Passou a Flip, passou a ressaca da Flip, e eu me pego pensando insistentemente em algo que, no calor da hora, julguei trivial demais para comentar aqui no blog: o limite de quinhentas palavras por dia que o escritor holandês Cees Nooteboom se impõe.
Convém deixar claro: o que me impressionou não foi a disciplina de Nooteboom, o fato de que ele se obriga a escrever todo dia, em qualquer estado de espírito. Isso é rotina de escritor. O que me impressinou foi ele escrever tão pouco. “Se por acaso perco a conta e chego a seiscentas palavras, fico nervoso”, disse. Ir além disso, para ele, seria correr o risco de perder qualidade, densidade literária.
Fiz umas medições: quinhentas palavras equivalem a cerca de 45 linhas ou 3.000 toques com espaços. Em linguagem de velho jornalista, uma lauda e meia. Mesmo considerando a hipótese – delirante, porque não entendo nada de holandês – de na língua de Nooteboom as palavras serem mais compridas, mesmo que ele use uma única palavra composta para dizer, sei lá, “céu cinzento com nimbos a oeste”, ainda assim parece pouco.
Mas se todas as quinhentas forem boas, dá um livro por ano. Dos gordos.
16 Comentários
lembro do saramago ter falado algo parecido. coisa de duas páginas por dia, que em um ano são mais de 700 páginas, ou dois livros.
E o último livro do Nooteboom, “Paraíso Perdido”, é interessante, ainda que inferior ao “Dia de Finados”, para mim um dos melhores romances dos últimos anos.
Pouco ou muito, o importante é escrever. E um livro por ano já é mais que suficiente, né?
E tem regra isso ? São quase três horas da manhã, eu estou bêbado, e posso escrever quinhentas ou mil palavras, que amanhã não aprovarei nenhuma sequer. Agora, acho válido esse exercício de encarar o ato de escrever como uma obiragação diária. Isso é para mim o grande legado do jornalismo. Não tem
estar inspirado. tem que escrever. Toda profissão tem seu lado artesanal e burocrático. Todo dia o músico afina seu instrumento e faz exercícios de escala; o jogador de futebbol treina faltas, faz alongamentos; o professor prepara suas aulas; os bombeiros fazem lá seus trienamentos, os militares suas manobras… acho interessante esse aspecto de tirar essa coisa sagrada da “inspiração”
Não sou metódico. Quando estou escrevendo alguma coisa mais parruda, me condiciono a redigir um capítulo por dia, seja lá quantas páginas esse capítulo tiver. Quando não, escrevo quando me dá na telha. Um continho aqui, outro ali, sem pressões. Posso ficar meses sem escrever absolutamente nada. Isso não significa que eu produza pouco. Dentro de quatro meses sai meu próximo livro pela Editora Tarja. Vou mantendo a média de um por ano (esse livro específico escrevi em apenas 4 dias. 150 páginas)…rs
Sérgio, cada um tem um método.Balzac clamava escrever um livro todo durante uma madrugada, já Flaubert foi conhecido por perder uma madrugada para escrever um parágrafo. Aliás são conhecidas as anotções de Flaubert de como era difícil escrever.
Bom, amanhã tiro Férias de uma semana com objetivo de escrever.
É claro que cada um tem seu jeito, Fernando. Dizem que Dostoievski escreveu ‘O jogador’ em 17 dias para pagar uma dívida. Saramago, como lembrou o Diego, fixa seu limite diário em duas páginas – e se leva meia hora ou oito horas para chegar lá, não importa. Donald Barthelme, injustamente esquecido, escrevia muito e jogava quase tudo fora (veja epígrafe aí em cima), método que talvez seja o mais difundido.
O que me chamou a atenção no caso do Nooteboom foi o limite diário baixo, o mais baixo de que já ouvi falar. Naturalmente, a dificuldade está em fazer com que todas as palavras sejam “boas”, isto é, que entrem na versão final do livro. Me parece ser essa a aposta de quem, como Nooteboom e Saramago, opta por escrever devagar, aos poucos, e sempre de olho na versão final. Nesse caso, até um limite de cem palavras por dia seria bom.
Boa sorte nas férias.
É interessante discutir esse tipo de assunto, pois mesmo que saibamos antecipadamente que “cada um tem o seu jeito”, é reconfortante ouvirde diversas vozes diferentes que todo dom precisa ser desenvolvido, mediante prática constante, dedicação, entrega. Que bom que postou, Sérgio, mesmo tendo achado trivial à época. Gerou boa discussão. Valeu.
“ele se obriga a escrever todo dia, em qualquer estado de espírito”
Não sei… Acho que em algum ponto se faz a diferença do que é “eficiente” e do que é puramente “arte”. Será a inspiração?
Acho o mínimo de 500 palavras bastante confotável, ainda mais se escritas todo dia. Só estranhei essa história de ficar nervoso por escrever mais de 500. Aí já é neurose demais pro meu gosto.
É sempre bom saber o que escritores pensam. Acho porém que o comando está em cada um de nós. Se este ou aquele calcula o tanto que vai escrever. Eu obedeço o meu fôlego e respiração, o ritmo do dia. Sob o efeito da criação não pode haver contabilidade. Quando este efeito acaba é que vou ver o resultado do impulso criador. Depois é só me concentrar na técnica.
A regra mais difundida desse tipo é a de Stendhal, que receitava a medida de 20 linhas por dia (bem inferior em largura do que a de Nooteboom, note-se). Mas quem conhece Stendhal, né Serginho? Nem você parece conhecer.
Susana, obrigado por compartilhar com o pessoal do blog a curiosa medida do Stendhal – de resto de pouca valia, visto que ele escrevia a mão e numa letra de sabe-se lá que tamanho, mas tudo bem. De qq forma não sabia dela. Tenho certeza, porém, que a maioria aqui conhece o cara. Lamento destruir sua estranha ilusão de exclusividade, mas a pergunta é outra: quem não conhece Stendhal, Susaninha?
Bem… acho que contar quantos toques se escreve num texto deve ser bem legal… mas será que é esse o objetivo de um escritor? Olha, eu escrevo sempre quando tenho uma nova idéia para meus livros… e se elas ultrapassam uma lauda e meia… não tem problema nenhum, desde que a idéia fique bem expressa… imaginem quantos fatos entre personagens devem ter num livro desse cara…! Imaginem que ele tem de fazer uma passagem entre duas persoangens e no meio encerram-se as 500? O que ele faz? Fica triste, mas termina a história? isso mais parece ecentrismo de fama… sabe, para se caracterizar como escritor incomum pelo seu modo de escrever… besteira.. acho que um escritor deve ser reconhecido pelo o quê escreve… e não POR COMO ele escreve.. isso é o de menos, contando que as histórias sejam bem feitas.. o resto é resto..
Sérgio, eu também senti um “clik” quando li essa história do holkandês escrever essa medida ai… que bom que vc botou o tema na roda.
Agora, se ele se impõe essa medida, como contabilizar o momento em que tem de “editar” a coisa toda? Por que chega uma hora em que isso tem de ser feito, né não?
Esse trabalho de edição também conta? Nesse caso, ele continua escrevendo as tais 500tonas por dia? Ou não?
Questiúnculas, questiúnculas…
Mas o lance de se impor escrever todos os dias é superválido…chega um momento em que a coisa vai no piloto automático.
Ou alguém tem dúvida de que Jorge Amado fez aquele monte de livro sem uma disciplina assim? Ou o Scliar, que escreve praticamente um por ano?
E aquele japa-brasileiro, o Inoue, que parece ser o recordista mundial?