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A incrível história da ‘História de O’

22/08/2006

“História de O”, romance publicado em 1954 com a assinatura de Pauline Réage, costuma ser considerado um dos maiores clássicos da literatura erótica de todos os tempos, e talvez a única obra do século XX a levar o tema às alturas – ou profundezas? – atingidas pelo Marquês de Sade. Conta a história da submissão voluntária de O a seu amante, num crescendo de provas psicológicas e castigos físicos que ela encara – eis o escândalo – cada vez mais feliz e realizada. Sim, o livro pode ser lido como um poderoso libelo antifeminista, embora, convenhamos, isso o empobreça terrivelmente.

Tendo lido “História de O” já faz uns vinte anos, posso garantir que não é fácil apagar da memória algumas de suas imagens, como a que encerra o livro: a linda O, nua e com uma enorme máscara de coruja, finalmente despersonalizada, endeusada, cercada de homens devotos numa festa. Estranhíssimo. Deve-se reconhecer que essa insistência em permanecer na memória é mais do que se encontra na maior parte da literatura, erótica ou não.

A verdadeira identidade da autora de “História de O” foi um grande mistério literário na França durante quarenta anos. Albert Camus chegou a garantir que o livro era obra de um homem, pois “uma mulher não poderia escrevê-lo”. Errou feio. O furo espetacular foi publicado pelo jornalista inglês John de St Jorre na revista “The New Yorker” em 1994: por trás de Pauline se escondia uma editora francesa chamada Dominique Aury, que escreveu o livro como uma espécie de Sherazade, enviando capítulo por capítulo a seu amante da época, o famoso editor Jean Paulhan, da revista literária La Nouvelle Revue Française, a fim de mantê-lo interessado na relação. Deu certo. O caso deles durou vinte anos.

O jogo de espelhos vai mais longe. Dominique também era um pseudônimo, um nome profissional – na certidão de nascimento ela era Anne Declos. Tinha 86 anos quando abriu o jogo para a “New Yorker”. Morreu menos de quatro anos depois. Foi tempo suficiente, porém, para contar sua história diante das câmeras da cineasta americana Pola Rapaport. E aí chegamos finalmente ao motivo desta nota: anunciar que o documentário de longa-metragem Écrivain d’O (“Escritora de O”), registro detalhado e cheio de depoimentos dessa história toda, acaba de sair em DVD no mercado internacional – veja aqui.

Tem requintes como este: Dominique conta a certa altura que a protagonista foi inspirada em sua amiga Odile, na época namorada de… Albert Camus, pois é. O mesmo que apostou todas as fichas na autoria masculina do livro.

Vale a pena dar uma olhada também na boa resenha (em inglês) sobre o filme publicada pela bailarina Toni Bentley, autora do recente “A entrega – Memórias eróticas” (Objetiva) – uma apaixonada e quase religiosa ode ao sexo anal. Tudo se encaixa, não? Ah, sim, “História de O” teve uma reedição recente e caprichada no Brasil: saiu ano passado pela Ediouro, com direito a prefácio de Jean Paulhan.

2 Comentários

  • Saint-Clair Stockler 22/08/2006em11:47

    Eu comecei a ler quando tinha uns 15 anos e parei. Achei o começo bobo… Talvez tenha sido a inexperiência. Quero pegar pra ler de novo.

  • Voltairine 22/08/2006em12:11

    Acho bom Saint- Clair. De bobo o livro nao tem nada.
    Camus era muito esperto Sergio eh bem provavel que ele ate soubesse quem era e fez isso pra desviaras atencoes.Nao creio que ele conhecesse tao pouco as mulheres.
    Agora, sinceramente, eu acho que a Historia de O, vai ate mais fundo que Sade, caminha por labirintos bem mais complexos, e sensacoes muito mais sofisticadas que o Marques, que frequentemente eh muito mais escatologico que erotico.
    Do Seculo XVIII prefiro Retif de La Bretagne