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Autografa o meu Kindle?
NoMínimo / 17/06/2009

David Sedaris, o autor de “Veludo cotelê e jeans”, que já andou passeando em Parati, foi recentemente visto – e fotografado – autografando as costas de um Kindle a pedido de um leitor. O “New York Times” diz que isso não é tão incomum, apenas um sinal dos tempos. E Sedaris acrescenta que a experiência é tranqüila comparada à do jamegão que certa vez pespegou na perna mecânica de uma leitora. Fica por minha conta a suposição de que a moda de autografar Kindles pode até pegar, desde que o rabisco absurdamente analógico na superfície do maior símbolo da leitura digital seja também ele digitalizado como fotografia, antes de ser sugado pelos poros de um Perfex.

Carta ao bisneto
Sobrescritos / 16/06/2009

Meu querido Zeca, Por ocasião de teu aniversário de dúzia, ocasião tão venturosa quão promissora, endereço-te algumas palavras repletas das mais puras intenções. Teu bisavô não dura um ano; quando muito dois, se calhar, como imagino que saibas. Mas não transporei o Aqueronte naquela barca fatal sem antes deixar-te nesta margem um saquinho com as parcas pepitas que – garimpeiro inábil que fui, mas de longuíssimo curso – me foi dado amealhar. Pois não andam teus pais exultando diante do talento bruto que vislumbram em teus primeiros esforços de expressão literária? Perdoa este velho tão velho, para quem a velhice já é eufemismo: pouco entendo do mundo contemporâneo. Contam-me que pertences a um grupo de vanguardistas precoces chamado, creio, MSN, ou outra dessas siglas que o Zeitgeist favorece. Não sei o que isso possa significar em termos de filiação estética, e confesso que o exemplo textual com que meus netos pimpões ilustraram seu argumento carecia de nexo; talvez lhe faltasse uma página, ou vinte letras, e certamente faltava revisão; será isso, ou meus óculos andam vencidos. Mas pouco se me dá, Zequinha. Só me importa que, tendo submetido por toda a vida esta carcaça e esta moringa à faina inconsútil…

Começos (ainda) inesquecíveis: Italo Calvino

Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. A primeira frase de “As cidades invisíveis”, obra-prima lançada em 1972 por Italo Calvino (Companhia das Letras, tradução de Diogo Mainardi, 1990), pode não parecer, em si, inesquecível. É preciso ler esse espantoso conjunto de relatos de viagem por cidades imaginárias para descobrir que é, sim. Publicado em 4/6/2007.

Palavra
A palavra é... / 13/06/2009

Segundo o site da BBC Brasil, a empresa americana Global Language Monitor (GLM), que mede a ocorrência de vocábulos na rede mundial de computadores, anunciou que a língua inglesa acaba de ganhar sua milionésima palavra: Web 2.0. A “descoberta” foi criticada por dicionaristas, mas nem chega a se qualificar como polêmica: sua falta de rigor fica evidente no fato de que Web 2.0 não é sequer uma palavra, mas uma locução composta de uma palavra e dois algarismos. Isso lança descrédito sobre outra informação da GLM, a de que o inglês ganha um novo vocábulo a cada 98 minutos. É inegável, porém, que a língua de James Joyce – para citar um escritor que gostava de inventar palavras – leva vantagem quantitativa quando se trata de vocabulário. Enquanto o inglês aspira a um número de sete dígitos, o maior dicionário da língua portuguesa, o Houaiss, tem cerca de 228.500 verbetes. Uma prova de subdesenvolvimento do português? Vamos com calma. Latim contemporâneo, o inglês é o idioma em que a maioria das inovações técnicas e científicas dos últimos cem anos foi batizada primeiro. Se o critério numérico impressiona os desavisados, está longe de medir saúde linguística. Grande parte dessa “riqueza” é…

Herr Donald
NoMínimo / 12/06/2009

Como alguém que aprendeu a ler – literalmente – com o Pato Donald, nas revistinhas que lançaram as fundações do império Abril, gostei de saber (via Arts & Letters Daily) que a decadência cultural do sobrinho de Patinhas e de todos os habitantes de Patópolis não chegou à Alemanha, onde ele continua sendo um gigantesco ícone pop. Mais engraçado ainda é descobrir que a tradução tedesca sempre fez de Donald um pato culto dado a citações de Goethe e Schiller. Quack!

Reinaldo Moraes: ‘Pornopopéia’
Primeira mão / 10/06/2009

É difícil dar uma idéia, para quem não estava na área naquele momento, do que significou o lançamento do livrinho “Tanto faz”, de um então recém-balzaquiano Reinaldo Moraes, pela editora Brasiliense em 1981. Para nós, a quem cabia desempenhar o papel de “novíssima geração” do momento, era como se a história do desbunde de um bolsista brasileiro em Paris finalmente introduzisse na literatura brasileira uma sintaxe, um vocabulário, um humor, uma sujeira, uma inteligência e uma falta de modos que atualizavam por aqui, de um golpe só, todo o lado B do século 20, de Knut Hamsun aos Beats. Sim, tínhamos coisas pop como “PanAmérica” de José Agrippino e “Catatau” de Leminski, entre outras, mas “Tanto faz” era diferente. Lia-se sem nenhum tropeço, puro prazer. Não soava como experimentalismo ou como a busca consciente – e inevitavelmente impostada – de uma voz “jovem”. Aquilo parecia natural no cara. Ainda parece. O caminho aberto por “Tanto faz” teve seguidores em penca, a ponto de a “sujeira” ter se tornado um terreno minado por seus próprios clichês, numa espécie de beletrismo em negativo. Demorou (pelo menos para mim, que passei batido por “Abacaxi”, seu segundo romance), mas o que já li do…

Duas penas e dois martelos
NoMínimo / 09/06/2009

Dois casos inteiramente desconectados levam a literatura aos tribunais. J.D. Salinger, o recluso autor de “O apanhador no campo de centeio”, está processando um escritor – aparentemente sueco, embora só se conheça seu pseudônimo, John David California – que escreveu um romance chamado 60 years later: coming through the rye. Programado para sair em breve na Inglaterra e nos EUA, o livro de California seria uma seqüência não autorizada da obra mais famosa do eremita de 90 anos, que há 45 não publica uma linha. A ação requer o “recolhimento e destruição” do livro. Na revista eletrônica “Slate”, Ron Rosenbaum especula, só meio a sério, se California não seria um pseudônimo do próprio Salinger, que estaria processando a si mesmo. Menos graça tem o caso em que a escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de “A casa das sete mulheres”, processa por danos morais o blogueiro Milton Ribeiro, que, bem no estilo do meio, andou soltando alguns cachorros em cima dela. Um dos cachorros de Ribeiro tinha um latido comicamente duvidoso (“Vierschoschoten”) que muita gente pode condenar. Mas não foi para outra coisa que inventaram uma garantia chamada liberdade de expressão – se fosse para expressar sempre em termos moderados aquilo…

Começos (ainda) inesquecíveis: Gabriel García Márquez

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Muitos anos depois, quando lhe perguntassem por que o começo de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), um dos mais inesquecíveis de quantos possam ser assim chamados, demorou tanto a figurar naquela inesquecível seção, o autor do blog haveria de responder com um sorriso: “Não é óbvio?”. Publicado em 10/9/2007.

Algazarra
A palavra é... / 06/06/2009

“Eu tenho muitos filhos, e toda vez que o pai sai de casa, a meninada faz algazarra.” Foi o que Lula disse na Guatemala sobre os conflitos em seu ministério, centrados na insatisfação do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com alguns de seus colegas. Depois da declaração infeliz em que comparava a procura de uma caixa-preta no fundo do mar à prospecção de petróleo em águas profundas, a tirada da algazarra representou a volta do presidente à boa forma oratória, uma das chaves de sua popularidade – a capacidade de dar um tom íntimo e familiar às mais cabeludas questões de Estado. Algazarra é uma antiga palavra portuguesa (sua certidão de nascimento traz a data do século 15) vinda do árabe, como tantas outras que compartilham com ela a sonoridade e a idade avançada: almofada, açúcar, armazém, alface, alcachofra, algoz, algodão. Vinda de al-gazara, “gritaria, ruído com ira”, era usada de início com um sentido bélico hoje em desuso: designava os gritos de guerra que os exércitos mouros lançavam no início das batalhas. Não é a esse tipo de algazarra que Lula se refere – embora a imagem de aguerrimento possa agradar a Minc – e sim ao significado…

Oficina literária ensina a escrever?
NoMínimo / 05/06/2009

Algumas questões parecem voar no ar dos tempos. O “Rascunho” que começou a circular nos últimos dias (ainda indisponível online) traz uma longa entrevista comigo em que, entre outros assuntos, o editor Rogério Pereira lança o da eterna dúvida sobre a eficiência das oficinas de criação literária na formação de escritores. Por coincidência, e guardadas algumas proporções, a mesma questão anima um ótimo artigo da “New Yorker” (em inglês, acesso gratuito) publicado ontem pelo crítico Louis Menand. Vamos primeiro à pergunta do Rogério, seguida da minha resposta: Há uma grande quantidade de oficinas de criação literária espalhadas pelo país. O senhor acredita na capacidade destas na “formação” de escritores? Nenhum curso ou oficina jamais vai transformar um não-escritor em escritor, mas pode – nos casos de não-picaretagem, naturalmente, e para isso é preciso pesquisar bem o mercado antes de fazer a matrícula – ajudar a lapidar talentos, além de propiciar uma convivência com seus pares que seja muito produtiva. Por que não? Num esquema mais profissional e institucionalizado, os cursos de creative writing nos EUA podem se gabar de ter algumas estrelas entre seus ex-alunos, como Michael Chabon. No Brasil, ficaram quase lendárias as oficinas de Assis Brasil no Sul,…

O livro proibido de Tezza (final)
NoMínimo / 03/06/2009

Colocado no centro dessa fogueira de paspalhos, faço um apelo: por favor, não me adotem. Não sou um escritor de confiança. Cristovão Tezza, na “Gazeta do Povo”, comentando o caso do seu livro recolhido da rede escolar em Santa Catarina.

E o prêmio de maior perdedor vai para…
NoMínimo / 02/06/2009

Acho difícil entender por que alguém iria querer passar suas horas de leitura na companhia dos virtuosos, dos realizados e dos capazes quando o fracasso é tão mais interessante – e, infelizmente, muito mais comum. Hoje em dia nós os chamamos de anti-heróis (é mais educado), mas para mim eles sempre serão os perdedores da literatura. Gostei desta lista de grandes “perdedores” da ficção, publicada pelo BookForum e elaborada por Mark Sarvas, do blog Elegant Variation. Não conheço a turma toda, mas a julgar por Timofey Pnin, de Vladimir Nabokov, por Alec Leamas, de John Le Carré, e por Tommy Wilhelm, de Saul Bellow, a coisa faz sentido. E antes de perguntar quais seriam, na opinião dos leitores do Todoprosa, os principais candidatos brasileiros ao título, uma pequena questão tradutória: dividir a humanidade entre winners e losers, isto é, vencedores e perdedores, é coisa de americano, sim. O que talvez impeça a palavra de viajar bem, mas não a idéia. Aqui chamamos o loser de fraco, fracassado, pobre-diabo, otário, quem sabe bundão. O tipo nunca foi escasso em nossa literatura, pelo contrário. Trata-se apenas de decidir quem vence a disputa. Talvez o Amaro de “Clarissa”, de Erico Verissimo. Ou o…

Começos (ainda) inesquecíveis: Graciliano Ramos

Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa. O intrigante começo de “São Bernardo” (1934), de Graciliano Ramos (39.a edição, Record, 1983), apareceu aqui no blog no distante 20/6/2006. Já estava na hora de voltar.

Bomba
A palavra é... / 30/05/2009

A bomba norte-coreana que explodiu no noticiário da semana traz em seu nome ecos da Grécia antiga. É do grego bómbos – uma palavra de origem onomatopaica, isto é, de imitação de um som natural – que provêm, no fim das contas, todas as bombas e bombs e bombes que tornam minado o vocabulário da maioria das línguas do mundo. Bómbos queria dizer na origem “estrondo seco, trovão”, sentido que passaria ao latim bombus (usado ainda para designar zumbido, além de explosão). A acepção da palavra como máquina de bombear líquidos saiu da mesma fonte, por fazer também ela um barulho infernal. Detonada a primeira bomba, seguiu-se uma reação em cadeia. O inglês foi buscar bomb no francês bombe, que por sua vez viera do italiano bomba. O termo estreou oficialmente em nossa língua em 1572, num verso de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões: “As bombas vêm de fogo, e juntamente/ As panelas sulfúreas tão danosas”. Acredita-se que tenhamos importado o vocábulo do espanhol. Naquele tempo as bombas eram estalinhos comparadas às que o século 20 inventaria. Mesmo assim, no início dos 1700, o pioneiro “Vocabulário Português e Latino” não escondia o assombro com o poder destrutivo da bomba:…

O livro proibido de Tezza
NoMínimo / 29/05/2009

O caso do recolhimento, pelo governo de Santa Catarina, de 130 mil exemplares do livro “Aventuras provisórias”, do catarinense Cristovão Tezza, depois de adquiri-los para distribuição na rede escolar em licitação do ano passado, está bem contado nesta reportagem do “Diário Catarinense”, que ouve todos os lados envolvidos na história. Inclusive uma professora que justifica a proibição com ataques morais ao livro – “chulo e em alguns parágrafos a relação sexual é abordada de maneira banal” – e o próprio escritor, que, elegantemente, evita dar ao caso o tratamento de escândalo censório. Não creio mesmo que se trate disso. É claro que pedagogos têm o direito de escolher o que vão apresentar a seus alunos – mesmo que, no caso presente, a faixa etária de 15 a 18 anos permita supor que as cenas de sexo descritas no romance (a reportagem cita um trecho que menciona sexo oral) contenham pouca ou nenhuma novidade para a quase totalidade deles. O que o imbroglio catarinense me parece deixar evidente, com sua bateção de cabeças entre esferas do mesmo governo, é outro tipo de problema: a dificuldade extrema que o sistema educacional brasileiro tem para lidar com a literatura contemporânea, provavelmente bandeira de…

Quem quer ser um milionário?
Sobrescritos / 28/05/2009

Saudação, amigo de internet! Eu é Sr. Kumbundu Wahaha, um filho de extinto ilustre escritor Sr. Dr. Kuagananga Wahaha, maior de Nigéria. Meu pai tem sido assassinado em Dezembro passado ano, 2008, por fanáticos suportadores de ex-amigo então inimigo de letras, Sr. Tutu T. Pendengas, ilustre não este, bem bastardo como uma questão de fato. A razão que eu escreve, amigo de internet, meu extinto querido pai tem deixado soma de US$ 2.993.345.558,20 (dois bilhão, novecentos noventa três milhão, trezentos quarenta cinco mil, quinhentos cinquenta oito dólares norte-americanos, mais vinte centavos) em conta de ele, fortuna de direitos de cópia de melhor-vendido de ele, “Marfins sangrentos”, de Kuagananga Wahaha. Dinheiro que tem tido bancário bloqueio devido explosiva política situação em Nigéria. Ajuda nós! Caso recebemos número de conta de você em banco, senha, nome completo, eu faz hoje transferência bancária de US$ 2.993.345.558,20, via Switzerland, para amigo de internet! Depois Sr. devolve fortuna e conserva para próprio uso 20% do total valor, isto é, US$ 598.669.111,64 (quinhentos noventa oito milhão, seiscentos sessenta nove mil, cento onze dólares norte-americanos, mais sessenta quatro centavos) por modos de compensando incômodo. Eu, Sr. Kumbundu Wahaha, conta com amizade de Sr. amigo e completa discrição….

Noções de Alice
NoMínimo / 27/05/2009

Você já leu a contista canadense Alice Munro? Eu confesso que não, e convido quem tiver lido a se manifestar aqui nos comentários. O mais-que-prestigioso prêmio Man Booker International que ela ganhou hoje pelo conjunto de sua obra e “contribuição à ficção no cenário mundial”, concorrendo com nomes como Mario Vargas Llosa, V.S. Naipaul e Peter Carey, recomenda jogar logo alguma luz nas trevas da minha ignorância. Munro tem dois livros em catálogo no Brasil: “Fugitiva” (Companhia das Letras, 2006) e “Ódio, amizade, namoro, amor, casamento” (Globo, 2004). Quem tiver pressa e inglês para tanto pode preferir seguir este bom guia de contos disponíveis online, publicado pelo blog de livros do “Guardian”. Vou passear por lá, quem sabe volto ao assunto.