“Casal gay está certo?”, perguntam-me de vez em quando. Por trás da curiosidade lingüística, mal se esconde o desejo de encontrar no idioma um solo “natural” onde enraizar uma noção nada natural: a de que, se os pares homossexuais não têm sequer o direito legítimo à denominação de casal, outros direitos também não devem ter. No entanto, não há nada errado, do ponto de vista da etimologia, com a expressão casal gay. Nenhuma língua é natural, mas sempre uma construção histórica. Reflete todas as facetas da sociedade que a fala, inclusive preconceitos, mas também costuma conter os antídotos para esses preconceitos – é só procurar. Longe de ser uma ciência exata, o estudo das palavras está mais para ciência política. A acepção mais corrente de casal é mesmo “par composto de macho e fêmea, ou marido e mulher” (Aurélio), o que exclui os gays. Mergulhando na história da palavra, porém, vamos descobrir que o sentido original de casal era bem diferente: casa pequena e rústica ou conjunto de habitações desse tipo. Foi por extensão de sentido que a palavra passou a nomear também quem ali morava. Como diz o filólogo Antenor Nascentes: “No sentido de par de animais de sexos…
O que é, o que é? Nunca some por completo, corroendo devagarzinho nossas riquezas, mas só lhe damos atenção quando ameaça fugir ao controle e pôr a casa abaixo? É curioso que a inflação, mesmo tendo semelhança com uma colônia de cupins, seja representada por bicho tão diferente, o dragão, num dos mais vigorosos lugares-comuns da linguagem jornalística. O monstro mitológico é tudo o que o cupim não é – imaginário, gigantesco, espalhafatoso. Mais adequado para representar a hiperinflação, estado agudo em que o valor da moeda vira pó e a vida econômica, pesadelo, o dragão parece tirar sua força deste alerta: cuidado, a qualquer descuido o caos pode se instalar. A convivência do Brasil com a inflação, que já foi íntima, tornou-se mais distante depois que, em 1994, o Plano Real a reduziu a níveis internacionalmente aceitáveis. Mesmo quando ela não saía do noticiário, pouca gente se dava conta de que a palavra, do latim inflationis, é parente do verbo inflar, isto é, encher(-se) de ar. O primeiro sentido de inflação em português foi registrado no século 16 e tinha contornos médicos: inchaço, intumescimento, dilatação. No século 18 surgiu o significado expandido de vaidade ou soberba, sentimentos que a…
A tradução literal de investment grade por grau de investimento, embora ligeiramente desajeitada à primeira vista, não chega a soar estranha a nossos ouvidos lusofônicos porque a idéia de grau como nota que se tira numa prova está presente na linguagem comum, e no fim das contas trata-se disso mesmo – um conceito, uma posição em determinada escala de valores. No exame da banca financeira internacional, o Brasil foi bom aluno e deu mais um passo à frente, subiu um degrau, credenciando-se a uma recomendação firme de investimento. Não faltará quem considere a metáfora escolar um tanto humilhante para um país soberano. Paciência: assim caminha o mundo globalizado. Esse grau, no fundo, não é outro senão aquele que se usa para escalonar vários sistemas de medição – da temperatura à proximidade em relações de parentesco, do teor alcoólico das bebidas à potência das lentes dos óculos. O que muda, naturalmente, é o contexto, o sistema. Em todos eles, porém, o grau corresponde sempre a um passo da escala. E é exatamente do sentido de passo (gradus em latim) que a palavra vem. A presença de gradus em nossa língua é robusta, embora nem sempre se deixe detectar a olho nu….
A tradução literal de investment grade por grau de investimento, embora ligeiramente desajeitada à primeira vista, não chega a soar estranha a nossos ouvidos lusofônicos porque a idéia de grau como nota que se tira numa prova está presente na linguagem comum, e no fim das contas trata-se disso mesmo – um conceito, uma posição em determinada escala de valores. No exame da banca financeira internacional, o Brasil foi bom aluno e deu mais um passo à frente, subiu um degrau, credenciando-se a uma recomendação firme de investimento. Não faltará quem considere a metáfora escolar um tanto humilhante para um país soberano. Paciência: assim caminha o mundo globalizado. Esse grau, no fundo, não é outro senão aquele que se usa para escalonar vários sistemas de medição – da temperatura à proximidade em relações de parentesco, do teor alcoólico das bebidas à potência das lentes dos óculos. O que muda, naturalmente, é o contexto, o sistema. Em todos eles, porém, o grau corresponde sempre a um passo da escala. E é exatamente do sentido de passo (gradus em latim) que a palavra vem. A presença de gradus em nossa língua é robusta, embora nem sempre se deixe detectar a olho nu….
A repercussão do caso de polícia que envolveu o craque Ronaldo e o travesti André/Andréa no Rio de Janeiro promete dar cores mais brasileiras a uma palavra francesa que, mesmo sendo um item de nossa pauta de importações lingüísticas, é vista em todo o mundo como coisa nossa, muito nossa. Mais ou menos como ocorre com o futebol. Travesti nasceu em francês no século 16 como adjetivo, particípio de travestir, verbo que a princípio tinha a grafia transvestir, mais próxima do original latino trans + vestire. A substituição de trans por tra foi uma influência do italiano travestire. De saída, travesti carregava o sentido amplo e ainda não especializado de “disfarçado, vestido com roupas de outra condição, idade ou sexo”. Essa largueza semântica também é possível hoje em português, mas apenas quando se trata do verbo: pode-se falar em “bandido travestido de deputado”, por exemplo. Travesti é outra história. No início do século 20, quando, já no papel de substantivo, travesti e seus termos irmãos se espalharam por diversas línguas, todos já levavam o sentido estrito de homossexual que se veste com roupas do sexo oposto e, especialmente, o de homem que tenta se parecer com mulher, inclusive recorrendo a…
A palavra madrasta está envolta em conotações negativas há tanto tempo que, pode-se argumentar, alguma elas devem ter aprontado. Além dos contos de fada, com Cinderela puxando a fila, ditos populares são testemunhas da antiguidade do problema. Rafael Bluteau, em seu dicionário do início do século 18, registrava os seguintes adágios portugueses: “Madrasta e enteada sempre andam em baralha” (isto é, em conflito, em joguinhos de intrigas); e o genialmente sucinto “Madrasta, o nome lhe basta”. Bastará mesmo? Será que o sentido negativo já estava lá no momento da criação da palavra? Madrasta saiu do latim popular matrasta, de significado idêntico: a nova mulher do pai. Trata-se de uma das derivadas de mater, vinda por sua vez da imemorial raiz indo-européia matr-, ancestral tanto do sânscrito mata quanto do inglês mother. A idéia de mater, mãe, matriz, é tão vital na língua que aparece embutida em lugares inesperados – na matéria, por exemplo, ou na madeira. Mas a madrasta, afinal, tem ou não tem um lado escuro desde sua formação? A maioria dos filólogos lava as mãos, mas Antenor Nascentes, nome clássico da etimologia brasileira, aposta que sim: segundo ele, a palavra latina nasceu como um “despectivo” – forma depreciativa,…
Adultescente é um neologismo jocoso de sentido óbvio, cruzamento de adulto com adolescente. No entanto, ainda não abriu caminho até os dicionários brasileiros e, mais do que isso, não parece ter vingado de verdade em nosso dia-a-dia. Tudo indica que vingará. Nascido no inglês americano como adultescent, registrado pela primeira vez em 1996 e eleito pelo dicionário Webster’s a “palavra do ano” de 2004, o termo já tomou assento firme pelo menos em espanhol, na forma adultescente, de grafia igual à nossa. Seu trânsito internacional deve-se ao fato de o novo tipo humano que nomeia ser encontrável em muitos países. É só olhar em volta: adultescentes não faltam na paisagem contemporânea. Talvez você tenha um ou dois dentro de casa. Talvez, meu Deus, você seja um. A palavra se difundiu como um daqueles rótulos que a cultura de massa adota para vender camisetas. Nesse sentido, é prima de expressões midiáticas como “geração X”, “metrossexual” etc. No entanto, “adultescente” tem consistência maior do que ajudar profissionais de marketing a bolar produtos destinados a esse novo nicho de mercado detectado no fim do século 20: o dos adultos “infantilizados”, consumidores de videogames e livros sobre magos mirins, que freqüentemente prolongam sua dependência…
A palavra dossiê – do francês dossier, “conjunto de documentos sobre determinado assunto ou pasta em que eles são agrupados” – é um bom exemplo de estrangeirismo que criou raízes rapidamente em nossa língua e parece disposto a se tornar eterno. Alcançou essa proeza graças à capacidade de, justamente por não pertencer ao velho vernáculo, se revestir de uma grossa camada de conotações excitantes, misteriosas e explosivas, que a literatura tratou de explorar. Com suas promessas de segredos cabeludos, seria um evidente empobrecimento trocar hoje a palavra dossiê por uma tradução técnica e convencional na linha de “documentação, processo, pasta”, como sempre pregaram os puristas, defensores de uma pureza (impossível) do idioma. Se alguma dúvida a respeito disso ainda persistia, o papel turbulento desempenhado pelos dossiês na política brasileira recente tratou de liquidá-la. O primeiro registro do vocábulo em nossa língua data de 1958, segundo o dicionário Houaiss. Muitos séculos, portanto, depois do surgimento dessa acepção de dossier em francês, derivada no fim das contas do latim vulgar dossum, “dorso, costas” – provavelmente em referência à pasta em que se agrupam os tais documentos, com sua etiqueta no dorso. Seja como for, após seu desembarque por aqui o dossiê não…
O reconhecimento, pelo Vaticano, de que a população muçulmana ultrapassou numericamente a católica fez toda a imprensa ocidental se voltar ao mesmo tempo para Meca, capital espiritual da religião fundada pelo profeta Maomé. Na hora de escrever o nome do pai do islamismo é que começou o descompasso: Maomé virou Muhammad em inglês, Mahomet em francês, Mahoma em espanhol e assim por diante. Como explicar isso? Numa palavra: transcrição. Em muitas palavras: a técnica de transportar para uma língua, com base na fala, algo expresso em outra, quando esta adota um sistema de escrita diferente. Como o nome original de Maomé é escrito no alfabeto árabe, sua grafia no Ocidente será sempre uma transposição. Esta pode ser feita letra por letra (transliteração) ou com base nos sons. Neste caso, depende das características do idioma que importa o termo, pois é ao perfil sonoro do vocábulo original que se busca ser fiel. Mesmo que a grafia sugira abismos, a pronúncia de Maomé é semelhante à do francês Mahomet e mesmo à do inglês Muhammad – que, só para complicar, segue o método da transliteração. Qualquer idéia de fidelidade à forma “original” é, portanto, ingênua. Durante anos, a “Folha de S.Paulo” só…
A palavra “maiô” parecia destinada a ter sabor nostálgico para sempre. Nome de um traje feminino de banho inteiriço tornado conservador pela explosão mundial do duas-peças, ou biquíni, o maiô nunca desistiu de tentar rentrées periódicas. Foi necessária, porém, uma mudança de praia – ou piscina – semântica para que invadisse triunfalmente o século 21. Não mais como peça feminina, mas unissex. Não mais estrela em passarelas, mas artigo de alta tecnologia no esporte de competição. “Maiô” foi resultado da aclimatação em português, em algum momento da primeira metade do século 20, do francês maillot. A palavra dava conta entre nós dos cada vez mais ousados trajes de banho femininos. Em sua língua original, maillot era um vocábulo vetusto, mas com diferentes acepções. Começara sua carreira no século 16 como sinônimo de cueiro ou fralda, pano de enrolar recém-nascido. Só no início do 19 surgiria a acepção de malha de balé, que, na primeira década do século passado, se expandiu para abarcar trajes colantes de banho. Maillot veio, em última análise, do latim macula, ancestral de “malha” e “mancha”. A adaptação da grafia e o lugar confortável ocupado pela palavra em português nada têm de raros. Inúmeros vocábulos franceses no…
Como ocorre nos engarramentos, que se espalham rapidamente embora sua origem nem sempre seja fácil de determinar, a idéia de que os carros retidos num congestionamento de trânsito estão presos como o líquido numa garrafa, ocupando todos os espaços e condenados a sair lentamente, por um gargalo estreito, é uma metáfora que se espalhou pelas línguas latinas ali pelo início do século passado. Provavelmente jamais saberemos com certeza qual foi o país que, diante daquele efeito colateral do desenvolvimento urbano, usou primeiro a imagem da garrafa (palavra antiqüíssima, vinda ao que tudo indica do árabe). O certo é que a idéia existe também no francês embouteillage, no espanhol embotellamiento e no italiano imbottigliamento. Todos eram termos existentes desde o século 19 em sua acepção literal de “ato de meter em garrafas”, mas passaram a fazer hora extra como sinônimo de tráfego lento ou bloqueado quando os automóveis começaram a se popularizar. Os primeiros registros desse uso em francês datam dos anos 1920. Um pouco antes, por volta de 1917, começara a fazer sucesso no inglês a expressão traffic jam, que carrega o mesmo sentido e evoca imagem semelhante: a palavra jam tem entre suas acepções a de atochar, comprimir algo…
Os brasileiros que se queixaram de ter sido chamados de “cachorros” por agentes da imigração espanhola podem ter cometido um erro de tradução. Foi o que argumentou na terça-feira, em reunião com membros da comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o embaixador da Espanha no Brasil. “Cachorro em espanhol é diferente, significa filhote”, afirmou Ricardo Peidró. Mais uma exibição do velho esporte diplomático do “nó em pingo d’água”? Sim e não. A distinção não deve ser suficiente para amenizar a dor de quem se viu barrado injustamente no aeroporto, mas o fato é que, do ponto de vista lingüístico, esta curiosidade se impõe: Peidró está certo sobre a assimetria semântica de “cachorro” nos dois lados do Atlântico. Além da Espanha, Portugal também usa o termo apenas para animais filhotes. Do latim catulus (filhote de cão), com o acréscimo da terminação basca orro, foi no português brasileiro que o significado de “cachorro” se expandiu até se confundir com o de cão (em espanhol, perro). Isso parece ter obedecido a razões de religiosidade ou superstição: como “cão” é um dos nomes do diabo, a idéia era evitar seu uso. E daí? Bem, uma conseqüência dessa distinção é que, da…
Palavrinha adorável, “grátis” nunca saiu de moda, mas alguns anos atrás pouca gente teria sido capaz de prever que a internet a transformaria em carro-chefe. Mera – e antiga, já registrada em 1502 – transposição para o português do latim gratis, é derivada do adjetivo latino gratus, que tem sentido ativo (“que agrada, que delicia”) e passivo (“agradecido, reconhecido”). A gratuidade traz do berço, portanto, a idéia de que aquilo que é oferecido livre de custo busca agradar, é um favor, geralmente em reconhecimento ao valor de alguém. O que significa dizer que, do outro lado do balcão, de frente para o grátis, existe sempre uma pessoa que deve se sentir grata. A ambivalência ativo-passivo se transmitiu a outros termos da família: olhando bem, é possível ver a presença do mesmo “grat” latino na gratificação e no agradecimento, ou seja, dando conta tanto do que agrada quanto de quem, sendo agraciado, demonstra gratidão. Engraçado? Juro que esse grande congraçamento de palavras aparentadas, talvez gracioso para uns, mas certamente uma desgraça de etimologista doido para outros, não está aqui gratuitamente, só para fazer graça. As palavras grifadas no parágrafo anterior – algumas, como “grátis”, vindas diretamente do latim, enquanto outras se…
“Se porrada educasse as pessoas, bandido saía da cadeia santo.” Que o presidente Lula fala a língua do povo já se sabia. O que ainda choca muita gente – mas talvez não devesse, num país capaz de transformar em febre a grotesca coreografia do “créu” – é ouvir de tão alta autoridade um palavrão desse quilate. “Porrada” e “porra” são tabuísmos tão velhos quanto o português, mas, mesmo sendo figurinhas fáceis na linguagem cotidiana, ainda não ganharam acesso aos salões do discurso educado. Por quê? Como se sabe, porrada tem dois sentidos principais: o de “pancada, cacetada”, que Lula usou, e o de “grande quantidade”. O primeiro não deveria, a rigor, ser considerado palavrão. Vem da acepção mais antiga de porra, hoje em desuso, que nada tinha de grosseira: clava, maça, cacete, arma dotada de cabeça redonda e haste alongada. Segundo o filólogo Corominas, deve seu nome – acredite quem quiser – ao alho-porro ou poró, com o qual tinha semelhanças de forma, por meio do latim porrum (alho). Se a porrada-pancada não é bem um palavrão, a associação de porra e seus derivados com sentidos chulos tornou-se tão dominante que contaminou tudo – até o alho, chamado de “poró”…
A origem do nome Cuba é uma zona conflagrada em que teses eruditas se enfrentam há tempos, sem um vencedor à vista. Se essa guerra língüística de guerrilhas não se compara em ardor àquela outra, política e reavivada pela renúncia de Fidel Castro, entre castristas a anticastristas, ostenta em compensação um número maior de lados na disputa. Embora cuba seja uma palavra espanhola (e também portuguesa) de bom pedigri latino – derivada de cuppa e com o sentido de tonel, recipiente grande, especialmente para guardar bebida –, o nome do país caribenho nada tem a ver com isso. Todas as teses etimológicas buscam a origem de Cuba em termos indígenas: coa + bana (“lugar grande”), ciba (“montanha”) e ainda cubanacan (“lugar central”). O Houaiss registra que a palavra aparece no diário de Colombo em 1492. Isso não impediu o navegador de batizar a ilha à moda européia, chamando-a Juana em homenagem a Juan de Castilla, herdeiro do trono espanhol. Mais tarde, os colonizadores ainda tentaram emplacar os nomes de Fernandina, Santiago e Ave María. Acabou prevalecendo Cuba mesmo. O interesse da questão escapa de ser simplesmente acadêmico devido à transformação pela qual passou a palavra a partir da revolução de…
A cara-de-pau não é apenas um regionalismo brasileiro, usado com o mesmo sentido – de descaramento, desfaçatez, cinismo, desembaraço diante dos maiores apertos – que, em algumas regiões de Portugal, tem a expressão “cara estanhada”. Mais que um jeito de falar, trata-se de uma instituição, como provam mais uma vez casos como a farra dos cartões corporativos e o escândalo que envolve o reitor da UnB. É difícil dizer quando surgiu a cara-de-pau – e aqui estamos falando do termo, naturalmente, visto que o comportamento nomeado por ele é tão velho quanto a humanidade. Ausente de dicionários antigos, a palavra composta, que tanto pode exercer o papel de substantivo quanto o de adjetivo, aparece nos léxicos modernos como uma forma subsidiária de “caradura”, vocábulo hoje menos usado, do qual é provavelmente uma variação cômica. Se caradura foi registrada pela primeira vez por um lexicógrafo em 1913, as abonações literárias de cara-de-pau que aparecem no bom “Dicionário de Usos do Português do Brasil”, de Francisco S. Borba, datam dos anos 1960 e 1970 e foram extraídas de obras célebres por fixar a linguagem falada no submundo de grandes cidades brasileiras, como “Navalha na carne”, de Plínio Marcos, e “Malagueta, Perus e…
Eis uma das lições que o estudo da origem das palavras nos ensina: somos menos moderninhos do que imaginamos. Dada a obsessão de nosso tempo com o corpo esbelto e saudável, quase se poderia desculpar quem, sem parar para pensar muito, imaginasse ser a palavra “dieta” uma invenção do século 20, quem sabe até adaptada do inglês diet. Quase se poderia desculpar – se não fosse um erro imperdoável. Em português, “dieta” nasceu no século 15, mas sua matriz chega perto de se perder num passado imemorial. A palavra veio do latim diaeta, “parcimônia à mesa”, um dos requisitos da mens sana in corpore sano, “mente sã em corpo são”. Diaeta, por sua vez, era derivada do grego díaita, “modo de viver”. Convém não esquecer que o culto ao corpo esbelto e saudável nasceu na antiga Grécia, e que talvez fosse ainda mais importante para eles que para nós. Não surpreende que a primeira acepção de dieta em velhos dicionários já tivesse, portanto, fumaças científicas. Tratava-se do regime pregado por uma certa corrente da medicina, visando ao equilíbrio total do organismo. Incluía, além de comida e bebida, “o exercício, a quietação, o ar que respiramos, as paixões d’alma, as evacuações…