Tenho o prazer de informar que os leitores deste blog se desincumbiram gloriosamente mal da tarefa de adivinhar o sexo dos escritores a partir de pequenos trechos de sua prosa, na brincadeira proposta aqui sexta-feira passada. Naturalmente, era essa mesmo a ideia: demonstrar a estupidez de uma declaração de VS Naipaul sobre o suposto abismo (de qualidade, ainda por cima) que separa homens e mulheres na hora de escrever.
Num universo de 293 participantes, a resposta certa – “mulher, homem, homem, mulher” – foi apenas a quarta mais votada, com 14% das preferências. Mais interessante do que isso foi o fato de a resposta campeã, que levou 33% dos votos, ter sido “homem, mulher, mulher, homem”, que é simplesmente a mais errada de todas – o negativo perfeito da correta.
O resultado completo ficou assim:
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Vamos aos autores:
O trecho 1 foi extraído do bom romance “Esperando Zilanda”, da autora estreante Tamara Sender.
O 2 é a abertura do conto O rapaz mais triste do mundo, do livro “Os dragões não conhecem o paraíso”, de Caio Fernando Abreu.
O 3 saiu do romance “Olhos secos”, de Bernardo Ajzenberg.
O 4 faz parte do romance “As pernas de Úrsula e outras possibilidades”, de Claudia Tajes.
Sim, é claro que os trechos selecionados continham pegadinhas. Caio Fernando talvez possa ser considerado, por quem gosta desse tipo de rótulo, o maior nome de uma estética homossexual em nossa literatura – o que o aproximaria, quem sabe, de uma certa “dicção sensível” normalmente identificada com o feminino. E o narrador de Claudia Tajes é um homem.
Nada disso invalida o teste. Pelo contrário, fica demonstrado, a meu ver, que tentar reduzir a variedade das vozes literárias a esqueminhas XX/XY não passa de idiotice. A tese naipaulicialesca tem como premissa a inutilidade de qualquer tentativa de fugir do determinismo de gênero, o que levaria Caio Fernando a soar inquestionavalmente viril e Claudia Tajes, inapelavelmente mulherzinha, por mais que eles tentassem evitar estereótipos.
Os 42 leitores que acertaram estão de parabéns. Os 251 que erraram, mais ainda.
6 Comentários
Sérgio,
acertei meus quatro chutes. Será que estão precisando alguém para cobrança de penaltis, por aí? Cobro baratinho.
parabéns pra mim que escohi a resposta mais errada de todas! hehe XD
Sérgio, fui um dos 42 leitores que acertaram. Se não for muito incômodo, peço-lhe remontar o teste; fiquei bastante intrigado pelas nuances que distingui nos textos. Longe de avaliar sua qualidade, mas talvez homens e mulheres pensem e, portanto, escrevam diferentemente…
Oi Sérgio,
Errei na primeira e terceira opcoes. Folgo em saber que na primeira levei pau. No conto ‘O rapaz mais triste do mundo’, o autor, que nao conheco, estava deprimido; né? A última opcao é muito feminina “Evidentemente, o jornal do jornal do MEU pai…” ou “Meu avô entrou em cena…” Coisa de mulher saudosa dos tempos de princesa. Gostei da brincadeira. Abs.
no teste do guardian eu acertei 9 de 10. já aqui… fui um dos 251 que erraram. ahaha
mas foi divertido. descobri teu blog por esses dias e adorei. sempre que estou on line dou uma passada nele para ler coisas do arquivo.
abraço.
Recentemente o blog português de Jaime Feitosa, “Pó dos Livros,” noticiou uma discussão tendo lugar por lá. O assunto era o mesmo de sua enquete, apenas com uma diferença: porque o número de edições de livros escritos por mulheres mostra ser muito menor se comparado com o dos homens? Alguém chegou mesmo a chamar atenção para o que considerava um fato: os compradores de livros são majoritariamente mulheres, mas os livros que elas compram são escritos por homens. A discussão não era de caráter estético, mas econômico. E talvez esta seja uma perspectiva mais realista… ou pragmática. Seria interessante ver como são estas coisas no Brasil.