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Pelé e a aura do livro

O mais famoso ensaio do pensador alemão Walter Benjamin, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, pode ter algo a nos dizer sobre este momento em que o povo do livro se divide em tribos, todas em pé de guerra, diante do avanço do livro digital. Há os que acham que o livro de papel logo estará extinto – entre estes, uns festejam, outros choram – e há os que apostam a reputação em sua eternidade, dividindo-se, por sua vez, entre moderados que acreditam numa partilha do mercado e radicais que zombam dos e-books como fogo de palha ou frescura para poucos. Penso em Benjamin enquanto folheio – e desfolho, e desdobro, entre outros verbos que não me ocorrem agora – o recém-lançado “Pelé – Minha vida em imagens” (Cosac Naify, tradução de Bernardo Ajzenberg, R$ 140,00). E se à “aura” da obra de arte original, única, sobre a qual Benjamin teorizava no ensaio de 1936, corresponder em nossa era de reprodutibilidade digital uma aura, não mais de coisa original, mas de coisa-coisa, material, tangível? Nada a ver com a turma que suspira por aí pelo “cheiro do papel”. O apelo sensorial aqui vai muito além do…

Ronaldo Helal: ‘Brasil se crê o mais entendido em futebol’

Se a ficção brasileira, como a de qualquer país, parece tímida ao retratar nossa maior paixão esportiva (veja nota abaixo), não se pode dizer o mesmo da literatura em sentido mais amplo. A produção cultural em torno do futebol, que tem na crônica esportiva seu gênero mais tradicional, vem ganhando nos últimos anos a contribuição da universidade, especialmente na área de sociologia. Em entrevista por e-mail, um dos representantes dessa tendência, Ronaldo Helal – doutor em sociologia pela New York University, professor de pós-graduação em comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de “Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil”, entre outros livros – tem uma tese para o eterno choro sobre o relativo silêncio de nossos escritores diante do futebol, de resto semelhante ao dos escritores de países não menos vidrados no esporte: “A diferença é que os brasileiros se creem os mais apaixonados e entendidos no assunto”. 1. A imprensa e a crítica literária vivem estranhando que o Brasil nunca tenha produzido seu “grande romance do futebol”. Isso faz algum sentido? Literatura combina com esporte? – Veja que em 1919 Lima Barreto fundou a “Liga Anti-Futebol” e dois anos depois…

O Grande Romance do Futebol e outras lendas

Onde está o Grande Romance do Futebol Brasileiro? Por que nossos escritores perebas não conseguem fazer justiça a essa porção tão risonha e límpida da alma nacional? A questão vive rondando a fronteira entre a crítica literária e o departamento de vigilância da auto-estima brasileira. A cada Copa do Mundo, ressurge com ares de grande sabedoria para rechear cadernos literários, blogs e seminários. Convocados a explicar o fenômeno, os sábios de plantão costumam se dividir em dois times: o dos que consideram os escritores brasileiros elitistas demais para dar bola para o tema e o dos que consideram os escritores brasileiros competentes de menos diante da magnitude do tema. De uma forma ou de outra, culpados. Mas será que o Grande Romance do Futebol Brasileiro (daqui em diante GRFB, para facilitar) é essa grande lacuna porque, como diz o antropólogo Roberto DaMatta, os elitistas intelectuais brasileiros “detestam o futebol” – logo eles, com sua forte corrente populista encabeçada por ninguém menos que Jorge Amado? Ou seria porque, nas palavras do crítico Silviano Santiago, “o imaginário sobre futebol no Brasil é um espaço tão complexo, tão amplo e tão multifacetado” que provoca a falência dos projetos estéticos que dele se aproximam…

CONTAGEM REGRESSIVA
NoMínimo / 11/06/2010

Paciência, pessoal. O novo Todoprosa, uma das atrações do novo Veja.com, voltará a ser atualizado em breve neste endereço. Até lá!

Notícias de uma guerra literária
NoMínimo / 12/05/2010

Sob o título “Duas elites”, o “Rascunho” traz um bom artigo de Luiz Bras (mais conhecido como Nelson de Oliveira) sobre a guerra entre alta literatura e literatura de gênero. Trata-se – e o autor é o primeiro a admitir isso – de uma caricatura, um quadro em preto e branco que ignora “todas as gradações, todos os matizes”. Isso não diminui o valor do texto. Caricaturas são perfeitas para expor o ridículo de personagens e situações. Como se pode ver pelas listas de “critérios” dos dois lados que Bras expõe: Critério da elite acadêmica: 1. Linguagem original, conotativa, que não possa ser atribuída a outros escritores do presente e do passado, por vezes avessa à norma culta. O autor deve se expressar de maneira única, inaugurando seu próprio modo poético. 2. Subjetivismo. Narrador modernista, tortuoso ou fragmentário, psicológico, pouco confiável, às vezes delirante. 3. Enredo frio, pobre em ação, sem muitas peripécias ou surpresas, próximo da vida comum. A forma literária é mais importante do que o conteúdo. 4. O mundo interior do protagonista e das personagens é mais importante do que seu mundo exterior. 5. Fuga do gênero a que (supostamente) pertence. Faz parte do desejo supremo de…

Que livro você aprenderia de cor?
NoMínimo / 10/05/2010

No terreno cada vez mais batido da interatividade internética, o pessoal do Papeles Perdidos (em espanhol), blog do “Babelia”, encontrou um cantinho original: perguntar aos leitores que livro eles memorizariam para salvar do fogo, como se fossem aqueles heróis da resistência de “Farenheit 451”, de Ray Bradbury. Cerca de oitenta livros ganharam menção. O título mais citado, com oito votos, foi “Cem anos de solidão”. Em seguida vieram “O apanhador no campo de centeio”, “Dom Quixote” e “O jogo da amarelinha”, com quatro votos cada um. A turma dos três votos teve “A Divina Comédia”, “A ilha do tesouro”, “A origem das espécies”, a “Ilíada”, “Os miseráveis” e, sim, “O pequeno príncipe” – este, disparado, o mais fácil de decorar. Será que daria no mesmo perguntar simplesmente ao leitor qual é a sua obra literária preferida de todos os tempos? Talvez sim, mas tenho minhas dúvidas. O peso absurdo de eleger um único livro para aprender de cor – ou seja, de coração – e salvar do aniquilamento completo parece fazer com que a escolha seja no mínimo mais ponderada. Eu, por exemplo, ainda não consegui decidir o meu. E você?

Começos inesquecíveis: Alejo Carpentier

De prata as delgadas facas, os finos garfos; de prata os pratos onde uma árvore de prata lavrada na concavidade de suas pratas juntava o suco dos assados; de prata as fruteiras, com três bandejas redondas, coroadas por uma romã de prata; de prata as jarras de vinho marteladas pelos artesãos da prata; de prata as travessas de peixe com seu pargo de prata inflado sobre um entrelaçamento de algas; de prata os saleiros, de prata os quebra-nozes, de prata os covilhetes, de prata as colherinhas com iniciais lavradas… E tudo isso ia sendo levado pausadamente, cadenciadamente, cuidando para que prata não esbarrasse em prata, rumo às surdas penumbras de caixas de madeira, de engradados ao aguardo, de arcas com fortes ferrolhos, sob o olhar vigilante do Amo que, de roupão, só fazia a prata ressoar, vez por outra, ao urinar magistralmente, com jorro certeiro, copioso e percuciente, num penico de prata, cujo fundo era adornado por um malicioso olho de prata, logo ofuscado por uma espuma que, de tanto refletir a prata, acabava por parecer prateada… Eis os primeiros acordes de “Concerto barroco” (Companhia das Letras, 2008, tradução de Josely Vianna Baptista), novela lançada em 1974 pelo cubano Alejo…

‘Pornopopéia’ em Parati
NoMínimo / 06/05/2010

O escritor Reinaldo Moraes, autor do ótimo “Pornopopéia”, da editora Objetiva (leia aqui trecho publicado neste blog na época do lançamento), está confirmado na Festa Literária Internacional de Parati (Flip). Ainda não anunciado oficialmente, Moraes é o 18.º nome a garantir presença num elenco que tem como maiores estrelas Salman Rushdie, que já esteve na cidade em 2005, e Robert Crumb. Como Rushdie, Moraes também é reincidente. Em 2006, formou com André Sant’Anna e Lourenço Mutarelli uma mesa chamada “Do amor e outros demônios”, que explorava uma certa aura de marginalidade e “sujeira” comum aos três autores – Moraes pode ser considerado o patrono brasileiro do estilo por seu “Tanto faz”, lançado pela Brasiliense em 1981. Desta vez, não haverá rótulos mercadológicos. Melhor assim, pois “Pornopopéia” está acima disso.

Rimbaud e a maldição de ser ‘maldito’
Resenha / 05/05/2010

Acontece no roteiro das leituras como em qualquer tipo de roteiro, sentimental, profissional ou turístico: de repente o inesperado faz uma surpresa, como diria Johnny Alf. Foi assim, fisgado por uma espiada despretensiosa na primeira página, que suspendi a conversa com livros mais urgentes para dar cabo em dois dias do excelente “Rimbaud – A vida dupla de um rebelde” (Companhia das Letras, tradução de Marcos Bagno, 192 páginas, R$ 35,00). Meu interesse por informações biográficas de artistas costuma ser escasso. Nada no mundo me faria percorrer, por exemplo, as quase 800 páginas do prestigiado “Genet: uma biografia” (Record, tradução de Alves Callado, R$ 92,90), do mesmo Edmund White, lançado aqui em 2003. Mas Rimbaud não é Genet – por mais que os dois possam ter em comum, além da nacionalidade francesa, a aura de malditos e a homossexualidade – e o livrinho sobre o pioneiro da poesia moderna não é bem uma biografia. “Rimbaud” é um perfil leve e livre, entre o jornalismo e o ensaio, conduzido pela inteligência e pela sensibilidade de White. Eu o li como um romance. Como quase todo mundo que se pretendia escritor, pelo menos na minha geração, devorei Rimbaud aos vinte anos e…

Marçal Aquino: ‘A literatura é a minha casa’

Marçal Aquino é, no meu caderninho, o melhor contista brasileiro a surgir depois da geração de Luiz Vilela, Sérgio Sant’Anna e Sergio Faraco. Um cara como ele assinar os roteiros (em parceria com o também escritor Fernando Bonassi) de uma série da TV Globo – “Força-Tarefa”, que vai ao ar nas noites de terça-feira – traz imediatamente à lembrança a experiência da ótima série policial americana “The Wire” (2002-2008), que tinha entre seus autores George Pelecanos, Dennis Lehane e Richard Price. Já em sua segunda temporada, a linguagem de “Força-Tarefa”, no entanto, não é uma novidade completa para Marçal, um experiente roteirista de cinema. É nessa área que ele tem novidades para contar: a adaptação de seu romance “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” começa a ser rodada pelo diretor Beto Brant em agosto, no interior do Pará, com Gustavo Machado e Camila Pitanga nos papéis centrais. Também em agosto estréia a adaptação de “Cabeça a prêmio”, com direção de Marco Ricca. 1. Você tem uma frase famosa sobre os leitores de literatura brasileira formarem uma seita. Qual é a principal diferença entre escrever para uma seita e escrever para os fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana?…

A crítica de mal com a literatura
NoMínimo / 01/05/2010

O interessante artigo de Flora Süssekind publicado na última edição do Prosa & Verso, sob o título “A crítica como papel de bala”, investe contra o “conservadorismo” e o “beletrismo” que sua autora julga hegemônicos no atual cenário da crítica literária brasileira – ou talvez devêssemos chamá-lo de ambiente de recepção de livros, pois o pensamento crítico anda mesmo um tanto anêmico. Esse ambiente, argumenta ela, vive um momento de certa efervescência com seus festivais, prêmios, oficinas, blogs e resenhas breves, eminentemente jornalísticas, mas falta-lhe o tutano de um pensamento articulado e independente que resgate a “dimensão social” da literatura. O curioso é que, num caso clássico de ponto cego, Sussekind parece sincera ao deixar de perceber que o grande elemento faltante nesse ambiente, a crítica universitária de fôlego que ela própria representa, retirou-se do debate porque quis. Como bom exemplo do pensamento literário hoje dominante na universidade, inclusive no estilo árido e calibrado para afugentar leigos, Süssekind, reconheça-se logo, está de mal com a literatura contemporânea. Brigou com ela. Os exemplos de novidade estética que aplaude em seu artigo incluem, ao lado do poeta Carlito Azevedo e seu notável “Monodrama”, uma diretora de teatro, um músico e um artista…

Começos inesquecíveis: Siri Hustvedt

Ontem, encontrei as cartas que Violet escreveu para Bill. Estavam escondidas entre as páginas de um dos livros dele, de onde escorregaram e caíram no chão. Embora eu já soubesse da existência dessas cartas fazia anos, Bill e Violet nunca me contaram o que havia nelas. Contaram, no entanto, que minutos depois de ter lido a quinta e última carta, Bill mudou de idéia sobre seu casamento com Lucille, saiu pela porta do prédio da Greene Street e foi direto para o apartamento de Violet, no East Village. Quando segurei aquelas cartas com minhas mãos, senti que tinham o peso misterioso das coisas encantadas por histórias que já foram contadas e recontadas uma infinidade de vezes. Enxergo muito mal atualmente e levei um tempo enorme para conseguir lê-las, mas acabei conseguindo distinguir cada palavra. Quando guardei de novo as cartas, sabia que começaria a escrever este livro hoje. Mais conhecida por aqui como “a mulher do Paul Auster”, a americana de ascendência norueguesa Siri Hustvedt mostrou em “O que eu amava” (Companhia das Letras, 2004, tradução de Sonia Moreira), seu terceiro romance e o primeiro lançado no Brasil, que tem voz própria e madura. O tijolo de 500 páginas sobre…

Twitter, o maior clube de leitura do mundo
NoMínimo / 29/04/2010

Este artigo (em inglês) de Viv Groskop no site do jornal “Daily Telegraph” defende bravamente uma tese com a qual, para minha surpresa, estou cada vez mais de acordo: o Twitter é o “paraíso dos viciados em livros”. O texto invoca em seu apoio uma frase de Margaret Atwood, aliás, @MargaretAtwood, ela própria tuiteira: “Fui tragada pela Twittersfera como Alice pela toca do coelho” – 67 toques no original, 60 na tradução. A conclusão de Groskop tem tudo para surpreender os que, como eu mesmo até poucos meses atrás, ainda consideram o Twitter um modismo tolo e superficial, talhado para quem tem tempo demais e obrigações de menos, onde proliferam mensagens de importância capital como: “Bom dia, tô comendo granola com mel!” ou “O motorista do ônibus que eu peguei pra vir pro trabalho é os cornos do Léo Moura”. Não é que os recados irrelevantes não estejam lá. Provavelmente são maioria. O que os detratores do Twitter não percebem é que a coisa tem a cara do dono. Tudo depende, claro, de quem você segue. O artigo do “Telegraph” lembra que a rede está cheia de escritores de verdade – @paulocoelho é um dos citados – tuitando e sendo…

‘Solar’ prova que humor é coisa séria
Resenha / 28/04/2010

A indicação de “Solar”, o novo livro de Ian McEwan, para o prêmio britânico Wodehouse (homenagem ao escritor P.G. Wodehouse), dedicado exclusivamente à ficção cômica, é uma rara ponte sobre o abismo que parece estar se alargando no mundo inteiro – e certamente no Brasil – entre a “literatura séria” e o humor. “Solar” não é um livro de piadas e seu autor, definitivamente, não está para brincadeiras. Mas será engraçado mesmo o romance em que McEwan satiriza a luta de um físico famoso para salvar o planeta do aquecimento global? Pode apostar que sim. Lançado há cerca de um mês e ainda não traduzido no Brasil (leia a resenha que escrevi para o iG aqui), “Solar” não me provocou uma única gargalhada. Não se trata desse tipo de comédia. Em lugar disso, o que temos é uma longa sucessão de trechos angustiantes e risinhos mais ou menos nervosos, desses que não iluminam a sala nem lavam a alma, mas acendem clarões na cabeça. O anti-herói Michael Beard, prêmio Nobel de Física, corre – isto é, até o ponto em que sua carcaça baixinha e roliça lhe permite correr – para livrar o mundo de uma catástrofe, ao mesmo tempo…

Wendy, Wendy
NoMínimo / 26/04/2010

A confirmação da cubana Wendy Guerra na Flip não poderia ofuscar a do lendário quadrinista americano Robert Crumb, mas, por razões alheias à qualidade artística, chegou perto. A autora de “Nunca fui primeira-dama” – seu primeiro romance traduzido no Brasil, a ser lançado esta semana – é uma ex-apresentadora de programa infantil de TV que já posou nua por amor à arte. É também uma escritora séria cujos romances permanecem inéditos em seu país. O posto de musa da Flip 2010 já tem dona.

Curiosidades etimológicas: Escambau
A palavra é... / 24/04/2010

O leitor Igor Felipe, do Recife, gostou da palavra “escambau”, que usei outro dia, e pergunta por seu “significado e origem”. “Desde pequeno escuto essa palavra mas só descobri sua grafia na sua coluna”, diz Igor, acrescentando já ter visto por aí as formas “iscambau”, “uscambau” e “scambau”. “Escambau” – grafada assim nos dicionários – é uma das minhas gírias antiguinhas de estimação. Leva a data de 1950 no Houaiss, mas tem o misterioso poder de conservar um certo frescor. Não faz o falante parecer recém-saído de uma câmara criogênica, como ocorre com “jóia”, “brasa”, “bokomoko”. O sentido de “o escambau” é, como se sabe, “mais um monte de coisas” – uma espécie de “etc.” menos formal e mais enfático. Também é possível encontrar a palavra, com menos freqüência, num papel que costuma ser assumido por palavrões. Exemplo: “Ingênuo, eu? Ingênuo é o escambau!” Sua origem é controversa, mas a tese que soa mais plausível deriva a palavra de “cambada” (porção de coisas, cambulhada). O Houaiss, sempre ele, explica como isso teria ocorrido: “com alteração de sufixo para -al, ‘grande quantidade’, e depois grafado com -u, seguindo a pronúncia do -l final, predominante no Brasil”. Publicado no “NoMínimo” em 28/8/2006.

Começos inesquecíveis: Gabriel García Márquez (II)

No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros. “Sempre sonhava com árvores”, disse-me sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda-feira ingrata. A seção Começos inesquecíveis estava de férias desde outubro do ano passado, quando seu primeiro ciclo foi fechado com a eleição, pelos leitores do blog, da abertura de “Ana Karenina”, de Leon Tolstoi, como o mais memorável entre os começos memoráveis da literatura. Um dos concorrentes de Tolstoi na ocasião foi, é claro, Gabriel García Márquez com a primeira frase de “Cem anos de solidão”. Considerado por muitos vítima de uma injustiça, faz sentido que o colombiano ganhe agora mais uma chance de entrar no jogo, na segunda edição da enquete que o futuro nos reserva, e o privilégio de inaugurar a nova temporada de aberturas literárias brilhantes do Todoprosa. O começo de “Crônica de uma morte anunciada” (Record, tradução de Remy Gorga, filho) pode não ser tão sensacional quanto…