A calamidade que desabou sobre Santa Catarina faz parte do rico vocabulário associado às grandes tragédias, sobretudo as naturais. Além de calamidade e tragédia, o dicionário tem em estoque desastre, catástrofe, hecatombe, cataclismo, flagelo. Todos são vocábulos antigos que o uso figurado e a conseqüente extensão de sentido transformaram em sinônimos. Hoje exprimem em doses mais ou menos iguais nosso luto e estupor, mas nasceram com significados restritos.
Com o cuidado de não ver nisso uma pregação de fundamentalismo etimológico, tolice das mais calamitosas, vale a pena fazer um breve passeio por esses sentidos originais. Mais que uma curiosidade, eles iluminam as palavras e a própria história humana de resistência às hecatombes.
Calamidade, do latim calamitas, tem a ver com cálamo, do grego kálamos, “haste de planta”, e seu provável significado primitivo é descrito por Antenor Nascentes como “prejuízo causado por um temporal, por uma saraivada que quebrasse as hastes verdes do trigo”. Um parente próximo é o cataclismo, do grego kataklysmós, derivado de um verbo que quer dizer “encher de água, inundar”. O medo das tempestades inspira os dois.
Desastre e flagelo têm origem mais poética e apontam para as causas do infortúnio: o primeiro veio do italiano dis + astro, “má estrela”, ou seja, má sorte; o outro é uma metáfora que parte do latim flagellum, “açoite”, para dar à catástrofe o sentido moral de castigo – quase sempre aplicado por uma força divina.
Tragédia é o que parece, uma extensão semântica da palavra que designa o gênero teatral em que na parte final – chamada de catástrofe – um acontecimento funesto resolve a trama. Hecatombe é uma exceção, a única palavra dessa lista em que o homem é agente da desgraça: nasceu no grego hekatómbe com o sentido de “sacrifício ritual de cem bois”.
Publicado na “Revista da Semana”.
5 Comentários
Estudando mitologia e filosofia, li que uma das interpretações daa palavra tragédia deriva do mito de Dioniso e das festas do vinho, onde as pessoas se embriagavam e dançavam vestidas de bode, referência ao próprio deus, o cultuando. [i]tragoidía[/i] no grego, depois no latim [i]tragoedia[/i] e por fim o nosso tragédia. Significaria canto ao bode.
qualquer erro, me corrijam.
Eu: testemunha ocular desse kataklysmós katarinensys, pois
Fazendo”um breve passeio por esses sentidos originais”, mais que uma curiosidade, me sinto iluminada, não pelas próprias palavras, mas por Palavras outras ( não de pregação fundamentalista, realmente tolice sobre tolice) do sentido primeiro, de onde tudo começou.
No princípio era o Verbo! E o Verbo estaa com Deus!
E o Verbo ra Deus.
Até que…
Não bastou o Verbo…
Veio o “bode”… e sacrifícios tantos…
Hoje é isso…
Não dão o coração ao sacrifício do Verbo- Vida- Jesus!
Os trigos são uma calamidade, e estão mais para joios…
Desastres da má estrela que caiu, trazendo uma terça parte com ela…
Flagellum? Para mim, hoje tudo começa com hekátombe…
Pode crer…
Observe seu ambiente, faça leituras na Palavra…
sem fundametalismos….
Ali stá o x da questão…
O pingo do i…
O til…
Amei seu texto…,te encontrei no ” verbo solto”…
aqui estou soltando o Verbo…
Lindo o seu texto!
Leonardo, consta que a palavra tragédia nasceu mesmo nos cultos dionisíacos, mas na versão que eu conheço o bode é literal e sacrificado no fim. De qualquer forma a idéia é essa, canção (oidé) do bode (trágos).
Ótimas informações, Sérgio. Recordo-me também da palavra holocausto, que apesar de ser aplicada no pesadelo nazista, já existia no Antigo Testamento, e significa “queima(causto) total(holo)”; acho que se aproxima muito da hecatombe que você citou.
Bom domingo!