A pergunta do título, que parece pairar no ar do mundo globalizado, foi feita pelo “Los Angeles Review of Books” a Mark McGurl, autor de um livro recente sobre a importância dos cursos universitários de “escrita criativa” para a literatura americana das últimas décadas, chamado The program era. Sua resposta, da qual transcrevo os trechos abaixo, não poderia deixar de ser uma defesa dos tais cursos, que nos EUA são o bode expiatório preferido dos que – numa atitude de “oportunismo desesperado”, segundo McGurl – apregoam a morte da literatura (o equivalente nacional seria a “profissionalização do escritor”, a “ciranda dos festivais” ou algo do gênero). Vale a pena ler a entrevista inteira, em inglês, aqui.
Ouve-se essa ideia no ar o tempo todo. Virou um truísmo entre pessoas culturalmente sofisticadas (…), que aconselham os que estão procurando por uma instigante “justaposição de narrativa pessoal com os fatos do mundo” a ouvir rádio ou ler livros de memórias em vez de perder tempo com uma obra contemporânea de ficção literária. A não-ficção lida com “algo real no mundo”, enquanto a ficção contemporânea tem a ver com – o quê? Com quase nada, conclui-se, uma vez que “algo real no mundo” é uma categoria bastante ampla. Além do mais, ficções são indiscutivelmente ficcionais.
(…) Eu creio que o que se passa com essas acusações de mediocridade feitas à ficção contemporânea é uma espécie de luto não assumido. O que se chora não é o desaparecimento dos bons romances novos, dos quais ainda há muitos – dos quais talvez haja mais do que nunca – mas a morte de uma cultura em que o romance era mais central do que é hoje, quando ele precisa competir por nossa atenção com tantas outras formas de contar histórias, com o cinema, com a TV e agora também com aquela grande sugadora de tempo, a internet. Pode ser que essas novas mídias, em sintonia com o avanço da tecnologia em todas as frentes, estejam mais bem equipadas (literalmente) para ser testemunhas das características essenciais de nosso momento histórico. O erro – mas o luto é frequentemente irracional – é culpar os romancistas por esse estado de coisas, como se houvesse algo que eles pudessem ou devessem ter feito para impedir que ‘The Wire’ fosse tão incrivelmente bom.
Eu acrescentaria que a festejadíssima série televisiva The Wire, da HBO, teve entre seus autores escritores consagrados de literatura policial como George Pelecanos, Richard Price e Dennis Lehane. Será razoável supor que, ao mudar de meio (para faturar uns trocados a mais, como admitiu Price), eles passaram milagrosamente de medíocres a gênios?
4 Comentários
Sérgio, vou ler a entrevista na íntegra. Sinceramente, considero que as pessoas que vivem anunciando a morte da literatura ou que nada de relevante é escrito atualmente, não devem ler muito do que é lançado. Eles leem um ou dois livros e generalizam o resto. Acabei de ler A Visit from the Goon Squad e considerei excelente. Também gostei muito do Freedom, que você tem muitas reservas. A própria literatura brasileira anda muito bem das pernas. A verdade é que prefiro ler a ficção contemporânea aos chatos que apregoam a sua irrelevância. Como um grande fã de seriados como The Sopranos, Six Feet Under, Oz, The Wire e Breaking Bad, para citar alguns, não acho que o meio seja muito superior à prosa contemporânea, uma vez que as séries melhoraram exatamente por adotar um tratamento mais “literário”. O que para mim fica evidente é que os melhores roteiristas hoje estão na tv e não mais no cinema (uma vez que os estúdios estão a cada dia mais infantilizados e pouco ousados). Sem contar que a literatura e o cinema há muito tiveram as suas obras definitivas, que até hoje influenciam os seus sucessores, enquanto as séries estão vivendo, do final da década de 1990 para cá, a sua era de ouro.
Sobre os MFA’s tendo a achar que são antes de tudo um ótimo negócio, mas não creio que façam mal, paga o preço quem pode, nesse sentido não deixam de ser elitistas, né? De minha parte sou entusiasta dos livros norte americanos sobre escrita (os “how to”) – até porque é o que está ao meu alcance enquanto cumpro meu turno “working at the register”. Ainda não teorizei sobre o assunto, leio porque gosto e lerei enquanto me ensinarem algo.
Saindo dos anglo-saxões, como diagnosticar mediocridade num mundo que tem um Muñoz Molina e seu monumental Sefarad? Monumental, nem por isso pesado, muito menos chato e soporífero, muito menos politicamente correto, já que atira contra todos os totalitarismos. E o texto é impecável, o estilo inimitável. Se um Miguel de Souza Tavares escrevesse bem assim, a mídia em língua portuguesa não deixaria de louva-lo full time, por exemplo…somos provincianos d+, né?
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