literária nacional, perder a cabeça. Não fosse o veneno destilado – gratuitamente, gratuitamente! – pela famosa editora Bia Escarpin, o adorável Nareba estaria entre nós até hoje, esvaziando dois engradados e meio de cerveja por dia às custas de seus admiradores mais jovens, fumando pelos ouvidos, coçando a bunda agressivamente como lhe parecia apropriado aos gênios irascíveis e rabiscando nanocontos em guardanapos com nódoas de azeite. Mas aquela carta de recusa…
Prezado Nareba,
Abri seu manuscrito com grande interesse e, já na primeira página, fui ao delírio com a epígrafe. Genial mesmo, parabéns. Infelizmente, não consegui passar da epígrafe, motivo pelo qual sou obrigada a recusar a publicação de “Sou phodão & outras modéstias”. Como sinal de boa vontade, uma crítica construtiva: a epígrafe é genial mas precisa ser aprimorada. Os versos “Astros! noite! tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!…” são do Castro Alves e não do Chacal.
Isso posto, não desista jamais. Ou desista, phoda-se.
Bia Escarpin
Gratuito, não? Mais do que gratuito, humilhante. Típico dessa alta burguesia editorial insensível e decadente que aí está. Mesmo assim, o plano de estrangular Bia Escarpin não teria ido longe se, ao sair do botequim certa madrugada, um cigarro fumegando em cada ouvido e dois engradados e meio de cerveja no sangue, Nareba, numa dessas coincidências incríveis que a literatura aprecia, não tivesse topado com a famosa editora no calçadão do Leblon. Piscou para espantar a aparição, mas o fantasma continuou lá. Sozinha, veias saltadas na testa, Bia parecia nervosa, escarpin tiquetaqueando de um lado para o outro nas pedras portuguesas, celular no ouvido, echarpe de seda ao vento.
Enquanto estrangulava Bia Escarpin com a echarpe, ele pensou naquele personagem de Tolstoi que mata a velhinha – como era mesmo o nome dele, Nabokov? Foi quando se decidiu por uma epígrafe em russo para o seu próximo livro, atualmente em produção, chamado “Meu companheiro de cela é phodão & outras delícias”. Tinha que ser em russo, talvez alguma coisa do Ibsen. Um abaixo-assinado pela imediata libertação de Lúcio Nareba rola na internet.
50 Comentários
Ah, se nós pudéssemos estrangular todos os editores e editoras que nos respondem com ironia e mordacidade, nos humilhando. E não é humilhante aquele negócio de “Infelizmente seu projeto não se coaduna com a linha editorial da empresa?” Como se fôssemos idiotas e enviássemos algo fora da dita cuja?
O texto me enganou de princípio… Fiquei tentando lembrar quem era Lúcio Nareba… Parabéns. Gostei pra ca#%$&#!
Phantástica estorinha!
Imagine se todo o escritor rejeitado saísse por aí estragulando o editor. Não sobraria editor para contar a história. E muitos escritores, como Proust (que teve a obra rejeitada por vários editores), teriam ido para detrás das grades. Isso é o que dá se levar a sério demais, levar a própria genialidade a sério demais. Mas concordo que foi gratuita a resposta da editora.
Jurei que nunca mais comentaria aqui, mas não agüento.
Tem gente que não entende uma ironia nem quando esfregam uma na cara. Afe!
abs
Eu já tenho um editor preferido pra ser estrangulado – e olha que eu ainda nem mandei o meu livro pra editora dele…
E tenho também uma meia dúzia de escritores: a cabeça da lista é uma mulher (por favor: não me venham com teorias freudianas ou lacanianas a respeito do ódio latente dos homossexuais pelas mulheres – eu adoro mulheres, só não tenho vontade de fazer sexo com elas).
A nefanda indústria editorial não se cansa de renovar seu arsenal de maldades contra nós, os escritores inéditos — e quando somos brasileiros e torcedores do Olaria, eles aproveitam para nos humilhar ainda mais.
Outro dia uma prestigiosa casa editorial de São Paulo teve a cachimônia de recusar me romance histórico “Primeiros paços” com a seguinte desculpa: “Seu romance possui inegáveis qualidades, mas infelizmente a decisão foi por não publicá-lo, pois o lançamento do mesmo contribuiria de modo irreversível para o aquecimento global”.
Longe de mim querer estrangular alguém, mas o que vem me encucando ultimamente é a por vezes baixa qualidade do que é publicado. Tendo me emocionado com uma entrevista no YouTube recomendada aqui, nestes comentários, estou lendo no momento um dos monstros sagrados da literatura moderna brasileira (já falecida) e, francamente, não entendo a adoração. Quanto à repetida preocupação do Sergio com este tema espinhoso, tb não entendo muito… vc tem problemas para ser publicado? E não é vc mesmo editor aqui no NoMinimo, e editor de editor? Vale pela brincadeira, mas a angústia cotidiana, efeito colateral da opção pela literatura, não tem graça nenhuma.
“(…) eu adoro mulheres, só não tenho vontade de fazer sexo com elas.”
Está lá no dicionário: chama-se oxímoro.
Sábia editora, por que esse Naruba ai escreve malzinho pra cacete….
O cara deve ser uma lenda da blogosfera mesmo! Nunca ouvi falar dele…
Que história!
Aliás, é a única coisa que pode fazer toda editora que se preza: usar pseudônimo (Bia Escarpin é ótimo) e jamais de la vie se deixar fotografar.
Bia Escarpin sintetiza todo o descaso, toda a má-vontade, toda a ignorância, todo o não-entendimento sobre a única coisa que vale a pena o mundo ler: MEU LI-VROOOOOO!!!!!!!!!
Rolei de rir, Sergio.
Mausoléu: não é um oximoro (no meu dicionário a palavra não tem acento), é apenas um fato. Gosto de dizer isso sempre que posso, pra desmistificar aquela idéia de que viado odeia mulher. Eu não odeio. Eu adoro! Acho as mulheres a criação mais perfeita e encantadora de Jeová. Só não… bem, você já entendeu.
Nosso simpático Nareba devia ter se contentado com o que já conseguira (já que não era pouco), ou seja, ser uma lenda da Blogosfera.
Pra que mexer em time que está ganhando.
“Bem” comparando: imaginem se o Obina resolvesse ser centroavante do Real Madrid?
Noga,
Esse monstro sagrado é a Lispector?
Um dia serei editor, só pra pisar num novo autor.
Por essas e outras, peço Luiz Schwarcz na ABL. Só por ignorar as antas.
E fico com o Paulo: as pessoas têm problemas sérios com ironia, hem? Deve ser trauma de infância.
Caro Nareba,
Não desista! Não fique louco, não arranque a própria orelha, como Camões, que acabou surdo.
Vá em frente.
Por sorte, van Gogh, numa batalha contra os Mouros, perdeu o olho direito e assim foi poupado de ler a triste notícia da fatalidade que recaiu sobre Camões.
Jonas e Paulo, estou com vocês.
incrível como todo demente recusado por editora se acha Proust! Não que todos os recusados sejam dementes. Assim como nem todos são Proust.
Sérgio, faltou mencionar qual é a obra ficcional á qual pertence esse trecho, e o autor dessas mal traçadas linhas.
komo zão burhos us lytores dw zergey jodrigo! num intendiaom ilonia!
y kuantu au lytor ki dizze ke u lwis xwarz rigeita ãs amtas, devi gustar muxo de xô zoaris y amyl kulink, otoris dha kumpanya dhas lerdas!
Faltou não, Clara. Pense bem. Está no meu blog, sem crédito, logo…
Nareba, continue assim. Corte a perna, corte a orelha, fique manco, fique mouco. E, porque nao, fique louco: rasgue as vestes e, principalmente, seus originais.
Assim a bia scarpin se apaixona pelo seu lado bad boy e troca o blahnik pelo beatnik.
(ui, trocadilho infame)
Leticia, eu li seu livro. É excelente. Muito bom. Bom.
Mandei traduzir para o magiar. Não se preocupe, será lançado aqui mesmo no Brasil. Em magiar. A crítica se jogará aos seus pés. (Ok, essa foi sem querer – scarpin aos pés da leticia).
Caolho, míope, maneta – Nareba seria a síntese perfeita de Camões, Borges e Cervantes, o supremo escritor que ninguém jamais rivalizaria.
O problema é que, na era do politicamente correto, Nareba seria classificado como um portador de necessidades especiais e visualmente prejudicado (sem duplo sentido, este repelido pelo PC).
Noga: (sobre Clarice) vale a pena dar uma lida em “O Ovo e a Galinha”, esse conto (tem na internet) era um enigma até mesmo para Clarice.
Nareba é um escritor de faro 🙂 Nareba é “o último escritor”.
Escritor de faro… Pois é, pelo menos o cara ficou o nariz.
Noga: “O ovo e a galinha” (Lispector) : http://www.beatrix.pro.br/literatura/ovogalinha.html
Tiraram tudo do Nareba, mausoléu, que pelo menos o nariz de Nareba seja mantido.
já que comentei esse conto de Clarice, mais um enigma: quem veio primeiro Escarpin ou Nareba? Ou Qts Narebas fazem uma Escarpin? E vice versa?
Qual o segredo de tostines desse mercado editorial brasileiro?
Pigarreando um pouco, só me resta perguntar se isso é um microconto. Não vou retirar o que disse, afinal é só uma entre outras opiniões, várias favoráveis. A seu favor, de minha parte, seu texto possui humor. E bom, não sou editora – nem queria ser.
Liberdade para o Nareba!
Nareba para a ABL!
Nareba para Presidente!
Só Nareba Salva!
Colunista escreve conto satírico sobre um imbecil que se acha gênio. O protagonista comete um assassinato ao ver a obra recusada. Leitores comovidos se colocam no lugar do personagem, contra a malvada editora.
O tempora, o mores!
Claudio e Cezar, exatamente. O Ovo e a Galinha faz parte do livro que estou lendo a duras penas, Laços de Familia. Não vi nada de enigmático… Apenas… Sorry. Bobo. E ainda Cinthia Moscovich se inspirou nele… Estou muito decepcionada, chega a doer. O texto é datado e, francamente, mesmo nos anos 60 deve ter sido ruim… O que parece estilo para mim soou como pobreza de vocabulário… Ou então sou muito burra mesmo, e não entendo o que não há para entender. Me emocionei demais com Clarice no YouTube, até coloquei a tela no meu blog e pensei que era hora, finalmente, de conferir na prática. Fiquei triste. Mataram-na, comeram-na, e passaram-se anos.
Quero dizer, no livro chama-se somente Uma Galinha, será que é o mesmo? Será que alguém arrisca dois contos com o mesmo tema enigmático como ovo de galinha?
São dois textos diferentes.
Um pouco no espírito dessa brincadeira escritor recusado contra editor cruel, acho sinceramente que o Saint-Clair mereceria ser editado por alguma boa editora. Você já leram os contos dele disponível na internet, o ‘Dias Estranhos’? Achei muito interessante e diferente, e Saint-Clair é um ótimo escritor. Pelos comentários aqui não dá pra levar ele muito a sério, ele brinca e parece levar tudo na flauta, mas como autor tem vigor e muita qualidade de prosa e dedicidamente é um autor que mereceria ser editado. Há alguns ótimos contos nesse ‘Dias Estranhos’. O livro me parece acabado; é só editar e distribuir. Outro escritor carioca que não entendo o motivo de ainda estar inédito é Flávio Izhaki, contista adorável e muito talentoso. Não sei como funcionam as avaliações de originais, se lêem ou não os livros que chegam. Acredito que lêem algo; não tudo, claro. Uma pequena fatia. O que acho estranho: um editor que respeito muito costumava me falar (falecido): escritor brasileiro é maravilhoso – não tem que pagar tradução, nem direitos, etc. E ele não conseguia entender o motivo para que as editoras enfatizem tanto autores estrangeiros. Eu tenho uma suposição. Acho que o apelo do livro estrangeiro é que ele, de certa forma, já vem editado. Ou seja, por exemplo, um McEwan, ótimo autor e de quem sou fã, ele conversou e debateu seus textos com seu editoe original inglês, as revisões foram feitas, as mudanças, foram consideradas as sugestões, desconsideradas, trechos foram suprimidos, etc. Então, realmente, editá-lo é fácil (ou menos complicado) porque no fundo é só traduzir e coordenar o processo de capa, release, etc… Ou seja: não se edita um autor estrageiro: o produto já vem acabado. Por exemplo, Saint-Clair: seria o caso de aceitar seu livro para publicação e então ler o original, conversar com ele, sugerir, reler uma nova versão, debater algumas passagens, seria trabalhoso, demandaria tempo; mais fácil, ao meu ver, é: a- escolher um autor jovem estrangeiro que já foi trabalhado pelo seu editor original assim restando apenas traduzi-lo, o que é mais cômodo, ou b- selecionar um autor jovem que já tenha passado por outras pequenas editoras e esse trabalho de amadurecimento do estilo e temas já tenha sido feito antes da chegada desse autor numa editora maior. Não acredito na falta de vontade dos editores em investir em novos autores; acredito, sim, que um novo autor demanda um tempo que o mercado editorial não comporta mais. O mercado é ágil, fluente, internacional; feiras, encontros, bienais; agentes; contratos; não conheci um único editor que fosse apenas editor: acaba sendo um faz tudo. Pelo menos a maneira que eu vejo essa questão… Não sei se procede.
Mercado, será que é só isso que interessa? E a sensibilidade, a contribuição inovadora, foram parar onde? Será que tudo tem que virar negócio? Acaba sendo uma realidade muito pobre, se em vez de propor algo nos limitarmos a ouvir a voz do hábito. Já ouvi esta: “o mercado não está pedindo este tipo de assunto”. (F)ui.
Essa discussão teórica sobre autores e editores anda me dando um certo enjôo, fazendo mal, interferindo no impulso criativo. Não há quem aguente uma vida de remar contra a maré.
“Faltou não, Clara. Pense bem. Está no meu blog, sem crédito, logo?”
Pois é. Nego não entende nem isso e quer ser publicado.
Talvez não tenha sido suficientemente explícta: não quero ser editada, se neguinho permite essa fútil falta de ambição.
Não percebi que Sérgio poderia ser o autor do texto, porque 95% do que acompanho aqui, quando posso, se refere a outros autores. Poderia ter ocorrido um lapso, como já vi acontecer em nomínimo, não nesse blog, porém.
Como último argumento, Sérgio pareceu ter deixado propositalmente – e isso foi interessante – haver uma certa confusão se o relato ocorreu na realidade ou na ficção. Não percebi de imediato, mas em seguida entendi que era ficcional, não tendo ficando claro para mim quem o escrevera. No impulso, disse que não havia gostado do texto, e não vai ser agora que vou retroceder. Falei, tá falado, não tem volta. Esse é só um texto, e para a minha opinião desfavorável deve ter múltiplas em sentido contrário.
Ô, Clara, jurava que o Jonas tava sacaneando o Sérgio. Alguém lê post antigo?
Ô Gustavo! Pô… Valeu!… Que bom que você gostou! Faz o seguinte: me passa seu mailing list pra eu compartilhar isso com seus amigos. Mando em PDF mesmo. Só pra me vingar daquela v… da Escarpin e mostrar que ela só publica porcaria! Aliás, deus me livre publicar meu livro por aquela editora chinfrim!
Anna, o Jonas estava sacaneando a Clara mesmo. Mas não entendi o que vc quer dizer com post antigo.
Nunca me diverti tanto lendo um post e seus comentários. Mesmo aqueles mais ingênuos. Mas o ponto constrangedor, foi eu tentar ler “O ovo e a galinha” da Lispector. Não consegui ir adiante. Nem mesmo senti curiosidade. Parando de ler aquele conta, senti um alívio. O meu espanto ao (à?) Noga, por sua capacidade de sofrer.
Ainda bem que o tal ovo nada teve a ver com o post do Sérgio.
Se serve de algum consolo, nem a própria Clarice entendeu esse conto, conforme falou na única entrevista televisionada que deu, na TV Cultura. Está disponível no Youtube e é muto interessante.
Bernardo, agradeço o esclarecimento e me desculpo pela ignorância. Hum. Será que me identifico com um desses agentes do impossível? Preocupados com a verdade a ponto de abdicar da vida? Por achar que “a verdade deve ser corajosamente dita”? Fiquei impressionada com o conto. Não achei que fosse um enigma, Claudio, apenas um fluxo de consciência delirante, com uma dor subjacente irremediável, por estar conectada intrinsicamente à propria vida. Pobre Clarice. Até me distraí da literatura.
Não há de que, Noga.
Buenas, vamos ver: pelo que entendi, o texto é uma pequena ficção; nem o tal Nareba existe, nem a Bia. Porém – ai, porém! – eles são referências a figuras genéricos que de fato existem: o escritor não-compreendido e o editor irônico. É isso, Sérgio?
Como quiser, Avancini. Não tem bula.