Dois dias seguidos, duas cidades distantes cultural e geograficamente, e a mesma preocupação: o Kindle – ou um similar – vai matar o livro (de papel)? Falando na Feira de Livros do Sesc Paraná, em Curitiba, quinta-feira de manhã, e na Bienal do Livro de Pernambuco, em Recife, ontem à noite, encontrei a mesma dúvida, a mesma angústia. E me espantei um pouco de descobrir o quanto essa questão não me preocupa.
Sim, estamos vivendo um momento de transição profunda nas formas de ler, escrever e veicular literatura. Sim, ninguém que seja minimamente ponderado pode se gabar de saber onde isso tudo vai dar. Mas uma coisa, à medida que eu tratava de improvisar respostas tateantes à preocupação do público, foi me parecendo cada vez mais clara: aqueles que temem uma revolução completa no formato do livro tradicional deveriam ver os e-readers como aliados, não como inimigos.
Se a internet, com seus recursos de som, imagem, busca e interatividade, tem o potencial – ainda não realizado – de levar a narrativa a um hibridismo tridimensional em que provavelmente já não caberá falar de “literatura”, os Kindles e semelhantes trabalham no sentido contrário, o de preservar as formas literárias que nos foram legadas pela tradição. Aquilo não é papel, mas e daí? A matéria-prima dos escritores não é a celulose.
Por trás de sua aparência moderninha, os e-readers são na verdade engenhocas produndamente conservadoras – paladinos digitais do livro como o conhecemos.
21 Comentários
Nem acho que o Kindle e similares vão matar o livro de papel. Livros têm a forma e a portabilidade perfeitas. Não precisamos, na verdade, de substitutos pra eles.
Livros são o melhor presente pra dar pra alguém, e pra associar a emoções e lembranças importantes. São objetos transcendentes, e não só podemos, como devemos, amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarro.
Afirmar coisas é algo muito difícil. Continuo gostando do papel, mas não acho ruim quem lê de outra forma.
Não fosse tão caro, nem tão frágil, já teria comprado um.
O livro de papel não será extinto porque ele é um objeto insubstituível. Como suporte, o “livro digital / eletrônico” é muito prático e eficiente – pelo menos é o que dizem -, mas ele nunca tomará o lugar do livro tradicional, de vez que não apresenta particularidades como cheiro, textura, capa, contracapa e orelhas. Sem falar no marcador de página, que só tem utilidade no mundo dos livros tradicionais.
Por essas e outras é que não devemos temer o desaparecimento do livro de papel. É ingênuo pensar que bibliotecas e livrarias deixarão de existir. O Sérgio tem toda razão: devemos mesmo é saudar a chegada dos e-books, ao em invés de maldizê-la.
Outro dia tive que localizar um parágrafo num livro de umas 500 páginas, e só sabia que ela estava mais ou menos lá pelo meio. Então, constatei (mais uma vez) como seria bom poder dispor de um mecanismo de busca automático. Um conforto que a informática já proporciona.
Acho que em pouco tempo, mesmo os mais conservadores se acostumarão com as mudanças, da mesma forma que os contemporâneos de Guttemberg se desapegaram dos pergaminhos e códices, e as novas gerações, dos lps e cds de música.
Oi Sergio, legal seu texto.
Eu acho que o Kindle não vai acabar com os livros, mas com os dinossauros que fazem livros.
Abs, Miguel
PS: Tenho um Kindle desde abril-2008
Caro Sérgio, tanto concordo com você que ainda hoje fui buscar na Cultura uma encomenda de papel. Sim. Do velho livro de papel que teve de vir de navio de Portugal para cá porque as editoras nacionais – e todo o mercado editorial – preocupadas que estão (talvez) com o Kindle, ‘esquecem-se’ de fazer reimpressões de obras fora do catálogo. Me refiro ao livro ‘Os Contos de Cantuária’, que não se acha em versão nacional. A Cultura o trouxe de Portugal, ao dobro do preço. Por enquanto, dispenso o Kindle porque muito me apraz usar alguns sentidos – tato, olfato e visão – no contato com o livro de papel. Abraço!
Um neopapiro, então?
O livro, ao lado da roda, é uma das invenções mais completas já vistas. Não corre o risco de deletar algo acidentalmente ou não realizar algum download conforme esperamos e sobretudo, dispensar a procura de assistencia tecnica na hora das broncas , nem ser algo com obsoletismo programado.
acho que nós dois tivemos férias,pois perdi alguma coisa!
afinal fiquei contente com o vencedor da enquete pois eu havia sido um dos “chatos” que não resistiu e sugeriu Tolstoi logo no primeiro dia.quanto ao Kindle,não posso negar a modernidade e as facilidades que a tecnologia nos prociona,mas não abro mão do cheiro de papel velho(com rinite e tudo) ou do papel novissimo,ainda cheirando a cola e a tinta de impressão.
A máquina de escrever também já foi uma das invenções mais completas já vistas. Não deleta acidentalmente (do novíssimo verbo deletar, fruto da cultura informática), não realiza downloads (idem) inesperados, não exige eletricidade ou bateria, dispensa técnicos ultraespecializados e caríssimos, mas… ficou obsoleta. Tanto é que estamos enviando estes posts através de processadores de texto, que se comunicam eletronicamente, e não pelo correio, após digitarmos, ou melhor datilografarmos as cartas, em nossas Remingtons e Olivettis.
É questão de tempo (pouco).
Digo isso mais como uma constatação, sem o desejo de polemizar, até porque nada será decidido aqui, e eu sou apenas mais uma vítima de transformações que ocorrem à revelia da minha vontade.
Mas, idiossincrasia por idiossincrasia, a verdade é que o cheiro do papel, tinta, etc, depois que embolora, convenhamos, não é tão agradável assim.
De todo modo, para os aficcionados pelo suporte, sempre será possível produzir livros, quem sabe até em casa, em tiragens econômicas, da mesma forma que os músicos e os cineastas, que já conseguem produzir seus trabalhos com qualidade profissional, através de recursos domésticos e baratos se compararmos com o período pré-informático.
Bem, já escrevi demais. Com licença que tenho que tirar o pó dos livros (rs).
Bom feriado p/ todos.
Calma: o Kindle vai salvar os livros | Alessandrolândia
Uma pergunta no ar: como vai ficar os direitos autorais?
Boa observação, Sergio. Enquanto a única utilidade dos e-readers for ler livros – e não acessar a web, ouvir mp3, etc – nada precisamos temer. Adorei a sua participação na feira de livros do SescPR. Foi um prazer conhecer você pessoalmente, e ainda ganhar uma bela dedicatória. Abraços!
O prazer foi todo meu, Mariana. Foi corrido, mas gostei muito de dar um pulo aí em Curitiba. Abraço grande.
O Kindle é um contrassenso.
Putz, por essa perspectiva eu não tinha visto a coisa…
Por mais volátil que pareça a obra literária materialmente no Kindle, a experiência ainda continua muito parecida com o que o livro tradicional proporciona: um contato exclusivo entre você e a plataforma onde se encontra a literatura. É você e um livro, como nos velhos tempos…
Não sou conta, mas se for para a Amazon ter acesso remoto aos meus livros e fazer o que quiser com o conteúdo do meu Kindle, então prefiro os de papel mesmo e a tecnologia que vá para o diabo.
Não sou avesso à tecnologia e à informática, já que vivo delas há 35 anos, mas não quero (mais) um Grande Irmão dizendo o que devo ler.
Notas: Poe tem funeral depois de 160 anos de morte | Livros e afins
Se vai pegar, acho que ainda demora. Mas é tão bom dormir ao lado de uma pequena montanha de livros, com suas cores, suas capas, espessuras, páginas amarelas, páginas branquinhas. É como ter o amante bem ao lado…. ao alcance das mãos, olhos e nariz. Sem querer ser conservadora…. é tão sublime sacar um livro de dentro da bolsa!!!!
Ao Luiz s, de 11/10/2009: Gostei da sua observação, mas não dá pra comparar kindle com máquina de escrever, pois o obsoletismo da máquina de escrever, foi decorrente daquilo que foi agregado ao computador , que emulou com muitas vantagens a máquina de escrever ,ao passo que o kindle está emulando que componente do livro ou do ato de ler com mais praticidade para o usuário, em relação ao livro, além de ser ecológicamente correto ?