O Grande Escritor Injustamente Esquecido é um personagem fundamental em qualquer literatura. Mais até do que os nomes consagrados, é o Grande Escritor Injustamente Esquecido quem define os limites da leitura, lá onde não chega o senso comum e uns poucos conseguem vislumbrar tudo o que poderíamos ter sido, como nação leitora, e desgraçadamente não fomos. José Agripino de Paula, de “Panamérica”, é o Grande Escritor Injustamente Esquecido da moda: pega bem à beça citá-lo em rodinhas literárias, sobretudo as paulistanas. Há quem prefira ser mais original e se abrace ao Antônio Fraga de “Desabrigo”. Num terreno em que a glória é virada do avesso e a obscuridade se torna o valor supremo, suspeita-se até que escritores inventados em conversas de botequim – como o prosador vesgo Lucho Ventania, de Itapecerica da Serra, imbatível nos anacolutos – passem por Grandes Escritores Injustamente Esquecidos. E quem vai dizer que não?
Eu prefiro Campos de Carvalho (1916-1998). Sem pensar duas vezes, fico com o autor de “A lua vem da Ásia”, mestre do nonsense e um dos grandes humoristas da língua portuguesa – humor entendido aqui como coisa seriíssima, ainda que impagável. Por preferir Campos de Carvalho, ando empolgado com a publicação de “Cartas de viagem e outras crônicas” (José Olympio, apresentação de Antonio Prata, 126 páginas, R$ 25,00) na curiosa coleção Sabor Literário, em formato de bolso. Trata-se de um punhado de crônicas que Walter Campos de Carvalho, mineiro de Uberaba, publicou no “Pasquim” em 1972. Na primeira parte do livrinho agrupam-se “cartas” escritas de Londres e Paris e tendo como destinatário o próprio autor – “poupando assim ao menos o dinheiro e o trabalho de ir até o Correio”, como ele explica. A segunda metade reúne crônicas (algumas sem título, defeito que a edição poderia ter corrigido) que, livres da camisa-de-força das impressões de turista, deixam o pessimismo de Campos de Carvalho e seu olhar afiado para o absurdo da existência se resolverem melhor naquela prosa de invejável precisão dele. Enfim, o livrinho é um livraço.
Mais ainda se levarmos em conta que essas crônicas de 1972 são a única esmola do talento do autor que nos seria oferecida entre 1964, quando ele mergulhou num silêncio de pedra depois de enfileirar quatro romances de respeito em nove anos, e sua morte. Em 1995, a mesma editora José Olympio se apiedou dos fuçadores de sebos e reuniu num volume histórico aqueles quatro livos: “A lua vem da Ásia”, “Vaca de nariz sutil”, “A chuva imóvel” e “O púcaro búlgaro”. O último – último mesmo, infelizmente – é um relato dos esforços do narrador para verificar se a Bulgária realmente existe. Ele conta que a obra esteve ameaçada de nem vir a público quando “uma comissão de búlgaros, berberes, aramaicos e outros levantinos, todos encapuzados”, lhe ofereceu dez milhões de dracmas por seu silêncio editorial, “pelo menos até o começo do século XXI, quando certamente o mundo já não terá mais sentido”.
Estamos chegando lá, Campos de Carvalho.
7 Comentários
muito interessante! não vai ter a canja de um excerto, desa vez? fiquei com vontade.
embora Injustamente Desconhecido (nem tanto depois da edição da Obra Reunida pela José Olimpyo), já havia sido lembrado – e entrevistado- por Nelson de Oliveira no Sem leitores de Campos, uma obra limitadíssima em, claro, cem exemplares. Mas é uma recompensa e tanto quem encontrar essa Bulgária restrita!
Parabéns pela coluna, que visito diariamente à caça de tesouros, e obrigada por mais essa dica, Sérgio!
um abraço,
Não deixe de assistir à peça “O púcaro búlgaro”, Sergio! Uma preciosidade, o texto – e a encenação está à altura….
Na minha humilde opinião, Campos de Carvalho é somente o melhor escritor de todos os tempos. Quem se interessa por novidade, e já está cansado de literatura chove-não-molha deve ler esse cara.
E somando mais um nome à sua lista “Grande Escritor Injustamente Esquecido”, cito o Jayme Rodrigues e seu “Phutatorius”, lançado pela DBA. Muito louco!
É, Sérgio, coloca um trecho aí… fiquei interessadíssimo.
Há algum tempo atrás, em 94 talvez, li uma crônica de Mário Prata, na qual ele falava do autor e obra, um escrito muito bem humorado que me fez pesquisar este senhor velho e solitário morador de Higienópolis segundo Mário, foi bem difícil encontrá-lo, ou melhor encontrar alguma obra do autor, vale muito mesmo, uma forma além da minha capacidade de esplicação, genial enfim, ótima notícia esta publicação,
abração Sérgio
Olá,
Campos de Carvalho é realmente brilhante. Pra quem não tem os livros é só baixar os arquivos pela internet. Segue o link:
http://www10.brinkster.com/payres/campos/