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Isabel Allende se defende da fama de best-seller
Vida literária / 06/08/2010

“Se meus livros vendem, é porque escrevo pensando no público, herança do jornalismo.” Foi assim que Isabel Allende, 68, justificou, sem que tivesse sido questionada a respeito, sua fama de best-seller. Vender muitos livros, num mercado difícil como o literário sempre levanta suspeitas sobre a qualidade da obra. Na mesa “Veias abertas”, realizada nesta quinta na Flip, com mediação do jornalista Humberto Werneck, Isabel evocou o jornalismo para explicar seu desempenho comercial e a ditadura de Augusto Pinochet, que tirou da direção do Chile o primo do pai, Salvador Allende, para narrar sua investida na literatura. ”Escrever foi uma maneira de recuperar memórias do Chile e ressuscitar os mortos”, disse, referindo-se ao seu livro mais famoso, “A Casa dos Espíritos”, baseado nos horrores da ditadura do Chile, país que teve de abandonar em 1973. Apesar de o livro, que marcou sua estreia como escritora, ter se tornado um fenômeno, com direito a adaptação em Hollywood, ela não se sente pressionada por ele. Antes, afirma se sentir grata pelas possibilidades que ele lhe abriu. O que a oprime, isso sim, é a solidão do trabalho de escrever. “É um trabalho solitário e inseguro, cheio de dúvidas, e sinto que as minhas…

O caso das três ‘linhas de força’: Reinaldo, Ronaldo e Beatriz
Vida literária / 05/08/2010

Falar sobre literatura não tem nada a ver com escrever, da mesma forma que ouvir escritores falando sobre literatura passa muito longe da experiência de ler. Eis o drama ou o pecado de origem de qualquer evento como a Flip: o que há de mais importante ou vital no objeto que se propõe celebrar sempre escapa entre os dedos. O que não é novidade nenhuma. Mas às vezes ocorre um caso como o da mesa “Fábulas contemporâneas”, hoje à tarde: mais na forma que no conteúdo de suas falas, Reinaldo Moraes (“Pornopopeia”), Ronaldo Correia de Brito (“Galileia”) e Beatriz Bracher (“Antonio”) conseguiram dar a uma plateia menos que lotada uma boa ideia do trabalho de cada um. Reinaldo foi a presença mais engraçada e provocadora, Ronaldo a mais solene e “literária”, Beatriz a mais tímida e tateante. A homogeneidade nunca foi o forte da “mesa dos autores brasileiros” da Flip (sim, trata-se de política de cotas mesmo), que rola sempre às quintas-feiras, mas esta foi especialmente heterogênea. No papel de mediadora, a crítica Cristiane Costa fez o possível para encontrar um fio que desse coesão ao trio. E encontrou uma fórmula engenhosa: a de que os três autores a seu…

Patrícia Melo: crítica brasileira é ‘simplista e pobre’
Vida literária / 05/08/2010

A americana Lionel Shriver, autora de “Precisamos falar sobre o Kevin”, e a brasileira Patrícia Melo, autora de “O ladrão de cadáveres”, protagonizaram uma mesa simpática. Chamada “De frente pro crime”, a segunda conferência da quinta-feira foi recheada de declarações de cortesia mútua e surpreendentemente suave, tão focada em temas afeitos a certos clichês de feminilidade, como casamento e maternidade, quanto na crueza da violência que ambas tematizam em suas obras. O que se deve em parte ao cavalherismo explícito da mediação do jornalista e escritor Arnaldo Bloch e, pelo lado da surpresa, não pode ser considerado exatamente um defeito. No entanto, foi preciso chegar à parte final da mesa, quando a plateia envia suas perguntas, para que se desse o momento mais revelador da conversa. Perguntada sobre a já repisada questão de fazer uma literatura que nunca conseguiu se libertar da influência excessiva de Rubem Fonseca (com o que concordo em grande parte, a ponto de achar que, considerando-se apenas os livros lançados nos últimos dez anos, a decadência do mestre a tornou um Rubem melhor que Rubem), Patrícia Melo fez um pequeno discurso em tom de desabafo: “Infelizmente, a crítica literária no Brasil ainda é muito simplista, muito…

Mais pancada: Scliar bate no Freyre ficcionista
Vida literária / 05/08/2010

Personagem central da 8.ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o pernambucano Gilberto Freyre voltou a receber críticas no evento, durante a primeira mesa de discussão, que contou com os professores universitários Edson Nery da Fonseca e Ricardo Benzaquen e o escritor Moacyr Scliar, hoje de manhã. As palmadas iniciais vieram do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que na conferência de abertura da festa, como sempre fez, não poupou adversativas ao antropólogo. “Eu não fico entusiasmado com o romance de Freyre”, disse Scliar, se referindo a “Dona Sinhá e o filho padre”. “A grande contribuição dele está em outra área, em livros como ‘Casa grande & senzala’.” O escritor afirmou, no entanto, que o estilo do pensador pernambucano tem sotaque literário. “Seu texto está muito mais para a literatura do que para a ciência.” O também pernambucano Edson Nery concordou com Scliar. Freyre, disse ele, evitava ao máximo usar termos científicos em seus textos, e preferia até palavras chulas a eles. “Ele dizia que havia contextos em que a palavra chula como que se impunha..” Reconhecidamente um admirador de Freyre, o professor da Universidade de Brasília (UnB) lembrou que “Dona Sinhá” foi bem recebido pela crítica nos Estados Unidos…

FHC espanca Gilberto Freyre: homenagem é isso
Vida literária / 04/08/2010

Quem esperava o tom reverente e meio anódino que é típico das homenagens festivas deve ter levado um susto com a palestra de Fernando Henrique Cardoso sobre Gilberto Freyre, a primeira da Flip 2010, encerrada há pouco. Ponto para a Flip. “É muito fácil estraçalhar Gilberto Freyre”, disse o ex-presidente da República na mesa intitulada “Casa grande & senzala”, ao lado do quase mudo historiador Luiz Felipe de Alencastro. Falando de improviso, sem consultar em momento algum o calhamaço que tinha nas mãos e que disse ter escrito para a ocasião, FHC chamou o sociólogo pernambucano de racista, contraditório, conservador, pouco rigoroso como cientista social – “muitas vezes ele nem conclui o raciocínio, se perde, e você continua a ler porque ele escreve muito bem e o leva no embalo” – e defensor imperdoável do colonialismo português em plena vigência do regime salazarista. Passou perto de dizer que seria melhor a organização do evento ter homenageado Sérgio Buarque de Hollanda, autor de “Raízes do Brasil”, contemporâneo de Freyre. De toda forma, deixou o pai do Chico como sugestão para o futuro. Isso lá é homenagem? Por incrível que pareça, é, pela razão simples de que ideias que não provocam controvérsia…

Estou a caminho, mas a “Serrotinha” me alcançou
Vida literária / 04/08/2010

Pego daqui a pouco a estrada rumo a Parati (sem ípsilon, só aqui) e volto a escrever ainda hoje, assim que der, direto da Flip. Uma novidade importante: vou dividir a cobertura da festa com minha vizinha de Veja.com Maria Carolina Maia, responsável pela coluna Veja Meus Livros. Notícias e entrevistas também vão rolar lá, mas os posts sobre as mesas que a Carol acompanhar sairão aqui no Todoprosa, que assim, pela primeira vez em mais de quatro anos de história, tem o orgulho de anunciar uma blogueira convidada. E a possibilidade de cobrir um maior número de mesas. Ganham os leitores. Por enquanto, não me sai da cabeça um artigo escrito em 1903 pela americana Edith Wharton, chamado “O vício da leitura”. Uma das atrações da charmosa “Serrotinha”, edição especial de Flip da revista “Serrote”, o primeiro item flípico a me alcançar ainda em casa, o texto de Wharton é uma diatribe assumidamente elitista – de um elitismo, digamos, espiritual e não econômico ou mesmo cultural – contra o que ela chama de “leitores mecânicos”, aqueles que medem os livros pela quantidade e, incapazes de se deixar afetar profundamente pela leitura, estão preocupados apenas em “acumular conhecimento”. Depois dessa,…

Autores brasileiros, ausências e repetições
Vida literária / 02/08/2010

O caderno Prosa & Verso do “Globo” publicou uma polêmica reportagem de capa, sob o título “Olha a gente aqui outra vez” (todos os textos estão reproduzidos no blog do caderno), questionando o “alto índice de repetições” de autores nacionais no elenco da Flip este ano. O repórter Miguel Conde fez as contas e descobriu que “dos dez escritores brasileiros que participarão das mesas literárias até o encerramento no dia 8 de agosto, nove estiveram em edições anteriores do evento – a romancista Carola Saavedra é a única estreante do grupo”. Uma respeitável estreante, pelo menos isso, pode-se argumentar. Entrevistado pelo jornal, o diretor de programação da Flip, Flávio Moura, optou por outro caminho. Declarou que os brasileiros estreantes no evento concentram-se fora das áreas de ficção e poesia, pois a programação tem “um peso maior que de costume na parte de não-ficção, o que se deve à homenagem a Gilberto Freyre”. Como alguém que tem a deformação profissional de atribuir mais importância à ficção do que a qualquer outra forma de escrita, eu já vinha lamentando que a Flip 2010 não seja uma das mais cintilantes nesse aspecto, e não só no caso dos brasileiros. Menos ainda se tornou…

Flip, cada um faz a sua
Vida literária / 30/07/2010

Se você está indo à Flip pela primeira vez, talvez não saiba que quando ela nasceu, em 2003, a graça era sentar no banco da praça ao lado do Julian Barnes e puxar um papo de papagaio. Eu não estava lá, o que até hoje lamento de modo amargo. Contam que a caipirinha de Maria Izabel jorrava em fontes, as pousadas estavam repletas de vagas e as plateias contavam-se em dezenas, todo mundo confortavelmente abrigado na intimidade de um auditório de província. Era grande a lista do que ainda não existia: megatendas, setecentos programas paralelos, restaurantes lotados, multidões serpenteando pelas vielas noite adentro atrás de uma mítica Festa Perfeita, gente à beça que nunca leu nem Paulo Coelho em busca de alguma forma de diversão. Parati era pacata como sempre tinha sido, aquelas pedras inacreditáveis tentando torcer seu tornozelo a cada dois passos, mas de repente você podia topar, sei lá, com um coroa americano tentando vender uma bola de beisebol usada e você olhar e o cara ser o Don DeLillo, mas ele estava pedindo alto demais pela bola de beisebol e você seguia em frente – gringo metido a esperto. Naquela primeira Flip, tão pré-historicamente romântica que até…

Lucia Riff sobre o ‘affair’ Wylie: agente não é editor

O mercado editorial americano foi sacudido na semana passada por um terremoto que promete se desdobrar em novos abalos no futuro próximo, à medida que as placas tectônicas se ajustarem num ambiente de negócios que o revolucionário livro digital, até ano passado pouco mais que uma curiosidade e uma promessa, começa finalmente a redesenhar na marra. No epicentro do fenômeno está o agente literário Andrew Wylie, de Nova York, um peso pesado que representa autores como Philip Roth e Martin Amis e, entre as obras de escritores mortos, as de Vladimir Nabokov e Jorge Luis Borges. Wylie anunciou a criação de um selo próprio, o Odyssey, para lançar versões digitais de títulos que, presos a editoras tradicionais por contratos de edição em papel, não tinham a seu juízo – por terem sido contratados antes de 2000, quando o e-book não existia no horizonte – seus direitos digitais cedidos a ninguém. Só que as grandes editoras pensam diferente. A Random House divulgou uma nota violenta declarando que não fechará nenhum novo contrato com a Wylie Agency “enquanto essa situação não for resolvida”. O que, tudo indica, só ocorrerá nos tribunais (mais sobre o caso aqui e aqui, em inglês). A Odyssey…

Rushdie está escrevendo memórias da ‘fatwa’
Pelo mundo / 23/07/2010

Em sua segunda participação na Flip, mês que vem, o escritor indiano-britânico Salman Rushdie terá na agenda oficial o lançamento (pela Companhia das Letras) do romance “Luka e o fogo da vida”, uma continuação de “Haroun e o mar de histórias” (que está sendo relançado pela Companhia de Bolso). Não duvido, porém, que um livro ainda inexistente do autor acabe por roubar a cena em Parati. Em fevereiro deste ano, Rushdie tinha anunciado a intenção (aqui, em inglês) de escrever um livro de memórias centrado na experiência radical de viver entocado e cercado de guarda-costas depois que, há 21 anos, a fatwa decretada pelo aiatolá Khomeini declarou seu livro “Os versos satânicos” ofensivo ao Islã e o transformou em cabra marcado para morrer. A novidade, revelada pelo próprio Rushdie na semana passada, num evento promovido pela revista “Granta”, é que o livro já está sendo escrito, com a intenção primeira de “acabar com os mitos” que cercam seu período na clandestinidade. Entre eles, segundo uma amiga, o de que o colega Ian McEwan o teria acolhido em casa por uma longa temporada no auge do perigo, quando a verdade é que os dois se limitaram a jantar juntos uma vez….

Tweetuivo
Pelo mundo / 19/07/2010

Eu vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela concisão, pela conectividade excessiva, emocionalmente famintas de atenção, arrastando-se por comunidades virtuais às três da manhã em meio a pizza velha e sonhos negligenciados, à procura de um raivoso sentido, qualquer sentido, antenados que usam o mesmo boné ansiando pela aprovação conjunta e cética do dínamo holográfico projetado na tecnologia da era, que feridos e atordoados por conexões ruins e recessão ficaram acordados até tarde microconversando na escuridão sobrenatural de cafés com wi-fi liberado… E por aí vai. O texto inteiro (em inglês) está aqui. Essa paródia do poema “Uivo”, obra-prima de Allen Ginsberg, é assinada por Oyl Miller e leva o título de “Tweet”. Saiu na revista eletrônica McSweeney. Achei o texto brilhante, ao mesmo tempo engraçado e lúgubre. Qualquer um que já tenha visto as horas – e horas e horas – escorrerem entre os dedos no Twitter entenderá o que Miller quer dizer.

Os melhores começos inesquecíveis (II)

O primeiro parágrafo de “O estrangeiro” (Record, tradução de Valerie Rumjanek), novela que lançou em 1942 as bases da reputação do escritor franco-argelino Albert Camus como ficcionista-ensaísta-filósofo, é mais que um começo inesquecível. É a epígrafe de uma época e um insistente eco no fundo de parte significativa da literatura escrita desde então. Mersault, o enigmático narrador que entra em cena relatando com indiferença a morte da mãe, matará em seguida um árabe pelo mais fútil dos motivos e acabará condenado por ser incapaz de sentir – ou mesmo simular – arrependimento. Símbolo de um tempo de desconexão radical entre o eu e o mundo? Certamente, entre outras leituras possíveis. Mas o achado maior de “O estrangeiro”, que torna tão matadores seus primeiros acordes, é a voz de Mersault, seu estilo distanciado, de frases curtas e com pouco espaço para a reflexão. Jean-Paul Sartre, primeiro e principal analista (e avalista) do livro, definiu esse estilo como composto de “frases separadas umas das outras pelo vácuo”, como se “o mundo fosse destruído e renascesse a cada frase”. Mais tarde, Camus teria alegadamente reconhecido no tom de “O estrangeiro” a influência da literatura policial hard-boiled americana dos anos 1930, em especial a…

Eu escrevo como Lovecraft?
Pelo mundo / 14/07/2010

I write likeH. P. Lovecraft I Write Like by Mémoires, Mac journal software. Analyze your writing! Não, eu não creio que escreva como Lovecraft. Mas é o que garante o certificado acima, oficial e conquistado em jogo limpo com a ferramenta I Write Like (Eu Escrevo Como), a mais nova brincadeira a levantar marolas no pântano da web literária. “Confira ao de que escritor famoso seu modo de escrever se assemelha com essa ferramenta de análise estatística, que leva em conta sua escolha vocabular e seu estilo e os compara aos dos autores famosos”, diz a página inicial. Abaixo desses dizeres cola-se um bloco de texto, aperta-se um botão e… Bobagem? Claro que é. Mas uma bobagem divertida e intrigante. Com certeza vai me obrigar a reler o velho Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) para conferir se existe mesmo algum sentido na “análise estatística” que encontrou semelhanças entre meu estilo e o do mestre americano do fantástico e do horror. Quem quiser brincar deve levar em conta que a ferramenta, infelizmente, só aceita textos em inglês – usei um trecho da tradução de meu conto “O homem que matou o escritor” (The man who killed the writer), publicado na revista eletrônica…

Para escrever uma boa resenha
Vida literária / 12/07/2010

Pensando em como ajudar os leitores que quiserem participar do concurso de resenhas promovido aqui no vizinho “Veja Meus Livros” (saiba mais), lembro-me das cinco regras para uma boa crítica jornalística formuladas há décadas pelo escritor americano John Updike, que morreu ano passado. Uma resenha no fundo é um gênero fundamentalmente livre. Ressalvada a obrigação de trazer informações básicas sobre o livro em questão, vai ser tão boa quanto a leitura de quem a escreve. Isso quer dizer que não se trata de uma receita a ser seguida passo a passo, mas vale pelo menos refletir sobre os toques do autor do recém-relançado (pela Companhia de Bolso) “As bruxas de Eastwick”: 1. Tente entender o que o autor quis fazer, e não o culpe por não conseguir fazer aquilo que não tentou. 2. Transcreva trechos da prosa do livro em extensão suficiente – pelo menos uma passagem mais longa – para que o leitor da resenha possa formar sua própria impressão. 3. Confirme sua descrição do livro com uma citação do próprio, mesmo que só uma frase, em vez de fazer apenas um resumo vago. 4. Vá devagar com o resumo da trama, e não entregue o fim. 5. Se…

Os melhores começos inesquecíveis (I)

Desde os primeiros tempos do Todoprosa, que estreou há mais de quatro anos no extinto site “NoMínimo”, a seção “Começos inesquecíveis” foi sua marca mais forte. Não é difícil imaginar por quê. Em primeiro lugar, lembrar os grandes inícios da história do romance é uma forma de sugerir leituras do modo mais saboroso que existe, isto é, oferecendo pequenas provas. Se o começo agradou, por que não tentar o livro inteiro? Aberturas lapidares, afinal, são concebidas precisamente com este fim principal, manter o leitor lendo. O que leva àquela que acredito ser a segunda razão do sucesso dos “Começos inesquecíveis”: o fascínio de ver se desenrolar essa mágica que não tem fórmula, que pode assumir mil feições, da simplicidade absoluta ao rebuscamento mais vertiginoso, mas que certamente é mais necessária do que nunca num mundo que vê a multiplicação diária de textos pedindo para serem lidos, enquanto nosso tempo, que não espicha, endurece o jogo. Como manter o leitor lendo? A abertura perfeita, capaz de fisgar qualquer um desde a primeira palavra, é obviamente um mito. Tentar se aproximar dela é o que vale. Esta nova fase dos “Começos inesquecíveis” na Veja.com me apresentou de cara um problema: como não…

Por que não gostei do ‘Verão’ de Coetzee
Resenha / 07/07/2010

Acabo de confirmar no Google minha impressão inicial de que “Verão” (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira, 280 páginas, R$ 44,50), o mais recente romance do escritor sul-africano J.M. Coetzee, foi um sucesso praticamente unânime de crítica, primeiro no exterior e depois no Brasil. Não faltou sequer o qualificativo de obra-prima para esse estranho livro de memórias ficcionais, o terceiro da trilogia “Cenas da vida na província” (após “Infância” e “Juventude”). Dedicado ao início da maturidade do autor, nele um biógrafo chamado Vincent conduz entrevistas com pessoas que conheceram o “falecido” escritor sul-africano John Coetzee – quatro mulheres e um homem que, de modo geral e discordâncias pontuais à parte, montam um painel desolador do sujeito, retratado como frio, retraído, fisicamente desagradável, socialmente covarde e sexualmente patético. Terreno movediço, como se vê. O que é verdade, o que é ficção? E isso importa? Acho boa a premissa do livro, e o pós-modernismo ululante que poderia afastar certo tipo de leitor não me incomoda – pelo contrário, tendo a ser tolerante com jogos de espelho, fundos falsos, narradores pouco confiáveis e as camadas de ironia que se depositam nesses ambientes. O problema, como sempre, é que premissas só contam…

Bom-mocismo nas letras
Vida literária / 02/07/2010

O post de hoje é um texto longo – longuíssimo, para os padrões da internet. Foi publicado em maio na revista “Veja Especial Mulher”, que retomou o fio de uma edição de 1967 – apreendida por ordem do Juizado de Menores – da extinta “Realidade” para investigar quatro décadas de mudanças na situação da mulher na sociedade brasileira. No caso das letras, a parte que me coube, a pauta acabou virando uma reflexão sobre o tratamento do sexo na literatura, tanto a feminina quanto a masculina. Assunto de Todoprosa, portanto. Então lá vai. * “Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos. Agora somos nós que vamos dizer o que somos.” O grito de guerra de uma personagem de Lygia Fagundes Telles no romance “As meninas”, de 1973, ecoou em milhares de “quartos só delas” – aquilo que a escritora inglesa Virginia Woolf, em um célebre ensaio de 1929, declarou ser fundamental para que as mulheres pudessem escrever, isolando-se dos outros papéis sociais que a sociedade lhes impunha. Por trás de suas portas fechadas, enquanto soprava na janela a ventania do feminismo, as escritoras brasileiras lançaram-se nas últimas quatro décadas à tarefa de contrapor sua própria voz a…