Ele perguntou a ela por que ela escrevia e ela respondeu que escrevia porque tinha vontade, e ele falou, muita gente tem vontade, vontade não basta, e ela disse mas então você está me perguntando como eu consigo escrever, é isso?, e ele ficou em dúvida e ela, eu achei que você tinha perguntado por que eu escrevo e não como eu faço para escrever o que eu escrevo, aí ele ficou um tempo em silêncio e depois riu e disse tá certo, touché, então ela olhou para baixo e notou que ele estava se assanhando outra vez, ah, a juventude, tocou nele e disse, como se fosse um eco na caverna, touché, e pronto, começaram tudo de novo, e só bem mais tarde, de madrugada, o apartamento já quase sem provisões, quando estavam bebendo o vinho velho que ela tinha separado para cozinhar e sorvendo por um buraco na lata o leite condensado encontrado por milagre no fundo da despensa, aquela mistura sensacional de caldo ultradoce e vinho avinagrado, mas um bom vinho avinagrado, chileno, só então ela disse, com os olhos bem encaixados nos dele, eu escrevo porque isso faz homens bonitos e gostosos que nem você gostarem de mim, quererem me comer, aí cruzou os olhos, língua roxa, e falou me come, e ele até que tentou, tentou bastante, mas tinha acabado a pilha.
*
O repórter, um garoto espigado, um Clark Kent mais moreno, quase mulato, óculos redondos, beiços fartos, perguntou de gravador estendido por que ele escrevia. Era a mais tolinha das perguntas do manual, mas o velho escritor famoso olhou para o garoto em silêncio, e continuou olhando até ele desviar os olhos e começar a suar no buço. Então pegou o gravador da mão dele, desligou-o e, após devolvê-lo, disse:
– Eu escrevo porque tenho um monstro dentro de mim que, se eu não escrever, vai pular em cima de todos os meninos tesudos feito você que cruzarem o meu caminho, e aí já viu… Para acalmar a fera só tem duas coisas: escribir y joder, ou melhor, ser jodido.
E o jovem repórter ficou respirando forte e olhando para o escritor um tempão. Aí guardou o gravador na bolsa e disse:
– Vamos?
*
Em Parati:
– Escrevo porque sou testemunha. Escrevo para dar voz a quem não tem voz. Escrevo porque meu país está aprendendo a ler – respondeu um baixinho grisalho, provavelmente comunista.
– Escrevo porque não sei tocar saxofone – disse o quarentão barrigudo que estava ficando careca, mas ainda tentava disfarçar. Provavelmente brocha.
– Não tenho the slightest fucking idea ! – gritou a jovem paulistana de roupa fashion e cabelos picotados. Provavelmente idiota.
– Engraçado, nunca ninguém me fez essa pergunta – rosnou o gringo entediado. – Acho que escrevo porque sou muito bom nisso. – Certamente babaca.
– Escrevo porque escrevo porque escrevo porque escrevo – mas isso ela já nem lembra quem falou, porque a essa altura desistiu de impressionar seu novo namorado intelectual e partiu sozinha para Trindade numa traineira que tinha o seu nome, Anna O., até a inicial era a mesma, e por dois ou três meses não teve vontade de escrever nem bilhetinho para colar na geladeira.
46 Comentários
Sérgio, por que você escreve? Brincadeira.
Fiquei ligeiramente confuso aqui: a resposta que eu esperava, a mais óbvia, não apareceu mencionada por nenhum dos perversos personagens: “escrevo porque escrever é a forma de expressão artística que mais me agrada, que mais me faz feliz”.
Mas tudo bem – a não ser por uma ou outra aventurazinha que não envergonharia o vieux Marquis (estou falando de Sade) -, sou um cara pra lá de normal.
Ih, Sérgio, o Saint-Clair espera o óbvio de você…
Eu escrevo pra treinar a ortografia!
Muito bom, Sergio, muito bom. Enfim leio algo candente sobre essa pergunta tão imbecil.
um abraço,
clara lopez
Devo estar mesmo mais obtuso do que o normal hoje… Deve ser a chuva. Porque, juro, não vejo o que há de óbvio e de imbecil nesta pergunta.
Eu escrevo porque o monstro que há dentro de mim ME devora se eu não o fizer.
Será que valeria: “Eu escrevo porque quero”
Para muitos, querer não é poder…
Tibor,
mesmo sem poder, se o sujeito quiser MESMO, ele escreve. Nem que jogue o escrito nas cafundas de uma gaveta, mas e daí?
Mas voltando, acho que a resposta “escrevo porque quero” não vale. Afinal, não é c.o.o.l (foi censurado, acho que deve ter sido por essa palavra que tem um eufonia estranha,…rss), não denota sapiência, não é uma sacadinha genial…
E daí vamos começar logo a discutir a metafísica da escrita. Não estou com saco. Se for pra escrever e jogar na privada porque não tem lugar melhor pra guardar, então concordo com você.
Pois é, Tibor…é isso mesmo.
Um exemplo prosaico: tenho uma amiga, psicóloga, que gosta de literatura e escreve lá seus continhos, suas pensatas… fica com aquilo uns dias, não mostra pra ninguém e depois joga fora. Talvez guarde alguns, não sei…mas o fato é que ela não tem (ou pelo menos não expressa isso) nenhum pretensão de publicar, disputar concursos literários, essas coisas. A escrita pra ela é tão apenas uma válvula de escape, ou algo assim (a dona é piscóloga, então nem sei).
O problema maior é que 99,9% das pessoas que se acham com potencial para escrever acham também que são geniozinhos indescobertos e que, portanto, seus escritos geniais devem ganhar o mundo, vender zilhões. E não é por ai…
Gênios indescobertos são os imaturos. Desses o mundo tá cheio. Eu sou um romântico e sempre associo a escrita a um objetivo maior… idiossincrasia minha. Mas para mim é quase T.O.C.
Assim falava Trustazara:
“”Escrevo porque escravo” e quando for transferido deste planeta ficará —como uma semente de flor do mal —nesta terra o gérmen da minha efemeridade distante.
…Dias depois virá a colheita.
A última Lua cairá e crianças serão levadas por um cometa-astronave para Alfa do Centauro.””
Fez-me lembrar de um trecho de Bartleby e Companhia em que o protagonista sai perguntando a desconhecidos por que eles não escreviam.
Marco,
Essa é fácil de responder: porque escrever (ficção) exige um considerável domínio técnico e um tanto de talento (como qualquer outra arte) e a maioria dos seres humanos não aprendeu o primeiro e não desenvolveu o segundo. Só isso.
Hum, boa pergunta… porque sim vale como resposta?
Brincadeiras à parte, adorei a parte de Parati. Principalmente a que diz que o cara que se acha bom nisso é certamente um babaca e da paulista que é uma idiota (independente de ser paulista ou de qualquer outro estado do Brasil e do mundo).
É engraçado notar como há tantos desses dois tipos hoje em dia, eclaro, não necessariamente nesta ordem de idiotas e babacas.
Valeu Sergio. Abraços.
Perguntas óbvias são aquelas que admitem apenas uma resposta. “Por que você escreve” não tem nada de óbvio. É a pergunta para a qual todo escritor se prepara, a vida inteira, para responder. E quanto mais respostas diferentes ele der, melhor, pois a última não foi totalmente satisfatória. O que move o homem é a insatisfação.
conterrâneo, salve. Mande seu mail para mim. Quero enviar-lhe uma notícia. abr
Agradeço todos os comentários. Clara, cara, tenho que concordar com Saint-Clair e outros, não acho a pergunta estúpida. Óbvia sim, num certo sentido, porque é um clichê. O problema é que por ser uma Grande Pergunta, irrespondível, acabou apropriada pelo jornalismo glória-maria e virou geléia.
Cézar, cool ou não, “porque quero” foi a primeira resposta que usei: “porque tenho vontade”, diz a escritora na segunda linha. No mais, as razões pelas quais escreve uma pessoa que escreve para seu vaso sanitário não me interessavam aqui. Quis brincar com as respostas de escritores profissionais ou pelo menos semi-, que vão ter sempre alguma afetação, um tanto de marketing, sejam eles santos ou fanfarrões.
Mr Writer, “porque sim” tá valendo. Cheguei a escrever um pequeno episódio com “por que não?”, uma resposta que acho boa. Mas o texto não lhe ficou à altura.
Abraços a todos.
He he, eu também pensei em “Porque não? Eu podia estar matando, estar roubando…”
Ótimo, Sérgio. Agora, à Rubem Fonseca, ler uma mulher que pede para ser traçada é excitante, no entanto, não é apenas fantasia masculina? Ainda não tive a bênção de conhecer alguma inteligente e suficientemente bonita com “furor uterino”. Menina realmente quente não liga para livros. Fazem e pronto; não aprendem com leitura.
Não escrevo, é como se incorporasse, aquilo já vem pronto.
Acho não, Francisco. Recomendo continuar procurando.
A pergunta não deveria ser “porque voce escreve?”mas sim “porque imprimem seus livros?”
As respostas à esta pergunta sim revelaria e muito dos autores. Escrever qualquer um escreve – até eu – dureza mesmo é encontrar uma editora com coragem de publicar e pior ainda ter leitores suficientes para garantirem ao autor grana prá pagar pelo menos o papel…
Se perguntassem para eu a resposta seria:
Eu escreve por que quero escrever. Vá perguntar pros leitores – se é que tenho algum – porque compram meus livros…
A pergunta é inútil. Questionador e questionado não estarão preparados para a resposta. E no final das contas, quem se importa? Capitulemos. Espirituosa (mas injusta, porque pandêmica) a expressão “jornalismo glória-maria”. O Brasil é um grande “jornalismo glória-maria”. Todos nós (enquanto brasileiros) até para nos justificarmos (ou nos desculparmos, ou não enlouquecermos) nos transformamos em “glórias-marias”. É uma falsa (e inútil) discussão, portanto, capitulemos, mais uma vez. Próximo!
Sérgio (e Saint Clair) é possível que o adjetivo tenha sido forte, mas penso que essa pergunta não leva a lugar algum e, sobretudo, não diz absolutamente nada da obra que é, no fim das contas, o que importa. Por isso considero a saída ficcional que vc propõe um achado, porque escracha o “bom mocismo” que há na pergunta (sempre haverá quem espere respostas salvadoras nesse tipo de pergunta, alguém sempre quer lá a origem das coisas, não sei se seria a “glória maria” ), ironiza e manda tudo que há nela para outro lugar. Não sei se me fiz entender, mas eu gostei muito do texto.
um abraço,
clara lopez
Clara,
Olá! É verdade que a pergunta – e suas milhares de possíveis respostas – não leva a lugar nenhum. Mas o divertido da coisa está aí: é uma pergunta que origina centenas de caminhos que se bifurcam em milhares de outros caminhos que se bifurcam… ad infinitum. É interessante, porque o importante não é chegar à resposta “certa”, mas fazer as perguntas certas. E esta é uma das Perguntas Certas mais importantes que existem. Pode ser que não para os leitores, mas para os escritores ela é essencial.
Tenho a impressão de que no mundo – e, especialmente, no Brasil, onde tendemos a exagerar tudo – muita gente escreve pelos motivos errados. Quando eu era adolescente, escrevi um conto em que o narrador era um escritor e ele dizia que o importante é escrever e não publicar, que as duas coisas não têm muito a ver uma com a outra, e que ele continuaria a escrever mesmo que nunca mais publicasse nada (um parêntese: o escritor-narrador, descobria-se no final, era um canalha e um mentiroso… O que, em retrospectiva, invalidava todas as suas afirmações por hipócritas). Penso que, ainda hoje, isso é válido pra mim. Todo escritor devia se fazer outra pergunta (além daquela que propõe o Sérgio): “Se eu não pudesse publicar, ainda assim seguiria escrevendo?”. Se a resposta for “não”, penso que algo está errado. Mas que sais-je? Não sou dono de nenhuma verdade…
No Brasil a escrita e os escritores estão envolvidos numa mística que é típica de um país de analfabetos funcionais, afinal, em terra de cego quem tem um ollho é Rei. As pessoas ficam fascinadas com a profissão de escritor. Acho que prefeririam ser escritores do que trabalhar em uma loja 10 ou 12 horas por dia e ganhar um salário de R$900,00 no final do mês. Afinal, escritores parecem gente sempre tão decente, tão bem-ajambrada… Nenhum deles parece acordar às 5 da manhã e pegar dois ônibus lotados pra chegar no trabalho, não vivem de quentinhas, não moram na Baixada… De vez em quando aparecem até em eventos charmosos como uma Bienal ou uma Flip da vida… Enfim, parecem gente muito melhor do que a gente. E ainda têm a chance de ter algo que rascunharam publicado, exposto numa livraria elegante e com seu próprio nome estampado numa capa bonita, pra todo mundo ver!
É a tal da “mística” que nos fascina…
Eu escrevo só porque tia Alice que Deus a tenha em bom lugar teve paciência comigo e pegou na minha mão que tremia muito no começo principalmente nos erres enes e esses.
Saint: vc levantou vários pontos interessantes e eles dariam, cada um deles, ótimas discussões. O escritor-mentiroso (o ficcionista, penso, é a própria personificação da mentira); a tal “Pergunta” que nao leva a lugar algum (se é assim, não se trataria de perda de tempo?); as bifurcações, os labirintos (estes são importantes se são o prórpio processo criativo e não uma auto-psicanálise); quem escreve para “se descobrir” deveria poupar seus leitores. Que tal “ler” em vez de “escrever”? Outra coisa que não entendo, sinceramente, é o discurso do “descobrir” a história enquanto se escreve (escutei isso do Guillermo Arriaga, ontem, na reprise do Roda Viva). Desculpe-me mas isso é desculpa de quem não sabe o faz. Está mais para falta de planejamento do que criatividade. Não penso que os grandes escritores fossem tão preguiçosos (como um Érico Veríssimo e seus gráficos para O tempo e o vento, ou Guimarães Rosa e seus algoritmos para criação de novos vocábulos, ou a leitura e o sangue e suor tirado da prórpia pena por Machado de Assis, apenas para citar alguns). Ser escritor no Brasil não representa nada. Não serve para nada. Eventos charmosos, por sua vez, também não servem para muita coisa. Só para um social. Em linhas gerais, concordo com vc no que tange à existência da “mistica”. A mim, sinceramente, ela não fascina. Acredito em trabalho. Mas, é notório que ela existe. Fico imaginando o que pensariam os escritores de antigamente. Isso pode ser um sinal de que Maurice Blanchot esteja certo e que a literatura realmente esteja próxima de seu fim. Viva a literatura!
Ainda em relação ao que disse sobre Arriaga: (sob uma outra ótica) é lógico que o texto poderá ser interpretado de uma forma totalmente diferente da intenção de seu autor. Mas, que uma intenção inicial existiu, ah isso existiu (bem , se não existiu, nem devemos perder tempo com a obra, pois arte é questionamento, não de si, mas do outro; ok, pode ser de si, mas nunca em atitude egoísta – psicanalítica -, entende?, e sim como ser humano). Excluir-se da responsabilidade de assumir que a obra, logo o autor, é intencional (qual não seria?) é covardia. O que mais escuto por aí é “escrevi, mas que o leitor entenda o que quiser” (ora, e o leitor precisa lá de autorização?). Bom, deixa prá lá. Vida que segue…
Saint Clair, há várias questões diferentes nos seus argumentos, e a que mais me interessa é quando vc observa quanto à importância da pergunta: “Pode ser que não para os leitores, mas para os escritores ela é essencial”. É verdade, cabe a cada escritor decidir (e responder para si mesmo) por que escreve e essa resposta só interessa a ele mesmo. A nós, leitores, interessa o resultado da decisão dele, a obra. Se ela é boa, se me agrada ou não, se vai vender, se a crítica elogia etc, etc, todas essas são questões outras, às quais o ato de escrever em si para quem o sente como força inarredável é indiferente.
Quanto a suas observações sobre escrever-se no Brasil pelos motivos errados, quase tudo aqui está meio fora de lugar mesmo, não é?
um abraço,
clara lopez
É isso Clara. Vc atingiu o centro nevrálgico. Já escreveu Guimarães Rosa: “Às vezes, quase sempre, um livro é maior que a gente”. Autores e leitores. E o livro que se escreve nunca é o que se lê. Se a obra é boa e de ficção, interessará menos o mapista do que o mapa (não devemos ser influenciados). Claro que ainda é um mapa, o que implica limitações. Mas, aí é que está o lúdico, a graça do jogo. Não é?
Concordo com Saint-Clair. A pergunta é essencial para o escritor. É como o norte da bússola em sua trajetória do processo da escrita. ” como diria os irmãos Wackowikis em “Matrix” é a pergunta que nos move“.
Também tenho que concordar com a questao da áura mística que é vista (…ou seria imposta?) sobre o escritor neste Brasil de múltiplas fomes; onde a permanece soluções “quebra-galhos” para quase tudo.
Mas, a respeito da cisão entre escrever e publicar penso ser muito pertinente, sobretudo nesta Era da Informação quando publicar torna-se algo banal (considerando as múltiplas maneiras de pu=bli-ci-zar os escritos. Por exemplo: pixações em muros (ou em seu próprio muro, neste caso não estará cometendo infração alguma); em blogs grátis; em sites grátis; revistas on-lines grátis; celulares; redes distribuidas de computadores (intranets); jornais; jornais regionais e comunitários; rádios e TV´s.
Acredito que o autor que fizer bem seu trabalho, conseqüêntemente terá no futuro a publicação dos mesmos através de multimeios.
Como alguns comentários já indicaram, acho que essa pergunta se divide em duas mesmo. Publicar é diferente de escrever. Acho que as duas questões sempre surgem mescladas numa mesma pergunta, e isso naturalmente dificulta a resposta. Um escritor pode escrever porque deseja organizar suas idéias, porque é impelido por uma força sobrenatural ou simplesmente porque não encontra coisa melhor para fazer. Esse mesmo escritor pode publicar por motivos políticos (para influenciar seus leitores), por acreditar que sua obra vai melhorar a vida de outras pessoas ou para ganhar dinheiro (por mais improvável que isso seja).
Escrever porque é divertido não vale não?
Vale Jatobá, tanto que tenho escrito com esta intenção. Digo auto-diversão. Estou aventurando-me na produção de contos. (há alguns experimentos destes no blog acima. 😉 ) já estou perto de chegar a duas dezenas e aí, veremos…
Ai, que falta que faz os mecenas do renascimento! [rsrsrs]
digo, abaixo.
Desintoxicar a mente, desentorpecê-la dos venenos da realidade, fugir do mal-estar, da sensação de perda de tempo quando imerso nas obrigações do dia-a-dia; buscar luz, leveza e beleza.
Mas qualquer resposta é uma satisfação que se dá para a pergunta.
Caro Claudio (as iniciais em homenagem ao autor de Nárnia são decisão de ano novo?), acredito que sim, é possível descobrir a história enquanto se escreve. É um método. Há escritores que planejam tudo, planificam, e há os que seguem tateando no escuro, guiados pelo texto. Entre os incontáveis que tateiam, e gostam de dizer que tateiam, que escrevem para descobrir onde a história vai dar, me lembro assim de cara de Ondaatje, Margaret Atwood, Marçal Aquino. (É claro que, na prática, qualquer escritor, mesmo do tipo “planificador”, é obrigado a tatear no escuro em algum momento, desviando-se aqui e ali do plano inicial.) Isso de modo algum exime o escritor de responsabilidade sobre o escrito, como você aponta com razão.
Clara: você se fez entender bem, e estamos de acordo sobre quase tudo. É claro que nada que um escritor diga sobre sua obra jamais terá o mesmo estatuto da obra em si. Mas ninguém disse que teria, não se compara uma com a outra. O que dizem os escritores sobre seu trabalho é parte do showbiz do livro, ajuda (ou atrapalha, dependendo da fala) a vender livro. Não é livro, mas vem no pacote.
Saint-Clair, fiquei pensando: será que a pergunta interessa mesmo mais aos escritores do que aos leitores, ou seria justo o contrário – os escritores fabricando suas “razões” com lógica profissional, despejando frases de efeito mais ou menos cínicas sobre um público crente na veracidade visceral do espetáculo canastrão?
Boa resposta, Blake.
Abraços.
Sérgio,
Olá. Acho que a pergunta interessa primordialmente aos escritores sérios, que gostam de refletir sobre o que os move. O resto é Big Brother… 🙂
Saint: Sabe por que eu escrevo? Vou lhe confessar. Passei um tempo pensando e acho que encontrei a resposta (um dia talvez isso se comprove ou não). Escrevo para poder acreditar. Porque no fundo a gente só acredita mesmo é no que está escrito.
Saint-Clair, não olhe agora, mas acho que vi os escritores sérios morrendo de rir.
E depois das gargalhadas, enxugaram do rosto as lágrimas, pigarrearam, sentaram inquietos numa cadeira e se puseram a pensar: “porque escrevo?”
Eu acho que ao bom escritor só cabe fazer a si mesmo a pergunta: sou escritor? preciso mesmo escrever? outras perguntas compõem, como disse o sérgio, o showbiz do livro.