Revi dia desses, graças ao Torrent, depois de um quarto de século, um dos episódios que mais tinham me marcado na velha e brilhante série americana de TV Twilight Zone (“Além da Imaginação”) – uma paixão que compartilho com Molina, protagonista de meu último livro. O filmete de meia hora se intitula Time enough at last e conta a história de um caixa de banco chamado Henry Bemis, uma caricatura de rato de livraria com seus óculos fundo-de-garrafa e seu jeito de perfeito bundão. Bemis não quer nada desta vida além de ler, ler, ler, mas habita um mundo de antiintelectualismo exponencial, filisteu até a raiz e violentamente hostil ao seu prazer – basta dizer que sua mulher, que o trata como o maior dos fracassados, o proíbe de ler em casa.
Para encurtar a história, o episódio acaba com Bemis sobrevivendo sozinho ao holocausto nuclear e se vendo, enfim, com tempo e calma para devorar todas as letrinhas do mundo. Pena que, antes de abrir o primeiro volume, seus megaóculos se espatifem no chão, deixando-o para sempre cegueta entre as infinitas pilhas de livros.
Bom, o reencontro com a história deu naquilo que costuma ocorrer nesses casos: enxerguei defeitos aos montes no filminho, que não me proporcionou mais que uma vaga sombra do prazer que tive no início dos anos 80 (quando ele já era velho de mais de vinte anos), ao descobri-lo na sessão coruja da TV Record. Mas isso não vem ao caso. O que quero comentar é uma revelação nova, uma associação poderosa que Bemis me despertou desta vez, embora, curiosamente, não me lembre de ter pensado nisso na época em que travei conhecimento com ele.
A revelação é que eu conheço aquele mundo de antiintelectualismo exponencial, filisteu até a raiz e violentamente hostil ao prazer de ler! Lembro-me de ter vivido nele durante algum tempo em minha adolescência. Como Bemis, houve momentos em que li às escondidas, envergonhado, malocando volumes pelos cantos. Havia uma atmosfera difusa onde a leitura figurava no mínimo como perda de tempo e no máximo como um vício deformador do caráter – a não ser, talvez, para moçoilas suspirosas.
Do lugar onde estou hoje, entre estantes abarrotadas e fazendo dos livros um ganha-pão, isso parece irreal. Tão irreal que precisei da ajuda de Henry Bemis para desenterrar essa memória. Mas sei que aquela atmosfera existiu, certamente ainda existe em nosso país. Depois disso, confesso que fiquei um pouco mais pessimista quanto aos papos de despertar nos jovens o gosto pela leitura e coisa e tal.
18 Comentários
Prezado Sérgio,
Mas é claro que este ambiente antiintelectual ainda existe, e é extremamente difuso no País. Basta notar que literatura é algo marginal na vida da maioria das pessoas. Ler um romance hoje em dia chega a ser um ato de extrema bravura, só mesmo para aqueles que enxergam no livro uma porta de saída deste ambiente de vulgariade que se convencionou chamar de realidade.
Sérgio, eu passei por isso durante a adolescência inteira, nos anos 80. Para a maioria dos amigos do colégio, ler (e eu nunca fui uma moçoila suspirosa) era coisa de nerd, de CDF, de gente que não “aproveitava” a vida. Mas agora me ocorreu: será que não era porque isso – a leitura – estava muito associada à obrigação dos livros impostos pelo colégio (e que, como já foi discutido aqui, eram muitas vezes inadequados para a idade)? Bjs
pessoas que, ao te verem ler um livro de ficção, te dizem “que legal, você continua estudando, sempre”, com aquele ar de apoio por nos dedicarmos a tarefa tão odiosa. pessas que acham que “romance” é um relacionamento entre duas pessoas ou um livro meloso. agh.
É pos-sí-vel incentivar a leitura entre os jovens. Mesmo dentro de um ambiente anti-intelectual. É pos-sí-vel… vou repetir isso incansavelmente como um mantra. Até que todos os jovens estejam com livros nas mãos. Lendo, não matando moscas.
Taí uma observação interessante: confesso que, no colégio (hoje, chamam-no ensino médio), meus hábitos de leitura (menos extravagantes que os atuais) eram vistos com desconfiança, com assombro e, não raro, com escárnio. Na faculdade de direito, não: muitos liam, passeavam com seus livros debaixo do braço, exibindo-se com ares de superioridade intelectual perante aquelas garotas de óculos, geralmente não muito bonitas, mas donas de longas pernas, seios abundantes e, principalmente, de uma expressão caracteristicamente safada.
Não posso dizer que vivi num ambiente de anti-intelectualista. Mas, até hoje, ouço com certa freqüência alguém comentando sua surpresa ao descobrir que se pode ler por prazer e não por obrigação.
Grande! ‘Twilight Zone’ é kick-asses mesmo. Esse episódio, uma trágica fábula moderna sobre afeição à leitura, foi eleito um dos momentos mais marcantes de toda a história da TV norte-americana. Aqui: http://www.tvland.com/originals/100moments/page4.jhtml
Eu vivia num ambiente assim… perái, ainda vivo.
Aqui no trabalho já tiveram a audácia de me perguntar que prazer eu tenho em ler e eu respondi que é o mesmo prazer que muitos têm em serem idiotas.
E tem, claro aquela histório do gosta e da vontade de conhecer outros mundos, outras histórias e se sentir bem com isso.
O lance do gosto é igual braço, há pessoas que nascem sem nenhum…
A propósito, é muito bom ver a palavra torrent sendo usada como algo positivo.
Acho que não há, hoje, algo que não circule pelas redes de torrent.
Já tenho Thundercats, Galaxy Rangers, GI Joe, Transformers e um monte de coisas dos anos 80 que fizeram a alegria de minha Infancia…
Minha solidariedade com sua angústia, prezado Sérgio Rodrigues.
Minha contribuição à sua reflexão.
1 – Os ignorantes louvam entre si a falta de cultura; batem palmas para a preguiça de estudar.
2 – A causa mais comum de ignorância é o desconhecimento do prazer de ler. Tão importante é a leitura para a formação cultural que Dietrich Schwanitz aconselha a quem não tem o hábito de ler que o exercite de forma seletiva, escolhendo assuntos pelos quais tenha especial interesse. Ainda que sejam romances eróticos – sugere.
3 – Pretender se expressar de forma clara e eficiente por escrito sem ler é tão absurdo quanto pretender cantar bem sem… Bem, sem cantar.
P. S. Faz parte de uma “obra em progresso”, como dizia Joyce.
A coisa é muito pior: não desprezam quem lê; são totalmente indiferentes ao livro. Passam na frente da livraria e não entram; andam horas de trem, ônibus e metrô “a seco”, sem o azeite de qualçquer leitura, nem que fosse Paulo Coelho; não presenteiam com livros nem recebem livros como presente; não comentam livros nas conversas de botequim (afinal, não lêem), mas suas veias vibram ao comentar a novela da globo ou o último big brother. É mermão, tamo fodido: leitores no Brasil, somos como o nerd na terra devastada (pelo menos, temos óculos…).
Sérgio, confesso que não sinto falta de não ter sido um aficionado da leitura na infância e adolescência, – exceto as necessárias do currículo escolar – pois vivi o melhor dos folguedos e estripulias de ambas as épocas.
Hoje, na maioridade e chegando na chamada boa idade, tenho toda liberdade de ler quem eu quero, quando quero e como quero, sem que tenham pessoas me censurando pelo que estou fazendo. Vejo a leitura como um prazer, concordo, mas um prazer como quem diz: hoje eu vou transar com fulana ou fulano, ou mesmo quando vou comer uma feijoada com os amigos da época do colégio, ou quando decido ir visitar uma tia que não vejo há muito anos e que me ajudou a entender a vida nua e crua, ou até mesmo quando vou comprar um bom vinho, decidido a convidar um grande amigo ou amiga pra dividi-lo comigo ouvindo um jazz, ou Mpb, ou quem sabe até mesmo uma boa salsa cubana. Assim é como eu vejo ler um livro. Um prazer sem obrigações.
Sei lá… Muitas vezes penso que o anti-intelectualismo, mesmo num país como o nosso, apinhado de analfabetos — ou analfabetos funcionais, como queria o intectualísmo e semi-morto FHC — não é tão forte como a gente imagina.
Por um tempo fui free lancer na Faculdade de Educação da UFMG, e o que as pesquisas de lá mostravam com dados abundantes, era que o hábito de leitura e a familiaridade com os livors são vistos como ouro, alvo de adimiração, mesmo por quem tem quase nada de familiaridade com o assunto.
Mesmo sem ler, as pessoas querem que seu filhos leiam… e olham adimiradas — e tb com um certo estranhamento, é verdade — pra quem faz dos livros companheiros de sempre.
La em casa era assim. Meu pai nunca leu nada além de jornal, mas lembro que desde de pequeno me dava todo os livros que eu queria. E os comprava contado pra todo mundo, tanto na livraria quanro no boteco: isto aqui, foi meu filho quem pediu.
Pense num professor e todas as dores que essa palavra pode carregar ( por acrônimo ou além) e seu desejo primordial ( sua escolha pela faculcade de letras foi essa ) pela leitura (embora exceção) e sua impossibilidade ante elaboração e correçãp de centenas de provas ( os alunos não estudam, mas querem a nota!).
Sempe que abro um livro pra ler numa praça, no metrô, na fila do banco, enfim, em público, sinto-me um estranho no ninho. Sinto olhares de estranheza dirigidos a mim, como se estivesse fazendo algo proibido.É triste isso. E chato, muito chato. “Brasileiro não entra em livraria nem pra se proteger da chuva”.
O que é a Internet, senão um grande livro?
Autores, leitores e personagens se confundem, on line…
Cabe ao CONTEÚDO melhorar, se possível, cada vez mais e mais…Mas que a escrita e al leitura virtuais estão quentes, lá isso elas estão…
Epa…Isso está acontecendo nesse exato momentooooooo!
Isso é puro “Além da Imaginaçãããããããããããããããããããããão”…
Muriaé, cidade triste – já dizia o Luiz Ruffato.
Luiz Rufato, escritor triste – já dizia Muriaé.
Eu só não entendi porque agradecer ao Bill Gates… Ele certamente não foi um dos disseminadores da internet, com a qual até hoje a Micro$oft ainda não aprendeu a ganhar dinheiro… Bom, talvez por ter popularizado o computador com interface gráfica pra qualquer mané conseguir usar o bicho… e enfim… acessar a internet… hehehe