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Antropofagia

14/02/2009

A palavra antropofagia, que andou no noticiário esta semana, chegou ao português no século 19, por influência do francês, mas o membro mais antigo da família, antropófago, estreou em nossa língua em 1537. Foi o ano em que, com a grafia antropophago, ele apareceu na tradução que o matemático português Pedro Nunes publicou do clássico medieval “Tratado da Esfera” (Tractatus de Sphaera), do astrônomo Johannes de Sacrobosco.

É curioso pensar que, apenas onze anos depois do nascimento oficial da palavra em nosso idioma, desembarcou no país para uma estada infernal o mercenário alemão Hans Staden. Capturado pelos tupinambás, povo antropófago, Staden viveu meses como prisioneiro deles. Escapou milagrosamente de virar refeição e, de volta à Europa, publicou na Alemanha em 1557 “A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no Novo Mundo, a América”. Sucesso imediato de público, o livro é um dos mais saborosos relatos de viajantes europeus da época.

O costume bárbaro de comer gente, claro, não era novo – o latim tinha ido buscar a palavra no grego anthropo (homem) + phágos (que come) – mas as grandes navegações que estavam em curso davam uma atualidade sinistra ao termo. Poucas décadas antes, tinha surgido no espanhol a palavra caníbal, supostamente derivada do termo caribe, como os conquistadores chamavam diversos povos indígenas das Antilhas, especialmente os hostis e comedores de seres humanos. O termo canibal, sinônimo de antropófago, ganharia seu primeiro registro em português no início do século 18.

Em 1928, com seu famoso “Manifesto antropófago”, o escritor modernista Oswald de Andrade investiu o termo de um sentido simbólico: segundo ele, o caminho para uma arte verdadeiramente nacional num país periférico não seria a negação das influências estrangeiras, mas sua deglutição.

Publicado na “Revista da Semana”.

8 Comentários

  • Marcus 14/02/2009em14:22

    Uma coisa interessante a respeito da sinonímia entre “canibal” e “antropófago” é que ela só existe quando quem come a carne humana é também um ser humano.

    Um tubarão canibal, por exemplo, se alimenta da carne de outros tubarões de sua espécie. Já um tubarão antropófago se alimenta de carne humana.

  • Vai dar dor de barriga nos índios. 14/02/2009em15:57

    Gostaria de ver a nossa classe polítca fazer uma visita de cortesia a estas tribos.

  • sanduba 14/02/2009em19:41

    O negócio é comer GENTE!!!!!!!!!!

  • liborio bermudas 14/02/2009em20:43

    interessante é que foi um aventureiro Alemão que primeiro divulgou esse fenômeno ritual e tão parecido com a também ritu al “comunhão” numa publicação que trouxe algum sucesso de público e algu ns bons délares.
    Que os Indios tenham canibalizado os brancos, supõe duas coisas conjectural: que pensavem ficar mais bem alimentados e portanto fortalecidos física e espirutalmente (se tinham espirito é outra coisa) ….e segundo que acharam algu m “sabor” agradável nos brancos que comeram por “via oral”.
    Alguns séculos depois e já em mesa de comunhão os brancos civilizados também deglutem (embora simbolicamente que é o utro fenômeno cultural) outro produto ou entidade espiritual: q ue diferença existe em diferentes mas convergentes e similares ritos, crenças e costumes ?.

  • Roberto Fonseca 14/02/2009em20:58

    Sergio Rodrigues,

    Voce é um “expert” no assunto. Porém, a maioria dos povos de paises subdesevolvidos ou em desenvolvimento mal conhece o seu passado. 90% (noventa) por cento amanhece com vontade de comer pelo menos um pedaço de pão. Caso esse pedaçõ não seja encontrado, a vontade dessa maioria é de virar canibal, porque a fome é inexorável. Ou, então, acabar por virar autofágica.
    Apesar da brincadeira acima, considero voce um cientista, embora nunca venha ficar rico como aqueles que usam os pés ou aquelas que usam os glúteos.

    Parabens!!!

    RF

  • Manoel Almeida 15/02/2009em14:36

    Canibalismo humano… Antropofagia.

    Sugiro pesquisar mais sobre o assunto. Há historiadores que garantem ser frágeis todas as evidências de canibalismo humano no período humano civilizado (pós-neolítico). Mesmo o homem “pré-histórico” deixou mui pouca evidência que pudesse caracterizar prática antropofágica.

    O relato de Staden é impressionante, mas não me parece mais crível que o de Marco Polo, por exemplo.

  • Sérgio Rodrigues 15/02/2009em16:13

    Manoel: que o livro de Staden deve ter muito de fantasia, como de resto todos os relatos de viagens ao Novo Mundo na época, não conheço ninguém que discuta. Daí a negar a prática da antropofagia em determinadas culturas, a distância é descomunal. Mas como há quem negue até o Holocausto, muito mais recente e documentado que a suposta deglutição do bispo Sardinha, isso não chega a ser surpresa.

  • Pedro Curiango 15/02/2009em20:48

    O caso mais curioso de antropofagia que conheço está num conto de Gaston Leroux, o autor de “O Fantasma da Ópera.” Nele, um grupo de náufragos se encontra num barco, sem qualquer provisão. Em vez de decidirem comer um deles, aceitam a idéia de um médico que tirariam sorte e, cada dia, comeriam apenas uma parte não vital do infeliz que perdesse no jogo. O médico efetua a cirurgia e assim todos conseguem sobreviver até chegar um barco salvador. Mas, o prazer da comer carne humana é tão grande que decidem, em comemoração da experiência vivida, encontrarem-se anualmente para repetir um daqueles dias de jogo no barco salvavidas. O médico continua seu ofício cirúrgico… O conto é narrador pela perspectiva de um vizinho que estranha a aparição de tantos visitantes deficientes f’isicos à casa de seu vizinho uma vez por ano.