Quando se diz que um banco foi ou está ameaçado de ir à bancarrota – e como se diz isso nos últimos meses, não? –, esbarramos numa sabedoria etimológica que, apesar de óbvia, o hábito mantém trancada no cofre da língua. É que o substantivo bancarrota, existente no português desde o século 16, foi importado do italiano banca rotta, que significa literalmente “banco quebrado”.
Quase um século antes da bancarrota, e vindo do mesmo italiano, tinha desembarcado no português o substantivo banco com o sentido de instituição financeira especializada em depósitos e créditos. Na origem dessa acepção havia uma metonímia, figura de linguagem pela qual se nomeia a parte para designar o todo: banca era a mesa, a bancada em que se realizavam as transações em dinheiro, especialmente empréstimos.
Como se vê, é dessa forma que o sentido financeiro de banco se liga àquela outra acepção do termo, a de superfície (em geral de madeira) usada como assento ou mesa, que é mais antiga e tem prováveis raízes germânicas. Peça de mobília à parte, é um atestado da importância das cidades-Estado italianas como centros financeiros da época o fato de que banca gerou uma inflação de palavras em outras línguas, do francês banque ao inglês bank, do turco banka ao islandês banki.
Depois disso, a metonímia deu lugar à metáfora para impulsionar a carreira da palavra banco. Por analogia com o papel de confiança atribuído aos bancos, o de financiar e garantir determinada atividade, surgiu em nosso idioma, registrado pela primeira vez no início do século 20, o verbo bancar – supostamente sob a influência de um uso informal existente no inglês americano desde fins do século anterior. Outra analogia, esta com o local onde se depositam valores, existe em expressões mais recentes como banco de sangue, de dados e de talentos.
Publicado na “Revista da Semana”.
5 Comentários
Engraçado… Banco de Talentos é ‘quase’ um apelido de Banco de Currículos. Acho que o primeiro é mais bonito para designar um armário duplo, cinza, de lata, daqueles de gaveta com corrimentos enferrujados, que cantam ao serem abertos, e de lá tiradas as pastas pesadas por estarem entupidas, cheias de pastas menores com fichas variadas e distintas avaliações, mas inúteis formas de diferenciação de candidatos… – Opa!… me desculpe: candidatos não: talentos.
Banco de Talentos!… Acho que na literatura chama-se de “Banca” aquelas panelinhas de intelectuais que sempre estão aqui e acolá juntos nas fotografias e se revezam nos prefácios de suas publicações. Estou errado?
Caro Sérgio,
Perfeito e gostoso de ler, como sempre. Um reparo, contudo: no terceiro parágrafo, não ter-lhe-ia acaso escapulido um assento?
Cordialmente
Ops! Muito obrigado, Alberto. Aqui do meu assento, louvo seu acentuado poder de observação. Um abraço.
Sérgio,
Mais uma: comprei ontem “O livro do riso e do esquecimento”, que comecei a ler ontem mesmo.
Espero que goste tanto quanto eu gostei, Lya. Um abraço.