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Bernardo e Atiq: universais, nós?

03/07/2009

A química da mesa de Atiq Rahimi e Bernardo Carvalho, no fim da manhã de hoje, não foi das mais potentes. Mas houve um momento em que, discordando, o afegão-francês e o brasileiro, dois bons escritores, iluminaram uma questão interessante sobre a circulação de livros e idéias pelo mundo:

“Não existe uma literatura universal”, disse Bernardo, autor de romances em que o elemento estrangeiro é crucial, como “Mongólia” e “O filho da mãe”. E explicou: “Existe uma guerra geopolítica de imposição de literaturas. Na China, onde estive antes de escrever ‘Mongólia’, não existe o menor interesse pela literatura brasileira. Acho que ela nem seria compreendida lá, caso fosse lida. Posso estar sendo pessimista, mas vejo cada vez mais uma política de fechamento, cada bloco cultural defendendo seus interesses.”

Respondeu Rahimi, cujos relatos baseados em seu passado afegão encontraram excelente acolhida na França (Goncourt incluído) e em outras partes do mundo: “Não digo que todos os escritores do mundo escrevam da mesma forma, mas que todos somos seres humanos. Temos em comum nossos limites em relação à morte, à família, ao amor. Li ‘Os Miseráveis’ quando tinha 14 anos, quando não sabia nada da França, e foi uma revelação.” Dirigindo-se ao colega de mesa, acrescentou: “Li ‘O sol se põe em São Paulo’ quando ainda não conhecia você.”

Bernardo retrucou: “A literatura de resistência é a que me interessa, mais do que a do universalismo humanista. Não estou interessado em bons sentimentos. Tem certas literaturas que ninguém quer ler. Quando mandei ‘Mongólia’ para os mongóis nômades com quem tinha viajado por dois meses, eles ficaram tão horrorizados que cortaram relações comigo.”

“Mas eu não estou falando de bons sentimentos!”, protestou Rahimi. Não estava mesmo. Alguma coisa tinha se perdido em mal-entendido na conversa. Entre as pontas desconectadas do escrever e do divulgar, entre o que é matéria de literatura e o que determina a geopolítica de sua difusão, o debate acabou meio embaçado. Mas achei sintomático ver um afegão (nacionalidade que anda literariamente na moda pelo mundo) e um brasileiro (o exato oposto disso, uma das cotações mais pífias da Bolsa Internacional de Valores Literários, embora Bernardo Carvalho seja um dos autores mais traduzidos de sua geração) discordarem tão frontalmente sobre a universalidade da ficção.

8 Comentários

  • Carlos Eduardo 03/07/2009em15:21

    Já li Nove noites do Bernardo Carvalho e gostei. Mongólia comecei mas não fui adiante. É um bom escritor, naturalmente, mas como a maioria dos bons escritores brasileiros, fala bobagem demais.

    Pelo que foi dito no post , percebo que o debate de Carvalho com Atiq Rahimi foi de um adolescente rebelde de classe média _ Bernardo _ com um sujeito que a vida e a literatura fizeram adulto.

    Fiquei impressionado com a platitude da opinião exposta pelo brasileiro.

  • Sérgio K. 03/07/2009em15:34

    “A literatura de resistência é a que me interessa”. Nossa…. que coisa… hahaha.

    O JP Cuenca vive dizendo ” a literatura é uma forma resistência”. Esse pessoal se acha muito, mas vive é repetindo chavões.

  • Daniel 03/07/2009em18:00

    Para mim Literatura de Resistência é livro encadernado com capa dura.

  • Dina Z. 03/07/2009em18:31

    Ao que consta, o senhor Bernardo não estava muito a fim de diálogo.

  • Marcos V. 04/07/2009em12:58

    “Literatura de resistência é livro encadernado com capa dura”, essa é muito boa, Daniel!
    O que tem haver literatura com resistência? Resistir a quê?

  • Anrafel 06/07/2009em13:09

    O sujeito diz que está interessado em literatura de resistência não em bons sentimentos. Talvez por isso a ‘química’ da mesa não tenha funcionado.

  • Danilo Maia 07/07/2009em16:33

    Vi uns trechos da participação de Bernardo Carvalho na Flip e li sua entrevista no Prosa & Verso, em O Globo. Bastante pedante. Parece isso mesmo, um rebelde sem causa da classe média.

    Já li dois livros dele (mongólia e aberrações), e posso dizer que eles pioraram um pouco depois que vi essas manifestações da persona do autor.

    Uma pena.