E já que estamos no labiríntico assunto de Borges (nota abaixo), uma notícia sensacional: está prestes a chegar às livrarias o que o jornal “Clarín” apresenta como o acontecimento literário do ano na Argentina. E não só na Argentina, observa Jean-François Flogel em seu blog no site Boomeran(g). Trata-se do minucioso e, parece, indiscretíssimo diário em que o escritor argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999), amigo e parceiro literário de Jorge Luis, registrou a convivência dos dois de 1947 a 1986, quando Borges morreu.
A reportagem do “Clarín” sobre o lançamento pode ser lida aqui, mas os trechos do livro, adiantados na revista do jornal, “Ñ”, não estão disponíveis na internet. Graças a Flogel, aqui vai um deles, que mostra os dois escritores numa venenosa conversa de comadres sobre o Nobel em outubro de 1956 – cedo demais para que Borges, que jamais ganhou o prêmio, pudesse ser acusado de estar ressentido com a Academia Sueca:
Borges me disse: “Deram o prêmio Nobel a Juan Ramón Jiménez”. BIOY: “Que vergonha”. BORGES: “…para Estocolmo. Primeiro Gabriela, agora Juan Ramón. São melhores para inventar a dinamite do que para dar prêmios”. BIOY: “De qualquer modo, Juan Ramón é muito melhor que Gabriela Mistral. Os poemas ruins de Juan Ramón são ruins, mas os melhores são bastante bons. Gabriela Mistral não escreveu nenhum poema bastante bom”.
Juan Ramón Jiménez é um poeta espanhol. Gabriela Mistral, premiada em 1945, uma poeta chilena. Nunca li nenhum dos dois. Adolfo Bioy Casares, um grande escritor que só mesmo o gigantismo de Borges poderia ter relegado a plano secundário, anda em evidência no Brasil devido a dois lançamentos da Cosac Naify: “A invenção de Morel” e, em edição caprichada e recentíssima, “Histórias fantásticas” (contos traduzidos por José Geraldo Couto, 304 páginas, R$ 46).
O diário de Bioy Casares vai ser publicado simultaneamente na Argentina e na Espanha pela editora Destino. Terá 1.600 páginas (em quantos volumes?) e um título simples: “Borges”.
6 Comentários
Casares é um escritor extraordinário que em boa hora vem sendo resdescoberto por aqui. A edição de “Histórias fantásticas” está uma beleza, e a notícia que vc nos traz é ótima. Nossa, estou parecendo Candide…
ai ai! o que posso dizer, 1600 páginas e um só bolso…
Borges era tão generoso e especial que disse uma vez que quando escrevia com Bioy Casares perdia a noção de autoria. Não sabia se era ele ou o Bioy que tinha escrito. Tenho uma pequena auto-biografia dele que infelizmente não está comigo agora. Mas ele conta, por exemplo, da época em que trabalhava na bibliioteca como subalterno e seus colega ficaram muito espantados ao ver um Jorge Luis Borges num verbete, escritor e com a mesma data de nascimento do Borges colega de trabalho. Conta também que perto do Natal a diretora dava uma caixinha de chá importado e que quando ele chegava no ponto de ônibus sentia vontade de chorar por causa de uma certa humilhação (ele não usa esta palavra).
Que maldade com a Mistral e com o Jiménez! Então Borges era malvadinho? (Bioy Casares, eu já sabia, hahaha)
Caro Sérgio,
a Gabriela Mistral não merece sequer uma “mirada”, chatinha que só. Agora o Juan Ramón tem coisas muito boas, tenho a felicidade de ter a sua obra poética completa numa edição da Aguillar espanhola e concordo com o Casares, alguns poemas são mesmo muito bons.
Agora, responda rápido: qual a chance desse diário ser editado no Brasil?
Caro Sérgio
Do Jimenez, li “Platero y Yo”, há tantos anos que perdi a conta. São conversas de um aldeão com o seu burrinho Platero, pelas quais vislumbramos a vida do pequeno burgo. Na época, os pequenos quadros em prosa poética me pareceram simplesmente deliciosos. Pretendo reconferir, mas desconfio que seja imperdível.
Abraço grande
RMM