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‘Bufo & Spallanzani’, museu da informática

20/08/2006

Liguei o TRS-80. Primeiro o printer, Epson FX-80, conectado no computador. Depois, no drive 0 coloquei o Superscripsit e no drive 1 um floppy disk, para arquivo. A luz vermelha em cima dos drives acendeu e apagou quando o TRSDOS foi carregado. Mês, dia e ano, ENTER, hora, minutos, segundos, ENTER, luz vermelha acendendo e apagando, nos dois drives. READY. Escrevi: SS. ENTER. O menu do programa apareceu na tela. Bati 0.

Name of document to open?
Escrevi Bufo.
ENTER.
Na tela, Open Document Options:
Document name: Bufo: 1
Author: Gustavo Flávio.
Operator: GF.
Comments: Romance
Printer type: LP 8
Lines per page: 54
Pitch: P
Line spacing (to 3 +, “+” = ½): 1
1st page to include header: 1
1st page to include footer: 1

Apareceu a screen page: a tab line, com o ghost cursor e a status line e as especificações de impressão do documento. No alto da “página” o cursor piscava. Tudo pronto para escrever.

Pronto mesmo? Ufa.

Perto do fim de seu bom romance “Bufo e Spallanzani” (1985), pouco antes de o narrador, que é um escritor de sucesso, apagar o livro em que vinha trabalhando, Rubem Fonseca capricha no informatiquês da época. Que hoje, claro, soa como grego antigo. É curioso que um autor capaz de driblar na linguagem as principais armadilhas da datação – seu “Feliz ano novo”, de 1975, parece escrito hoje de manhã – tenha sucumbido de forma tão absoluta à velocidade da tecnologia. Sua famosa paixão pela coisa deve tê-lo cegado.

Não deixa de ser uma atração adicional do livro. O computador de Gustavo Flávio nos contempla, paleozóico, de seu mostruário de museu.

10 Comentários

  • Paulo Lima 20/08/2006em06:09

    Há uma passagem “paleozóica”, também, no romance “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”. É quando o narrador passa pela revista no check-point Charlie, para ingressar na Alemanha Oriental. Coisa que o tempo levou.

  • Saint-Clair Stockler 20/08/2006em08:41

    Ui! Tive um choque de estranhamento lendo esse trecho. Parece ficção científica 🙂

  • Pensieri 20/08/2006em12:29

    Ai é que está a beleza, despropositada, mas intrigante; para ninguém conseguir decifrar nos dias de hoje…

  • visão tacanha 20/08/2006em13:11

    Bons tempos… superscripsit: a gente aqui em Brasilia o chamava de striptease, era mais fácil de pronunciar.

  • Clara 20/08/2006em16:54

    Muito bem sacado esse exemplo da datação desse trecho do livro. De qualquer modo, nunca gostei muito de Bufo&Spallanzani.

  • pérsia 20/08/2006em20:45

    o genial contista rubem fonseca raramente é alcançado pelo romancista super produtivo r fonseca.

  • Pedro Curiango 21/08/2006em00:19

    Nada a ver com Rubem Fonseca. Será que alguém já se lembrou que este ano se comemora o cinqüentenário da publicação de HOWL, de Allen Ginsberg, talvez o livro de poesia mais importante da segunda metade do século XX?

  • LC 21/08/2006em00:33

    Sergio, completamente fora do tópico, ok?
    Que tal incluir informações sobre as capas, heim? Nem precisa comentar – bastaria citar design, ilustração, foto… enfim, o que tiver disponível na ficha técnica.
    Em tempo: esta coluna é ótima! E os comentários daqui também!!

  • Leila Ferreira 21/08/2006em12:43

    Não sei Sérgio, mas acho que a ‘datação’, em muitos casos, tem lá o seu charme.

    🙂

  • Renato 22/08/2006em09:36

    Tive uma experiência ainda mais bizarra ano passado quando encontrei na estante da namorada um Isaac Asimov que escapara de minha adolescência e resolvi ler (não lembro o título, era um livro de contos que não pertencia à série dos Robôs). O brilhante físico nuclear russo que nas horas vagas escrevia ficção científica e livros de História errava feio ao prever o avanço da informárica. O computador que um professor universitário tem em casa por volta do ano 2.200 não é capaz de processar imagens. Internet, nem pensar!
    Já não se faz mais futuro como antigamente…