Hmm, not really. Fui um dos principais divulgadores do Bad Sex Award no Brasil desde 2008, quando publiquei o primeiro de diversos posts aqui no Todoprosa sobre o que me parecia uma brincadeira divertida – além de uma forma esperta de divulgar livros e, de quebra, pôr em debate sofisticadas questões de linguagem, o que funciona e o que não funciona na página e tal. Afinal, escrever sobre sexo apresenta mesmo desafios difíceis para qualquer escritor, certo? É por isso que me sinto obrigado a fazer agora um mea-culpa.
Sim, escrever sobre sexo não é fácil, mas a resposta que o BSA dá a tal dificuldade – no fim das contas, a da simples interdição, a do silêncio forçado pela intimidação do ridículo – é inaceitável. Isso não tem nada de divertido ou esperto e certamente não estimula o debate: é apenas um joguinho desonesto a serviço da autocensura, dos risinhos hipócritas de escândalo e, no fim das contas, de uma espécie de Código Hays literário não escrito.
Para quem não sabe, Hays Code é o nome popular de um código de conduta puritano adotado pelos estúdios de Hollywood em 1930, para que as produções não agredissem os “valores familiares” e coisa e tal. Será exagero comparar uma coisa com a outra? Claro que é, mas não muito. Basta ler no “Guardian” a sóbria cena finalista do australiano Richard Flanagan, vencedor do Booker, para constatar que a provocação perdeu o sentido – se é que um dia teve.
Em 2008, fui enganado direitinho. O prêmio do ano anterior tinha sido conferido postumamente ao americano Norman Mailer por uma cena de “O castelo na floresta” (Companhia das Letras, tradução de Pedro Maia Soares), romance sobre os anos de formação de Adolf Hitler. A tal cena me pareceu realmente tenebrosa:
Assim, Klara virou-se para os pés da cama, pôs sua parte mais indecente sobre o nariz e a boca ofegantes de Alois e tomou em seus lábios seu velho aríete de guerra. Titio estava tão mole quanto um rolo de excremento. Não obstante, ela o chupou com uma avidez que só poderia vir do Maligno – isso ela sabia. Era de lá que aquele impulso tinha de vir. Assim, ambos estavam agora com as cabeças no lado errado, e o Maligno estava ali. Jamais estivera tão perto.
O Sabujo começou a voltar à vida. Dentro de sua boca. Foi uma surpresa para ela. Alois estivera tão flácido. Mas, agora, era homem de novo! A seiva de Klara escorria de sua boca, ele virou-se e cingiu o rosto dela com toda a paixão de seus lábios e sua face, pronto finalmente para moê-la com seu Sabujo…
“Titio estava tão mole quanto um rolo de excremento” – uau! Existirá defesa para algo tão ruim? Sim, existe, e é uma defesa simples. O que o BSA faz, caçando trechos de prosa lamentável sobre sexo em livros de autores respeitáveis, é tirar do contexto o que não pode ser tirado do contexto. Assim como se dá com o sexo propriamente dito (e feito), no sexo escrito o clima também é tudo. Pinçar de qualquer obra um momento de intimidade entre personagens, apagar a informação de quem são eles e que história é aquela, para expô-lo à execração pública em troca de audiência não é apenas desonesto e puritano. É o fim da picada.
Em 2010, uma enfática declaração de Martin Amis sobre a impossibilidade – isso mesmo, a impossibilidade – de escrever boas cenas literárias de sexo fez o alarme soar para mim. Comecei a desconfiar que pudesse haver algo errado com a fixação inglesa nessa pauta, estimulada anualmente pelo BSA. Escrevi então um post – chamado “Quem não gosta de sexo na literatura gosta de sexo?” – em que citava certas boas cenas de Reinaldo Moraes, Marçal Aquino e Carola Saavedra e deixava uma dúvida no ar: “Se os ingleses vêm sendo levados a acreditar em dificuldades intransponíveis nesse campo, isso talvez seja um sintoma de que têm (sempre tiveram?) problemas na cama”.
Bingo! A prova de que muita gente percebeu isso é o artigo que um dos editores da “Literary Review”, Jonathan Beckman, publicou em 2011 no “Financial Times” em defesa do prêmio. Disse ele:
É fácil descartar [o BSA] como manifestação de uma atitude peculiarmente inglesa diante do sexo, ao mesmo tempo obcecada e puritana. No entanto, isso seria ignorar as formas mais sutis pelas quais o prêmio usa o sexo na literatura para demonstrar como as frases deveriam ser escritas e os parágrafos construídos, aquilo que os faz levantar voo e aquilo que os faz submergir.
Ou seja: além de obcecados e puritanos, marrentos e donos da verdade. Vocês eu não sei, mas o Bad Sex Award não me pega mais.
4 Comentários
Sérgio, acho que em todos esses anos lendo o Todoprosa nunca discordei tanto. Li os concorrentes do BSA e penso que a seleção de trechos continua muito boa (ou muito ruim, sei lá). Já imagino pedras voando em minha direção, mas a verdade é que acho muito válido o humor que nasce da execração pública (o tão falado bullying). O genial Aristófanes já fazia isso há mais de 2000 anos. Sempre me lembro de um trecho da entrevista do irreverente P.G. Wodehouse à Paris Review (http://www.theparisreview.org/interviews/3773/the-art-of-fiction-no-60-p-g-wodehouse):
INTERVIEWER: I think the closest you have come to sex in your novels is a kiss on the cheek. Have you ever been tempted to put anything spicier into them?
WODEHOUSE: No. No, I don’t think the framework of the novel would stand it. Sex, of course, can be awfully funny, but you have to know how to handle it. And I don’t think I can handle it properly.
Prefiro parágrafos que me façam alçar voo. Preferência atávica, pelo que entendi no desfecho do nobre articulista.
Quanto à frase de Nelson Rodrigues, concordo e discordo ao mesmo tempo, afinal, nao há poesia na verdade crua, hehehe, o Sabujo que o diga.
Realmente, isso lembra o “No Sex Please, We’re British”, comédia teatral de 1971 com estrondoso sucesso, fortemente atacada pela crítica. Em 1973, idem para a versão em cinema. Não vi, só li resenhas na imprensa na altura, ambas versões têm entradas na Wikipedia. O caso talvez possa ser o marco na mudança recente de tratamento do sexo principalmente nos ‘media’, tão circunspectos antes, na Grã-Bretanha. Depois, a questão é que o sexo tem mercado e os ingleses são sensíveis a isso.
Boa tarde, Sergio! Achei interessante o texto. Trechos de “O castelo na floresta” nos remete a linguagem poética juntamente com a informal nas narrativas eróticas.