Já que a pergunta “por que você escreve, escritor?”, mote de um pequeno conto (ou coisa que o valha) na nota anterior, parece ter furado um inesperado veio de polêmica entre os leitores do Todoprosa, cai bem lembrar um trecho marcante do discurso do turco Orhan Pamuk (aqui em inglês) na cerimônia do Nobel de 2006 – mais tarde publicado em forma de livreto pela Companhia das Letras, ao lado de dois outros discursos do homem, com o título “A maleta do meu pai”. A releitura desse trecho me levou a duas constatações, a primeira óbvia, a outra nem tanto: o jornalismo glória-maria não é exclusividade do Brasil; é possível, sim, levar a sério essa “pergunta de mil respostas”, de preferência enumerando, como Pamuk, uma infinidade de razões parciais em que a força do conjunto e de certos achados parece ter o poder de anular a banalidade dos lugares-comuns que lá vão de cambulhada. Aproveitem:
A pergunta que, com maior freqüência, é dirigida a nós, escritores, a pergunta favorita, é: por que vocês escrevem? Escrevo porque tenho uma necessidade inata de escrever. Escrevo porque não posso ter um trabalho normal como as outras pessoas. Escrevo porque quero ler livros iguais aos que eu escrevo. Escrevo porque estou irritado com todo mundo. Escrevo porque adoro ficar sentado numa sala, escrevendo o dia todo. Escrevo porque só consigo tomar parte da vida real transformando-a. Escrevo porque quero que os outros, o mundo inteiro saiba que tipo de vida nós vivíamos e continuamos a viver, em Istambul, na Turquia. Escrevo porque amo o cheiro de papel, caneta e tinta. Escrevo porque acredito na literatura, na arte do romance, mais do que em qualquer outra coisa. Escrevo porque é um hábito, uma paixão. Escrevo porque tenho medo de ser esquecido. Escrevo porque gosto da glória e do interesse gerados pelo ato de escrever. Escrevo para ficar sozinho. Talvez eu escreva porque espero entender por que estou tão, tão irritado com todo mundo. Escrevo porque gosto de ser lido. Escrevo porque, tendo começado um romance, um ensaio, uma página, eu quero terminar. Escrevo porque todo mundo espera que eu escreva. Escrevo porque tenho uma crença pueril na imortalidade das bibliotecas e na maneira como meus livros ficam na estante. Escrevo porque é instigante transformar todas as belezas e riquezas da vida em palavras. Escrevo, não para contar uma estória, mas para compor uma estória. Escrevo porque desejo escapar do mau presságio de que há um lugar aonde eu devo ir, mas aonde – como num sonho – não posso chegar por completo. Escrevo porque nunca consegui ser feliz. Escrevo para ser feliz.
(Pela tradução, meus agradecimentos a Tiago A., embora ele sustente que ela foi feita por seu cachorro.)
45 Comentários
Humanos, pobres criaturas oriundas do lodo da existência, destinadas, pelo implacável Deus Cronos, ao pó do olvido, como soam doces, aqui da Eternidade, esses vossos vãos lamentos ecoando o estúpido, caprichoso e inútil anelo da permanência! Acaso não sabeis que sois a mais ínfima e débil sombra neste mundo de transitoriedade perpétua?
Se soubésseis quão infrutíferos são os esforços que despendeis na triste ilusão de alcançar a imortalidade, viveríeis, por escassos instantes, a fugaz felicidade, a única que há.
Que cachorrinho esperto esse…
Orhan Pamuk escreve por tantos motivos… todos eles vitais. E nenhum realmente importante.
Estive na editora Devir hoje – uma das mais ativas e importantes no gênero de ficção científica no Brasil – numa reunião onde submeti um projeto recente. Entre tantas perguntas, a que mais me perturbou foi: “por que você escreveu isso?” Me intriga a necessidade de motivações, principalmente as conscientes. “Escrevi porque quis chocar”, respondi. Mas poderia ter dado qualquer outra em seu lugar. Até mesmo um lacônico “Escrevi porque quis”. “Por que escrever” e “por que escreveu” são a mesma coisa. Ambas exigem respostas que podem se travestir como quiserem. Todas elas metafísicas. Se alguém disser: “Escrevi porque queria mudar a cara do Brasil”, desconfiem. O sujeito inventou isso depois que terminou o trabalho…
Ia escrever as razões pelas quais não escrevo – pq já tem muito livro por aí, alguns para não se ler nunca e outros para ler logo – mas lembrei que havia um “post” no meu blog justamente explicando as razões pelas quais escrevo… ( mas não se preocupem, é so de vez em quando). Então lá vai, dedicado especialmente aos que aqui reclamam de de auto-promoção:
As coisas, e o porquê das coisas
Perguntaram a Edmund Hilary, primeiro alpinista a subir e descer o Everest, por que os homens escalam montanhas. A resposta foi lacônica:
– Porque elas estão lá.
Wolfgang Gülich, outro grande escalador, reeditou a frase na década de 80. Um repórter lhe perguntou por que escalava, ao que ele respondeu:
– Porque é divertido.
Perguntaram a João Ubaldo Ribeiro sobre a decisão de ser escritor.
– Eu acredito que é muito feio um ser humano não exercer uma atividade para a qual Deus lhe destinou talento.
De minha parte, escalo porque é divertido, e as montanhas estão lá. Mas escrever não é agradável. As palavras não estão em lugar algum.
Seria presunção demais crer que Deus me outorgou algum talento para a escrita. Acho que nunca, em vida, vou ter certeza disso. Mas como não posso ter certeza de que Deus existe, escrevo.
Eu escrevo porque, humMm… como não bebo, não fumo e não jogo era o único modo de perder tempo e dinheiro.
Quando vier para o trabalho amanhã vou perguntar aos padeiros por que diacho eles fazem pães (sem bromato, faz favor).
Ao amigo Tibor:
Sorte no novo projeto. Sei que estou devendo (mea culpa) um comentário sobre o intrigante “Síndrome de Cérbero”, mas vou fazê-lo como deve ser feito: com uma resenha no pontoLit. Em breve.
***
Sobre Pamuk e sua infelicidade: Ao escritor que escreve para ser feliz, diria Lima barreto: “Que portento!”. Ora, escreve-se a partir de um incômodo, que, infelizmente, não se esgotará com a escritura.
“Porque nunca foi feliz, escreveu para ser feliz”: que belo epitáfio para um egoísta-iludido (orgulhoso e mal agradecido)!
Por sua deslumbrada e deplorável resposta, poderíamos entender que Pamuk escreve porque tem baixa auto-estima, porque é desajustado (“porque estou irritado com todo mundo”), misantropo, fetichista, compulsivo (“cheiro de papel, caneta e tinta”), megalomaníaco, deslumbrado (“porque gosto da glória”), desnorteado (“porque tenho medo de ser esquecido”), para agradar aos outros (“porque todo mundo espera que eu escreva”) e pretencioso (“porque é instigante transformar todas as belezas e riquezas da vida em palavras”), supersticioso (“desejo escapar do mau presságio”), em suma, porque é um infeliz. Está no caminho certo.
Pamuk é um “ignorante” porque acha que escreve para ser feliz (uma felicidade banalizada é o anseio do ignorante). O escritor não pode ser feliz. Não nasceu para isso. A busca pelo conhecimento é uma aventura que até entretem, mas não pode trazer felicidade.
Pamuk escreve, mas não pelos motivos certos, porque os ignora. E talvez, por isso mesmo, creiam, seja um grande escritor.
Porque o escritor escreve sim é para pagar os seus (e os nossos) pecados.
* preferi deixar o “pretencioso” em espanhol mesmo 🙂
compra-se cachorro que traduza de portugues para mandarin; japonês; inglês e espanhol.
pagamento em Libra.
contato: 70-70-70…
Obrigado Cláudio. 2008 promete ser um ano excepcionalmente bom!
Do motivo mais nobre e elevado ao mais imbecil e vulgal, o que importa mesmo não é como se escreve e sim o que está escrito. O discurso mais bonito da face da terra não vai transformar incompetência em competência, nem o mais imbecil tornará a competência, incompetente.
Vinícius: concordo com sua opinião a respeito da (clara) importância do assunto sobre o qual se escreve; mas, não deixei de anotar um certo conselho de Borges: “Eu diria que o mais importante, em um autor, é sua entonação”.
Outro (importante) “conselho” do argentino: “Sempre disse aos meus alunos que tivessem pouca bibliografia, que não lessem críticas, que lessem diretamente os livros…” Que belo tema para discussão, hein Sérgio?
Se conselho fosse bom a gente vendia… Entonação para quê, Cláudio? Escritor não é cantor… E o outro conselho o próprio Borges não aplicava na sua vida: o que ele mais fazia era ler ensaios e verbetes de enciclopédias e críticas de jornal e revistas… O melhor do escritor é o silêncio; quando fala, na maioria das vezes, só vem asneira. E pode perceber que quanto melhor o escritor mais asneiras ele fala… Entonação… Que conselho idiota…
Pois é…tantos motivos pra escrever o turco arrola… e, claro, ele não tem culpa (ou tem, afinal ele escreveu), mas foi mais um escritor medíocre a levar o Nobel.
Roubou seu Nobel, não é, César? Esse ano você ganha, não se preocupa…
A propósito, hoje, em Goiânia, as 20 hroas, a prefeitura lança 71 livros. O critério utilizado para a publicação foi único e exclusivamente o seguinte: quem se inscreveu teve a “obra” aprovada.
Já pensou num negócio desse? Tem livro de um intelectual importantíssimo e reconhecido como Gilberto Mendonça Teles. Tem livro de gente que já está no terceiro, quarto livro. Tem livro de iniciante. Tem livro de um garoto de 12 anos, que deve ser um fenômeno, sei lá…
71 livros…meu Deus, o horror, o horror…
Não Vinícius, o meu não… como eu poderia ganhar se nunca escrevi livro?
Mas a minha opinião, Vinicius, é que a literatura do Pamuk é medíocre (por favor, veja o significado da palavra no dicionário).
Minha opinião se vaseia nos dois livros dele que li (Neve e Vermelho). É apenas questão de gosto.
ei, povo!
vai sair o filme sobre “Reparação”. Dum autor ja referenciado aqui pelo S.Rodrigues. Quem for ver de-nos uma palhinha amanhã, Ok??
Vinícius, mesmo criticável, o “conselho” (note que volto a colocá-lo entre aspas) ainda é válido. Preste bem a atenção. É um meta-conselho, recursivo e labiríntico.
Certamente vc já leu “Levantado do Chão”, do Saramago, com seus sons e pausas, e sabe que a entonação de um escritor e sim muito importante.
A leitura do Borges dos ensaios e verbetes de enciclopédias, etc… , sabemos, é uma leitura diferenciada, com segundas intenções, com o intuito de acrescentar a ela um dispositivo que permita serem transformadas em ficções, ou um sonho (deslacamento e condensação).
Sobre “as asneira que o escritor fala”, permita-me discordar. Aqui, certamente, se comprova mais uma vez a relatividade de toda as coisas: depende do escritor. Tem alguns por aí, que realmente não precisam se pronunciar. Agradecemos a eles por isso.
Assistiu (no youtube tem) as entrevistas do próprio Borges, Cortázar, Cela, Onetti, entre outros, a Joaquín Soler Serrano?
Adquira também (caso já não o tenha) a série de entrevistas de vários escritores à Paris Review: “Os escritores”, Cia das Letras, 1988. Vale o investimento (inventei esse motivo apenas para repetir essa expressão que tenho escutado muito ultimamente, talvez mereça até um conto fantástico. Janeiro é o mês em que as operadoras de telemarketing lançam-se a um ataque cruel e desumano. Muito cuidado, com elas! Eu mesmo já estou assinando mais duas revistas… 🙂 ).
Sobre o Nobel de Pamuk: os critérios, sabemos, estão para além da literatura. Mas, penso que o Pamuk tem lá o seu valor…
Cézar: não conhecia este projeto da prefeitura de Goiânia. Se foi exatamente nestes moldes penso que está estimulando a produção literária local, o que é uma iniciativa louvável.
Em relação à “falta de critério de seleção”, se realmente não houve uma, ainda assim é melhor do que os “critérios de seleção” das bolsas literárias que temos acompanhado pela imprensa nos últimos meses…
Vinicius dixit:
“Se conselho fosse bom a gente vendia… Entonação para quê, Cláudio? Escritor não é cantor…”
Muito bem observado, Vinicius! As palavras devem ser enclausuradas no exato e preciso sentido que lhes dão os dicionários.
Que coisa feia esse tal de Borges usá-las no sentido figurado. Shame on him.
É isso aí, blá-blá-blá… Pamuk é mediocre, blá-blá-blá… Fulano dixit, blá-blá-blá… Não concordo, blá-blá-blá… Concordo, blá-blá-blá… Não merecia o Nobel, blá-blá-blá… Antes o Nobel que o Papai Noel, blá-blá-blá… Escrevo em pé, escrevo deitado, escrevo correndo, escrevo peidando, blá-blá-blá…
Vinícius: isso acontece sempre ou apenas quando o relógio marca 9:11? Relaxa Rafael. O Vinícius apenas nos propôs uma enigma. A frase chave creio que seja: “E pode perceber que quanto melhor o escritor mais asneiras ele fala…” – é só um chiste de irajaense, ok Vinícius? 🙂
Forte abraço p/ ambos!
É incrível como vocês conseguem transformar tudo em briga.
É incrível como se fala asneiras entre os comentaristas…
É incrível como faz calor hoje no Rio…
Para descontrair os ânimos, proponho algumas risadas…
http://br.youtube.com/watch?v=8zFYt1_0FUE
É incrível como eu tô morrendo de vontade de bater uma punheta. Alguém quer me ajudar?
É incrível como eu tô morrendo de vontade de bater uma punheta. Alguém quer me ajudar?
É incrível como o Saint consegue ser inconveniente quando quer…
Ô Saint, pelamordeDeus…
Sorry, Tibor, não queria ferir a sua suscetibilidade: é que eu tava ensaiando pra tomar o lugar do Sacha Baron Cohen.
Vai lançar um “Borat, o retorno”?
Vou recriar o programa dele. Chamar-se-á: “Da Ali S Show” – S de Saint-Clair, bien sûr! rsrsrs
Vinicius Jatobá…minha paciencia contigo acabou …
Então Jatobá, vai tomá no toba!
Peço licença ao Sérgio para avisá-los de um projeto realmente inovador e que vale ser acompanhado.
Alguns amigos daqui sabem que na Bienal 2007, no Rio, eu entrevistei o Paulo Coelho (ele diretamente de Paris) em uma webconference (projeto da IBM Lotus). Creio que tenha sido o primeiro evento deste tipo em uma Bienal brasileira.
Agora, o Paulo inova mais uma vez. Em parceria com a HP, implementa o “Experimental Witch Film Competition”. Videomakers e músicos de todo o mundo podem participar da criação de um filme colaborativo com base no seu último romance “A Bruxa de Potobello”. É inédito e aponta uma tendência de convergência de mídias.
Confiram o video no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=INFDycyjdjc
Forte abraço!
Também escrevo.
Escrevo livros que as editoras recusam, escrevo contos que meus amigos lêem, escrevo apostilas para meus cursos esotéricos, escrevo comentários nos blogs alheios, escrevo para aprender a escrever melhor, que nunca consigo, enfim escrevo porque escrevo.
Não sou compulsivo, já escrevi mais, e achava que não era compulsivo. Não escrevo por desejar ficar sozinho, mas fico sozinho por desejar escrever.
E quando escrevo contos, primeiro conto os contos para mim mesmo, mas não conto que meus contos serão recontados por um editor contista.
Paulo Coelho, por favor, me ensina o cominho das pedras!
cominho das pedras, não! É caminho…
É incrível como o Cezar Santos não tem paciência comigo…
É incrível como o Cláudio Soares parece realmente gostar do Paulo Coelho…
É incrível como esse Jatobá não parece o Vinícius que eu conheço…
(Será um fake?)
Segue a opinião de outro Nobel (1949).
Com a palavra William Harrison Falkner (sem “u”) ou William FaUlkner:
“Se eu não tivesse existido, algum outro teria escrito minhas obras, as de Hemingway, Dostoievski, de todos nós. (…) O artista não tem importância. Só o que ele cria é importante, já que não há nada de novo a ser dito.”
Esse mundo está tão diferente…
Aproveitando a indicação do Sérgio, passeei pelo blog do Tiago (A vida de Tiago A.). Um bom blog. Bastante espirituoso.
Mas, a última atualização datava de maio/2007. Por onde andaria o blogger?
Descobri a nova URL. Anotem aí: http://www.apostos.com/avidadetiago/
Vale a pena!
(e o cara ainda é leitor do e. e. cummings)
Caramba!
Como tem gente vaidosa por aqui. Não vou nem postar.
Passar bem!
É incrível como o Cesar Reis é tão vaidoso que afirma que não vai postar, já postanto…
Ops!
É que eu não fiz nenhum curso de telepatia. Não teve jeito!
Abs.
Imagine um sujeito qualquer… imagine que esse cara pode ser você. Agora imagine que, por ironia dos deuses ou seja lá o que for, só lhe resta um dia de vida. Bom, a pergunta pode parecer previsível, mas: o que você faria? Viveria-o intensamente ou escreveria páginas e mais páginas…? Talvez as duas coisas? Imaginem…