A princípio, acho que para tentar encontrar seu caminho nas letras você procura um modelo. E eu elegi quatro ou cinco que significaram muito para mim em meus anos de formação. Mas depois que está formado, então você lê basicamente à procura de coisas tão admiráveis que gostaria de ter feito você mesmo, e não está acima de, quem sabe, roubá-las, se conseguir achar um bom lugar para escondê-las. (…) Os jovens me perguntam sobre como se tornar escritores, mas eles na verdade não leram nada, nem mesmo coisas ruins. Nunca tiveram a experiência da leitura como felicidade. Ora, sem algum conhecimento sobre o que outros escritores fizeram, é muito difícil encontrar seu próprio caminho, eu acho. Suponho que todos sejamos ladrões.
Nesta entrevista até agora inédita (em inglês, acesso gratuito), concedida a Lila Azam Zanganeh em 2006, John Updike fala com a sabedoria habitual sobre seu processo criativo, as relações entre arte e política e a diferença entre jornalismo e literatura, duas áreas em que foi igualmente prolífico. Mas fala sobretudo, por insistência da entrevistadora, de sua admiração por Vladimir Nabokov, que idiossincraticamente considera um escritor devotado à felicidade e ao prazer de viver. Quando Updike fala, a gente faz silêncio e ouve:
Escrever é tentar ao máximo fazer duas coisas, segundo meu modo de ver. Uma é entreter. Qualquer página de boa prosa tem algo da qualidade de um poema. É interessante em si mesma, ainda que você não saiba bem o que está lendo ou não conheça a história. Tem uma espécie de dinamismo abstrato. Mas a escrita é também um meio de dar ao leitor imagens, história, e nesse sentido ela deve ser mais ou menos invisível. Acho que sou um pouco mais invisível que Nabokov. Mas a beleza, a comédia e, frequentemente, a pungência de sua prosa são coisas que eu fico feliz de imitar, quando sou capaz.
9 Comentários
Discordo um pouco de Updike no quesito ladrão. De resto, sinceramente, fui e sou um pouco como a imagem que ele pinta de um escritor, ou pseudo escritor não publicado, no que tange às influências, a tal da “angústia da influência, de Bloon, se não estou enganado.
No entanto, essa coisa de banalizar, naturalizar, as apropriações indébitas não são nada gostosas de se ouvir, mesmo se tratando, talvez, de uma imagem, de uma apropriação, talvez, de um ideia para expressar um conceito de um outro, uma frase, um modo de escrever sobre determinada coisa . De resto, acho bastante vulgar essa ideia. Sempre faço tudo para escrever olhando para mim mesmo, minhas experiências, minhas imagens, meus fantasmas. Quando vem alguma coisa que eu identifico de falso, de imitação, de “macaqueação”, largo a caneta na hora – aí nem vai para o computador. No meio do caminho chutei a pedra para longe, na cabeça de um pato…
Não existe “nossa” (minha, tua) literatura, no sentido restritivo de ” experiências e vivências próprias, transcritas com nossa própria alma ao papel”. O que existe é um amálgama de experiências literárias vividas por inúmeros autores e dos quais bebemos na fonte. Somos o resultado disso tudo, dessa sopa primordial. Então o que escrevo não é inteiramente meu, mas de muitos.
Está aí um escritor do qual nada conheço nem sua obra nunca me despertou algum interesse. Alguma sugestão? É meio óbvio o que ele falou; impossível – IMPOSSÍVEL – querer meter-se a escrever sem saber o que de bom já foi feito, isto é, sem ter lido uma dúzia dos grandes, pelo menos; e os ruins e desprezíveis, também é bom deparar-se com alguns deles – justamente para saber o que não presta, o que não vale a pena. Axiomas literários…
Abraços.
Ô Sérgio, hoje fui a um sebo, fui buscar certo livro, encontrei o seu
Caramba, isso ficou realmente engraçado (eu ter esquecido de terminar o período). Agora vai ficar assim; imprimi-los-ei esse enigma; ninguém nunca vai saber o desfecho; e o que foi uma simples distração, pode ser julgado como um rasgo estilístico.
Concordo com Tibor. É isso mesmo, somos resultado de experiências de várias leituras. ShoW. E lindo isso: “o que escrevo não é inteiramente meu, mas de muitos.” Vou colocar no meu blogue, pois quero honrar os escritores todos aos quais meus olhos se submeteram.
E não adianta! A escrita de cada um é como impressão digital. Parece tudo igual, mas tem significativas diferenças.E cada um com seu tok .
Tibor, se fosse tão idílico como você propõe, não teria nem aquela literatura chamada autocentrada, baseada em experiências pessoais, um tipo de literatura que fez Hemingway, por exemplo.
Evidentemente que não quis me referir a ele, embora já tenha me espelhado muito na literatura que ele fazia, mas agora há tanta gente nova, interessante, que reescreveu o que ele fez, Vila-Matas, por exemplo, esse primor, que hoje eu olho para o Updike e não deixo de concordar um pouco com o Sérgio: John Updike é ótimo, até com os bichos!
“Nunca tiveram a experiência da leitura como felicidade.” Pra mim, esse é o ponto. O resto sai na urina.
“Mas a escrita é também um meio de dar ao leitor imagens, história, e nesse sentido ela deve ser mais ou menos invisível.”
Os melhores autores tem realmente essa capacidade de pintar quadros e cenas na nossa imaginação, sem luta com palavras ou incompreensões, a “escrita invisível” é uma grande arte..