“Borges”, de Adolfo Bioy Casares, é um livro monstruoso e de alguma forma heróico. Tem a descortesia de somar 1.663 páginas, que podiam ter sido reduzidas, nas mãos de um editor menos preocupado em parir um monumento, facilmente a 600. A maior parte das entradas desse extenso e excessivo diário de vida são listas de pessoas que jantaram na casa de Bioy ou compareceram a um coquetel da sociedade de escritores argentinos. O excesso de páginas é ainda mais aterrador quando se pensa que os protagonistas do livro eram, com justiça, famosos como fanáticos da concisão.
(…) Não indicado para almas sensíveis, Borges e Bioy destróem em poucas frases toda a literatura espanhola depois de Quevedo, e Eliot, e Pound, e Aragon, e Sartre, e Eluard, e Beckett, e Neruda, e Mistral, e Camões, e naturalmente Arlt, Sábato (um dos grandes personagens cômicos do livro), Cortázar…
O articulista Rafael Gumucio, do suplemento literário do jornal chileno “El Mercurio”, defende a tese de que Adolfo Bioy Casares traiu seu grande amigo e irmão literário, Jorge Luis Borges, ao manter um diário tão minucioso de sua convivência. A traição estaria na exibição de um homem prosaico, fofoqueiro, palavroso, às voltas com as miudezas da vida, em contraste dramático com a imagem heráldica que o próprio Borges cultivou para si.
A notícia sobre a publicação do tijolaço de Bioy apareceu no Todoprosa em nota de 19 de outubro – aqui. Vale ler também o comentário do blogueiro Jean François Flogel, o bom correspondente do El Boomeran(g) em Paris, a cuja paixão pelo pai de Pierre Menard devo esta e a outra notícia sobre “Borges”.
4 Comentários
Escrever um diário é traição? Danou-se.
1663 páginas? isso não é um diário, é um tratado sobre Borges né não?
Sabe, os maiores livros que li foram “O castelo” (400 e uns trocados) e a um que não é de literatura, “Tabula Rasa” (600 e uns trocados), esse muro, digo tijolaço, tem mais páginas que os dois juntos…
Será que vale a pena saber tanto assim, ou ler tanto assim sobre um autor? Não sou muito fã desse tipo de coisa, prefiro muito mais a obra ao autor. Claro que não quero merecer um em detrimento do outro, acredito que sejam um tipo de conjunto. Algo visto a maneira de Peirce e sua semiótica. Só se chega (interpretante) ao autor (o objeto) através de sua obra (o signo). Mas ainda assim não gosto de biografias, diários, essas coisas que tornam pessoas celebridades pelos seus feitos e desfeitos. respeito quem goste, até fiquei curioso com essa do Borges ai do post, mas não compraria um lvro com mais de 1000 páginas sobre a vida de uma pessoa. Mesmo sendo Borges, afianl, gosto mais da obra dele do que dele. Idem, para toda sorte de escritores que valem minha suada graninha…
Não nos esqueçamos que Sartre, que não gostava dele, escreveu um livro de 3000 páginas a respeito de Flaubert, chamado “L’idiot de la famille”… Que o Autran Dourado acha chatíssimo e inútil, melhor mesmo é ler Flaubert e esquecer o Sartre. Hahaha. O universo literário está cheio disso. Traições e tentativas de retratos.
Aliás, por falar em belas traições, não nos esqueçamos da mais famosa delas: a de Max Brod em relação ao Kafka, que pediu expressamente ao amigo que queimasse seus manuscritos depois que morresse. GRAÇAS A JEOVÁ, O Senhor dos Judeus, Brod traiu Kafka. Devia ser canonizado.
pegando a deixa do Saint-Clair, só achei uma traição mesmo a publicação de “Carta ao Pai”, já que se tratava de algo muito pessoal para Kafka. De resto, Louvado seja Brod!
E esse diário-tijolão do Bioy deve ser muito interessante. Compraria só pelo fato de se ter críticas contra Sartre…