A mesa “Chá pós-colonial” reuniu hoje à tarde dois escritores britânicos assumidamente desenraizados: Pauline Melville, nascida na Guiana, e William Boyd, nascido na África (no que mais tarde seria Gana), concordaram sobre o valor que tem para quem faz literatura a sensação de não pertencer a lugar nenhum. “Quando me perguntam de onde eu sou, dá vontade de responder: ‘Bem, de quanto tempo você dispõe’?”, disse Boyd, autor de “Tempestades comuns”. “Meus pais são escoceses, nasci na África, morei na França, não me sinto inglês. Isso é uma benção para um escritor, porque você olha para o mundo com mais distanciamento, mais curiosidade e talvez com mais desconfiança também.”
Além disso, o elogio do humor e da sátira como ingredientes legítimos e desejáveis na receita da chamada literatura séria contribuiu para aproximar os dois autores. Mesmo assim, a mesa transcorreu morna – para o que certamente contribuiu o fato de ambos serem pouco conhecidos do leitor brasileiro – até Pauline, ex-atriz e autora de “A história do ventríloquo”, contar, a pedido do mediador Ángel Gurria-Quintana, o episódio real em que foi atacada por um psicopata em sua casa, em Londres, passando cerca de três horas de mãos amarradas e sob ameaça de morte até conseguir, a uma distração do invasor, se jogar pela janela. “Me rendeu um bom conto”, disse.
Boyd mencionou a classificação do gênero conto em sete categorias, feita por ele certa vez num ensaio e “nunca contestada”, e no fim, provocado por um leitor, foi obrigado a enumerar os sete pontos. Mas só se lembrou de seis:
1. “Clássico: é o conto com começo, meio e desfecho amarradinho. Fora de moda.”
2. “Tchecoviano: livra-se do enredo e espelha o aleatório, o inconclusivo da vida.”
3. “Poético: pouco praticado, é quase um poema em prosa.”
4. “Modernista: praticado por Hemingway, é o conto sucinto e oblíquo, em que você tem que procurar o sentido abaixo da superficie.”
5. “Biográfico: aquele em que se pega uma passagem da vida de alguém e se insere ali um pouco de ficção.”
6. “Filosófico: o que fazia Borges, e talvez Kafka também.”
Boyd ressalvou que os contos frequentemente são misturas de duas ou mais categorias, o que torna a ideia toda um pouco menos esquisita.
2 Comentários
William Boyd é desconhecido do leitor brasileiro porque A) o leitor brasileiro não deve ler e B) o leitor brasileiro é desinformado às raias do constrangedor.
O destino de Nathalie e outras histórias X é um dos melhores livros de contos que já li em toda a minha vida – e olha que já li MUITOS livros de contos, já que esse gênero é o meu preferido.
Corrigindo o título do livro do Boyd: O destino de Nathalie X e outras histórias.
A Veja precisa urgentemente permitir a edição dos comentários… ¬¬