De todos os itens do baú de David Foster Wallace que vêm surgindo, em número proporcional ao crescimento do culto ao escritor americano que se suicidou em 2008, um dos que considero mais interessantes é também um dos mais modestos: o programa de um curso de “análise literária” (na reprodução ao lado, a primeira página) que ele ministrou na universidade de Illinois em 1994.
O programa é comentado (aqui, em inglês) pelo site Open Culture e está disponível na íntegra para consulta online (aqui), ao lado de outros documentos do professor DFW, graças a uma iniciativa da Universidade do Texas em Austin.
O que mais chama a atenção no programa (conhecido em inglês pelo nome latino syllabus, como ocorre também em Portugal) é a lista de livros de ficção que DFW decidiu analisar com os alunos: de Mary Higgins Clark a Jackie Collins, de Stephen King a James Ellroy, de C.S. Lewis a Thomas Harris, todos os autores podem ser arquivados na mesma estante – uns em prateleiras mais elevadas, outros ao rés do chão – daquilo que a maior parte dos críticos universitários costuma chamar com desprezo de “literatura comercial”.
Considerando-se que o próprio DFW favorecia em sua produção como escritor uma literatura mais exigente e esteticamente ambiciosa do que a média dos autores que selecionou para estudar no curso – voltado, em suas próprias palavras, para a leitura “mais profunda” de ficção – cabe a pergunta: o que pretendia com isso?
Ele mesmo responde num trecho do programa, em forma de advertência ao estudante que decidisse se inscrever no curso, revelando uma sabedoria infelizmente pouco usual num meio em que ainda é comum ver noções simplistas e pré-fabricadas de alta e baixa cultura tomando o lugar do pensamento crítico:
Não deixe que as possíveis características de leveza dos textos o enganem, levando-o a pensar que o curso será do tipo que se leva na flauta. Esses textos “populares” acabarão se provando mais difíceis de analisar e ler criticamente do que obras mais convencionalmente “literárias”.
14 Comentários
Hum… C.S. Lewis ficaria em prateleira mais elevada ou ao rés do chão, pergunto ( sem interrogação no teclado aqui) –
Agora vou no tradutor do google, para depois vir comentar. Esse meu inglês de “ai dont révi”, é um problema, e o google não ajuda em nada. E eu “incesto” mas não “disesto”.
A sabedoria de DFW, professor de literatura - O Camponês
Veja só, si mininu, vou ter que fazer uma viagem para o Texas (e apresentar algumas credenciais acadêmicas) para acessar a maior parte do arquivo… hum… o homem enaltece o simples, mas fecha a porta…
Eu hein…https://www.youtube.com/watch?v=VB-gmmrPyc8
Em tempo! Esses críticos universitários que costuma chamar com desprezo de “literatura comercial” a literatura daqueles literatos que você listou ainda vão se deixar vender… Cê vai ver só. E não digam que não avisei.
Mais difícil de analisar? Sei. Isso está me cheirando àqueles estudos críticos que quase salvam as obras as quais analisam. DFW: WTF?
Até consigo ver DFW e seus alunos debruçados na tarefa árdua de procurar chifres na cabeça de cavalos, asas em camundongos ou coisa que o valha. Balela!
O Cláudio se reporta ‘a quê mesmo( interrogação)
Do que eu me lembro os cursos que o DFW dava era de escrita criativa, e a análise que ele fazia era formal, do tipo “diálogo, narrador, etc”. E para isto, qualquer texto narrativo serve, depende só do talento de quem analisa.
Breno, o curso em questão (olha lá no programa) é de “Literary Analysis I”. Quanto a qualquer texto servir, há controvérsias.
Sempre achei que o tempo gasto com a literatura barata pode ser altamente recompensador para quem souber colher os frutos que lhe são oferecidos. Se tantas pessoas compra e lêem um determinado livro, é claro que ele tem certas virtudes, queiram ou não os detratores da literatura comercial. Mesmo o execrável Paulo Coelho, guia indispensável para quem pretende compreender a pobreza espiritual desta nossa época, em que a satisfação imediata e a banalidade dos sentimentos são o traço dominante.
Vale
Inteligente o comentário do Rafael.
Morro de rir com a propaganda da Ford aqui ao lado. Propaganda tem que ser assim, muito mais que um anuncio… rsrs
Há uma nota no livro “Cálculo com Geometria Analítica”, de George F. Simmons, na qual é contada a seguinte anedota: “A disposição de Leibniz de ler quase tudo levou Fontenelle a dizer que ele tinha que o filósofo tinha a honra de ter lido uma multidão de livros ruins. No entanto, como o próprio Leibniz colocou, ‘quando um livro novo chegava até mim, eu procurava o que podia aprender, não o que podia criticar'”.
Gostei da notinha do Onofre. Se até um livro ruim, ensina, o que seria , na verdade, um livro ruim… Para mim, por exemplo, um livro é ruim quando tem pornografia. Não gosto. Não tiro nenhuma lição.Pode ser o romance mais renomado.
Onofre e Rafael têm razão. Tive um professor de Português no Colégio Militar do Rio de janeiro (o saudoso Coronel José Ramos da Silva Neto) segundo o qual nenhum livro é completamente ruim. Ele dava um exemplo, “Devassidão Romana”, sobre as muitas orgias na Roma dos césares e completava: “foi o único livro que me fez decorar os nomes dos doze césares.” Uma observação ao Onofre: George F. Simmons é um expositor primoroso. Seu livro de Equações Diferenciais é uma obra-prima.