Quando decidiu que seria escritora, Maria Cândida descobriu que, sem saber, já vinha se preparando nos últimos anos para aquele momento: estavam a postos o ouvido bisbilhoteiro, o olho clínico, aqueles surtos mórbidos de introspecção a cada café-da-manhã, o cabelo mais curto de um lado que do outro, os óculos de antiquário, as camisetas pretas puídas, o desapego a modismos e coisas materiais. Aí, como já tinha computador, foi só descolar um bom corretor ortográfico em versão pirata e espetar em sua parede de cortiça uma coleção de frases sobre a arte de escrever, com aquela genial da Dorothy Parker encabeçando a lista, e esperar. Quando a espera começou a se prolongar além do razoável, Maria Cândida acrescentou à sua escrivaninha um porta-lápis com o logo da Granta e um exemplar de The art of fiction, de John Gardner, que, mesmo sem saber inglês, passou a abrir em páginas aleatórias e folhear preguiçosamente sempre que ameaçava se impacientar. Depois comprou uma cadeira de escritório com ajuste de altura, um pôster comemorativo dos 50 anos de O encontro marcado, duas dúzias de lápis coloridos, uma coleção de cadernos de capa dura, uma luminária verde-água totally anos 50, uma caneca de chá com a carinha do Proust, um pequeno gravador digital para registrar inspirações súbitas e uma caneta-tinteiro de luxo. Maria Cândida gastou nessa brincadeira quase todas as suas economias, mas valeu a espera. Hoje me ligou, eufórica: acaba de escrever seu primeiro conto. Mal posso esperar para lê-lo.
17 Comentários
Eu também, eu também…
Eu não.
HAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHA
Cômico, muito cômico…
O trecho do Sabino é o melhor do texto.
eu quero um pôster comemorativo de O encontro marcado.
Ela também deve ter-se inscrito em pelo menos três oficinas literárias, além de passar a acompanhar meia dúzia de blogs e segundos cadernos.
Poucos fogem às regras.
Oficina literária? O que ser isso?
Acho que estão todos esperando o Todoprosa sair pelo IG pra participar mais ativamente… ah, já sei! Festa surpresa! Sérgio, na sexta-feira entre de olhos fechados. Vai ter multidão, bexigas, línguas de sogra, brigadeiro e quindim. Os indefectíveis tapinhas nas costas também, fazer o quê, né?
Sérgio,
Você poderia ter a bondade de me dizer qual é a frase genial da minha querida – Big Loira! – Dorothy Parker sobre a arte de escrever? Se algum dia eu a li, devo ter me esquecido…
P.s.: burrice da Maria Cândida comprar o livro do Gardner em inglês. Certamente gastou dinheiro desnecessariamente: há anos temos uma tradução nacional… 🙁 Além do mais, o livro do Raimundo Carrero sobre o mesmo assunto é infinitamente superior…
P.s.2: Estou hoje tão cheio de reticências…
Saint-Clair, a Dorothy Parker não tem uma grande frase sobre a arte de escrever. A Maria Cândida estava mal informada, a frase é da Virginia Woolf.
Tá, Sérgio, desculpa a ignorância do macaco aqui: qual é a frase da Woolf? A única coisa dela que conheço – e adoro – é Passeio ao farol. Tentei uma vez ler Orlando mas o achei mortalmente chato: preferi o filme, que tem a maravilhosa Tilda Swinton.
Meu ex (que chique: tenho um “ex”! Te mete!) me deu de presente o Mrs. Dollaway mas ainda não tive a chance de lê-lo. Preferi ler um romance do Stephen King no lugar. Romance, aliás, que o Tibor DETESTA. Pronto, falei! Morra assado nos Infernos, seu húngaro made in Sampa! rsrsrsrs
Ah, tá… leu Saco de ossos, né seu suino made in minas Gerais?
Há muito tempo… Inclusive te contei. Esqueceu? Problemas de idade, Tibor?
Nós tivemos inclusive uma discussão sobre se o livro é bom ou não. Eu gostei (mesmo concordando que não tem um pingo de terror nele), você detestou.
Lembrou agora?
Lembrei desde o início, mas foi uma ótima oportunidade pra te chamar de suino…rsrsrs
Pior pra você: eu gosto de porquinhos…
Muito bom, como sempre. É café-da-manhã.
Maria Cândida, coitadinha.
Seu dia vai chegar, como chegou o dia do Lula, …do Fidel… e de Maria de Jesus de Quarto de Despejo.
isso me lembra os filmes O deserto dos Tártaros e Fitzcarraldo que são tão chatos que doi.
Verdade, Alberto, obrigado.