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Motoboy
A palavra é... / 25/01/2008

A palavra “motoboy” parece ter vindo do inglês, mas é uma criação brasileira – mistura de motoqueiro e office boy (contínuo), esta sim uma locução importada. Tudo indica tratar-se de um vocábulo que teve gestação lenta e gradual na agitação urbana de São Paulo, mas que, uma vez pronto, atingiu o estrelato da noite para o dia: em agosto de 1998, “motoboy” ganhou fama nacional na esteira dos crimes de Francisco de Assis Pereira, apelidado pela imprensa de “Maníaco do Parque”, que tinha essa profissão. O dicionário Houaiss aposta justamente em 1998 como ano de surgimento ou consolidação da palavra em nosso vocabulário, no que parece acertar, embora prefira a desusada grafia “motobói”. O caso de motoboy bagunça uma certa visão de mundo apocalíptica, infelizmente de larga difusão no país, em que o português brasileiro é retratado como dodói e indefeso diante do bombardeio de palavras importadas do inglês. Ao revelar um idioma em plena posse de suas faculdades criativas, trabalhando com peças de qualquer origem que estejam à disposição e dando-lhes uma feição própria, “motoboy” atropela a idéia de uma língua apática, mera receptadora de mercadoria contrabandeada. Lançado há quatro anos, o curioso livrinho “Inglês Made in Brasil” (editora…

Apagão
A palavra é... / 18/01/2008

O Brasil está de parabéns pelo apagão. Não, o colunista não pirou. Motivo de orgulho é a palavra e não aquilo que ela nomeia – o catastrófico colapso de energia que passou raspando em 2001 e que agora, quase sete anos de imprevidência depois, uma nova estiagem volta a transformar em ameaça. Uma ameaça que os sucessivos desmentidos do governo, saindo pela culatra, tornam cada dia mais palpável. Nomear uma coisa é o primeiro passo para dominá-la, eis a história da humanidade. É nesse sentido que o apagão merece ser comemorado. É fácil esquecer, mas entre nós a palavra surgiu outro dia mesmo. O dicionário Houaiss aposta em 1988 como data de “nascimento”. Pode ser, mas a novidade pegou aos poucos: no “Jornal do Brasil”, para ficar em um único exemplo, a palavra estreou em 1996. Até então nossa língua dispunha apenas de “blecaute” – forma aportuguesada do inglês black-out – quando queria condensar num só vocábulo o horror de uma crise de escassez de energia. Nada contra blecaute, anglicismo bem plantado em nossa cultura popular graças ao nome artístico do cantor – negro, naturalmente – Otávio Henrique de Oliveira (1919-1983), intérprete das marchinhas “General da Banda”, “Maria Candelária” e…

Verão
A palavra é... / 11/01/2008

Estação brasileira por excelência, eixo em torno do qual giram, nesta terra bronzeada, os sonhos de lazer e as engrenagens de indústrias como as da moda, do turismo e da boa forma, o verão parece tão essencial e eterno quanto a própria natureza. Engano. As estações como as conhecemos se firmaram em nossa língua a partir do século 16, semeando confusão por todo o 17 e vitimando, no início do 18, o primeiro grande dicionarista da língua portuguesa, Rafael Bluteau, que abre assim seu verbete Verão: “Querem alguns que essa palavra signifique Primavera”. Acontece que antes disso, quando era comum encontrar o verão na grafia ueerãão, a divisão das estações não estava consolidada num sistema científico em torno de dois equinócios e dois solstícios – momentos em que o Sol está respectivamente mais próximo e mais distante da linha do Equador – mas fundada em percepções empíricas. Isso fazia com que, no castelhano, em que tais palavras se firmaram primeiro, as fases do ano fossem cinco, segundo o filólogo catalão Joan Corominas. Nessa conta torta, a metade do ano correspondente ao calor e ao “bom tempo” se dividia em três segmentos: primavera (do latim primo + vere, o primeiro bom…

Pequim/Beijing
A palavra é... / 31/12/2007

Os Jogos Olímpicos de 2008 serão disputados em Pequim ou em Beijing? Esta promete ser a questão lingüística mais candente do ano que vai começar. Como no caso Birmânia/Mianmar, já abordado aqui, um lado acusa o outro de estar “errado”, mas pouca gente sabe por que pensa assim. Não cabe falar em “erro”, mas em opção. A minha é pela forma consagrada em português há séculos – Pequim. A semelhança com a polêmica birmanesa é superficial. Para que Pequim se visse transmudado em Beijing (e Cantão em Guangzhou, Hong-Kong em Xianggang etc.), não houve a criação de um novo nome. Deu-se apenas, em 1979, a adoção pela República Popular da China – mas não por Taiwan (Formosa) – de um novo sistema de romanização, ou seja, de transliteração do mandarim para o alfabeto latino: o sistema Pinyin. A intenção era boa: acabar com a sopa de letrinhas que corria o mundo. Muitos sistemas vigoraram ao longo da história. O mais influente foi o de Wade-Giles, criado no século 19 e dedicado à anglicização, à adaptação para o inglês, que deu em Peking. (O português nada deve a ele. Pequim já era Pequim desde as grandes navegações.) Ocorre que país algum…

Senado
A palavra é... / 22/12/2007

Da novela que estorricou o ex-presidente da casa, Renan Calheiros, à que terminou com a derrota do governo na votação da CPMF, a sombra do Senado estende-se, comprida, sobre o ano de 2007. A palavra é derivada do latim senatus, “conselho de anciãos”, o que torna o Senado parente de vocábulos respeitáveis como senhor e sênior, mas também de termos menos lisonjeiros, como senectude e senilidade. O Senado brasileiro comemorou 180 anos em 2006. A origem da idéia de que os idosos, mais sábios, são indicados para guiar a coletividade perde-se no passado. Rafael Bluteau, patrono dos dicionaristas da língua portuguesa, registrou no início do século 18 que “os egípcios e os persas, à imitação dos hebreus, compuseram o seu Senado de homens velhos, e os lacedemônios e cartaginenses observaram esta circunstância tão rigorosamente que, entre eles, para chegar a ser senador, era preciso ter chegado aos sessenta anos de idade”. (Talvez fosse uma boa idéia, não? Renan, que em setembro fez 52 anos, nem teria pisado naquele carpete azul. Brincadeiras à parte, o “conselho de anciãos” ficou no passado: no Brasil, a idade mínima para que alguém se candidate ao Senado é de 35 anos, enquanto para a Câmara…

Greve de fome
A palavra é... / 14/12/2007

A palavra “greve”, aquilo que o bispo Luiz Flávio Cappio voltou a fazer, vem – como tantas inconveniências, diria um ultraconservador – do francês. Sua história começa no século 12 com o vocábulo grève, “praia, terreno de areia ou cascalho à beira-mar ou beira-rio”. Antes de adquirir seu sentido político, a palavra passou a batizar uma praça de Paris, à beira do Sena, que por ter piso arenoso e sem calçamento era chamada de Place de Grève (hoje Place de l’Hôtel-de-Ville). Segundo o Houaiss, o local era “ponto de reunião de trabalhadores e operários sem emprego ou descontentes com as suas condições de trabalho; daí a expressão faire grève (1805)” – isto é, “fazer greve”, já então com o sentido de interromper coletivamente o trabalho como forma de protesto ou reivindicação, que mais tarde seria ampliado para outras modalidades de recusa, entre elas a greve de fome. E por que os trabalhadores se reuniam naquela praça? Explica Márcio Bueno, autor do bom livrinho “A origem curiosa das palavras” (José Olympio): “Nesse local funcionou durante muito tempo a Bolsa do Trabalho, órgão encarregado de cadastrar desempregados”. O primeiro registro de “greve” em português é de 1873, mas até as primeiras décadas…

Dólar
A palavra é... / 07/12/2007

Apesar dos gráficos que lhe dão um ar intimidador, o futurismo é uma ciência tão inexata em matéria econômica quanto no futebol. Sim, o dólar pode estar se aproximando do fim de seu ciclo como âncora cambial da economia mundial, mas também pode estar atravessando uma turbulência passageira. Quem sabe? O mergulho na origem da palavra revela pelo menos uma verdade: também do ponto de vista lingüístico, nada é eterno, tudo tem começo e – naturalmente – fim. Sinônimo universal de dinheiro para várias gerações, moeda mitológica que, sobretudo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, está na base das relações de amor e ódio travadas entre o império americano e o restante do mundo, o dólar dos EUA inspirou o batismo da moeda de uma penca de países, da Austrália ao Zimbábue. Diante de tal exuberância, é fácil esquecer que há mais de dois séculos ele nasceu humilde, da costela de outra unidade monetária. O ancestral mais antigo de dollar é o alemão taler, moeda cunhada com prata das minas da cidade denominada Vale de São Joaquim, na região da Boêmia, a partir do início do século 16. Hoje a cidade fica na República Tcheca e se chama Jáchymov,…

Livro
A palavra é... / 26/11/2007

Que editores e livreiros percam o sono, é compreensível. Mais difícil é entender o nervosismo que domina o debate entre simples leitores sobre “o fim do livro impresso”. O clima costuma ficar tenso dos dois lados da linha que, numa simplificação caricatural, divide a humanidade entre os deslumbrados da eletrônica e os luditas de Gutenberg. Embora seja cedo para dizer se a engenhoca chamada Kindle será mesmo um marco na história da leitura, é certo que o livro impresso em papel, um achado tão genial que há cinco séculos se mantém inalterado na essência, está à espera de seu próprio iPod. Encontrado um suporte prático e popular, a leitura mergulhará numa era inevitável: a da transferência de bibliotecas inteiras para discos minúsculos. Questão de tempo – as vantagens são grandes demais. Isso não quer dizer que o livro como o conhecemos vá desaparecer. Na pior das hipóteses, deve ter sobrevivência garantida como objeto fetichista de consumo sofisticado, convivendo com os Kindles da vida pelos próximos séculos. Para desfazer um equívoco comum nessa discussão – o de que a era eletrônica decretará o fim da própria idéia de “livro” – a história da palavra é instrutiva. “Livro” vem do latim liber,…

Tupi
A palavra é... / 19/11/2007

“Tupi or not Tupi, that is the question.” A provocação lançada pelo escritor modernista Oswald de Andrade em seu “Manifesto antropófago”, de 1928 – uma brincadeira com o “ser ou não ser” de Hamlet – tem ressonâncias profundas na história do Brasil. Mais profundas do que podem parecer neste início de milênio em que Tupi, para a maioria dos brasileiros, é pouco mais que o nome indígena de um campo da Petrobras na Bacia de Santos, onde foram encontradas reservas que podem transformar o Brasil em exportador de petróleo. As reservas vocabulares deixadas pelo tupi no português brasileiro também são vastas, estimadas em torno de dez mil palavras. O tronco tupi compreende dez famílias lingüísticas que ainda sobrevivem espalhadas pela América do Sul, com maior concentração no Brasil. Durante os primeiros séculos da colonização portuguesa, porém, sua vitalidade impressionava. Na vertente tupinambá, da família tupi-guarani (da qual se tornaria uma palavra sinônima), o tupi teve sua gramática sistematizada pelos jesuítas. Depois de incorporar traços da cultura invasora, deu origem às “línguas gerais”, as mais faladas no dia-a-dia da colônia: a paulista, disseminada pelos bandeirantes, e a amazônica, também chamada nheengatu (“língua boa”) ou tupi moderno. As línguas gerais foram declaradas…

Referendo
A palavra é... / 14/11/2007

Na linguagem comum, as palavras “referendo” e “plebiscito” são sinônimos, mas há uma diferença nem tão sutil entre essses dois instrumentos da chamada democracia direta. Segundo a legislação brasileira, no plebiscito submete-se ao voto popular uma questão antes que ela ganhe forma de lei, ou seja, “com anterioridade a ato legislativo ou administrativo”. Exemplo: a votação sobre o sistema de governo brasileiro prevista pela Constituição de 1988, realizada em 1993 e vencida pela república presidencialista, foi um plebiscito. No referendo, ao contrário, a consulta se dá após a tramitação de uma matéria, como última instância. Dessa forma, uma decisão prévia pode ser ratificada ou rejeitada na íntegra ou em parte. Como ocorreu na consulta popular de 2005, em que a população repeliu o artigo do Estatuto do Desarmamento, aprovado pelo Congresso, que proibia a comercialização de armas de fogo. Essa distinção não é suficiente para eliminar o fato de que nunca foi pacífico o que diferencia um plebiscito de um referendo, mas ajuda a entender por que vem sendo chamada preferencialmente de referendo a consulta à população venezuelana sobre as mudanças constitucionais talhadas para dar superpoderes ao presidente Hugo Chávez. Ainda assim, o parentesco profundo entre as duas palavras fica…

Copa
A palavra é... / 05/11/2007

O futebol internacional se profissionalizou de tal forma que a segunda Copa do Mundo que o Brasil sediará, em 2014, deve ter pouco em comum com a primeira, de 1950, vencida pelo Uruguai – principalmente no resultado da final, espera-se. Entre essas diferenças, uma das mais curiosas está à vista de todos: se naquele tempo a Copa era uma copa propriamente dita, em 2014 não será mais. Convém explicar. Como anda na moda em certos círculos agarrar palavras pelo pé da letra, pregando-se a substituição de expressões legítimas como “risco de vida” (por risco de morte) e “greve de fome” (por greve de comida), é de admirar que ainda não tenham disparado o alarme: no reino do literalismo, faz tempo que a Copa do Mundo é uma ficção. De fato, Copa-copa era no tempo da Jules Rimet, quando a taça tinha a forma de uma taça, na qual se podia até beber champanhe. E bebeu-se mesmo: na comemoração do título de 1958 na Suécia, a Jules Rimet passou de boca em boca. Quem recorda é Pelé no livro que lançou ano passado (“Pelé, a autobiografia”, editora Sextante). Acrescenta que limitou-se a assistir: aos 17 anos, estava abaixo da idade legal…

Download
A palavra é... / 23/10/2007

(E já que entramos no assunto…) Download é uma das palavras mais saidinhas que importamos do inglês nos últimos anos, membro da onipresente família informática. Diferentemente dos verbos “deletar” e “escanear”, porém, tem sido refratária ao aportuguesamento. Daunloude? O Google mostra que há quem force essa barra, mas a solução parece canhestra. Tal rebeldia está longe de ser alarmante. Se a regra é a adaptação, há vocábulos anglófonos que se abancaram confortavelmente em nossa língua sem tocar num fio de cabelo da grafia original: show nunca virou “chou” nem “xou”, apesar das tentativas da Xuxa. No inglês, download nasceu verbo, mas hoje – o que é comum no idioma de Steve Jobs – faz dupla jornada e atua também como substantivo. Entre nós é sempre substantivo. Para expressar a ação associada a ele, temos a forma “fazer (ou dar) um download”. Em casos mais raros e ousados de hibridismo lingüístico, encontra-se também “downlodear” ou “downlodar”, mas essas soluções parecem se justificar mais pelo desleixo lingüístico – ou por uma intenção brincalhona – do que por uma real necessidade de expressão. Como verbo, o nativíssimo “baixar” está vencendo a guerra. É uma boa tradução. Download quer dizer “carregar para baixo” ou…

Dízimo
A palavra é... / 16/10/2007

O dízimo com que os fiéis alimentam a riqueza da Igreja Universal do bispo Edir Macedo – e que ajudou a tornar a TV Record vice-líder na guerra da audiência – é palavra antiguinha, presente no português desde o século 13, para uma prática de idade bíblica. Dízimo quer dizer a décima parte. É termo gêmeo de décimo, com o qual compartilha o ancestral latino decimus, mas, enquanto este é um derivado culto, dízimo é um desdendente vulgar. Existe ainda a palavra “dízima”, também velhinha e também referente a um tributo de 10% – este, porém, devido ao governo e pago em dinheiro, enquanto o dízimo, na origem, era cobrado em gêneros. Vale conferir o que dizia sobre o dízimo Rafael Bluteau em seu “Vocabulário Português e Latino”, o primeiro grande dicionário de nossa língua, no início do século 18. Atenção para a mistura de definição objetiva e justificação moral, não fosse Bluteau um padre: “A décima parte, que é paga às Igrejas, párocos delas, e pessoas eclesiásticas para sua côngrua sustentação; que assim como estes sustentam aos fiéis com o pasto espiritual da doutrina e sacramentos, assim é razão, que os fiéis sustentem aos tais ministros com a décima…

Birmânia/Mianmar
A palavra é... / 11/10/2007

Países soberanos têm o direito de trocar de nome e exigir que o mundo reforme seus idiomas para adaptá-los ao novo batismo? Antes de responder que sim, vale a pena examinar mais de perto esse rolo, tornado atual pela agitação política na Birmânia – ou seria melhor escrever, como tem feito a imprensa brasileira em peso, ex-Birmânia, atual Mianmar, Myanmar ou Mianmá? Se é justo que a autodeterminação dos povos inclua algum poder sobre o modo como o mundo os chama, também é verdade que o processo de renomear países, regiões e cidades, por envolver razões políticas variadas e mexer com fatores lingüísticos seculares, não deve ser automático, como muita gente o encara. O pensamento politicamente correto explica a boa vontade com que, sem refletir muito, boa parte de nós tende a encarar tais mudanças – mesmo quando elas não envolvem um rebatismo propriamente dito, mas apenas uma nova transliteração, um novo jeito de transportar palavras de um alfabeto a outro, como nas recentes tentativas de “transformar” Bombaim em Mumbai e Pequim em Beijing. Quando o nome muda de verdade, a luta contra a herança colonial explica a maioria dos casos: foi assim que a Rodésia do Norte virou Zâmbia…

Decoro
A palavra é... / 14/09/2007

É mais fácil reconhecer um indecoroso de calças na mão do que fixar em letra fria o que é “decoro parlamentar” e aquilo que o ofende. A Constituição (artigo 5, inciso II) deixa a tarefa para o Legislativo, por meio de regimentos internos. Com sua dupla experiência de parlamentar e jurista, o gaúcho Paulo Brossard disse certa vez que “é mais fácil descrever situações que a configuram, do que definir o que seja falta de decoro parlamentar, de modo a servir a todas as situações”. Uma dessas situações foi vivida pelo deputado Barreto Pinto, do PTB, o primeiro a ser cassado no Brasil, em 1949. Até hoje há versões contraditórias sobre a foto em que ele aparecia de casaca, gravata-borboleta e cuecão, publicada na revista “O Cruzeiro”. Barreto Pinto teria sido uma vítima ingênua do repórter David Nasser e do fotógrafo Jean Manzon? Um cúmplice na fabricação do escândalo? A falta de decoro ninguém contesta. Em estado de dicionário, decoro é compostura, recato, decência, honra, pundonor. Do traje ridículo ao favorecimento indevido, da palhaçada à ladroagem, o sentido da palavra se amplia mas permanece intuitivo. Por que, então, é tão difícil fixá-lo conceitualmente? Porque legislar sobre temas morais nunca foi…

Mensalão
A palavra é... / 30/08/2007

A entrevista do deputado Roberto Jefferson publicada pela “Folha de S. Paulo” naquela segunda-feira, 6 de junho de 2005, marcou um fato raro no mundo das palavras: o momento exato em que nascia uma nova acepção, um novo sentido. No caso, um sentido destinado a fazer tanto sucesso que hoje deixa num pálido segundo plano a acepção até então exclusiva de mensalão – “recolhimento facultativo que pode ser efetuado pelo contribuinte para antecipar o pagamento do imposto devido na Declaração de Ajuste Anual”, segundo o site da Receita Federal. Pouco antes de Jefferson detonar sua bomba, o mensalão já circulava fora do jargão tributário, mas apenas como gíria brasiliense para um novo esquema de corrupção centrado na compra – prática antiga, mas talvez nunca tão literal – de apoio parlamentar pelo governo. Tinha feito uma breve aparição no “Jornal do Brasil” em 2004, mas faltava ganhar as ruas, a corrente principal da língua. Tudo indica que ganhou. Pouco mais de dois anos depois de nascer, a palavra acaba de ser reconduzida ao posto de grande estrela do vocabulário político pelo Supremo Tribunal Federal. É razoável supor que a aparência bonachona contribuiu para o sucesso do termo mensalão. Fascinado pela intimidade…

Caixa-preta
A palavra é... / 07/08/2007

A caixa-preta são duas – uma para gravar conversas na cabine de comando, a outra para registrar dados técnicos do vôo – e não é preta, mas laranja-cheguei. Em certo sentido, é o avesso da mitológica caixa que Zeus confiou a Pandora, aquela que jamais deveria ser aberta porque continha todos os desastres do mundo: depois do desastre é que se abre a caixa-preta. Mas a velha fixação da humanidade em receptáculos lacrados e cheios de segredos ajuda a explicar o sucesso da palavra na linguagem comum. A tese mais aceita sobre a origem de “caixa-preta” (palavra composta, com hífen) aponta para um equipamento usado na Segunda Guerra Mundial pela Royal Air Force, a força aérea britânica. Não era um gravador, mas um radar que, nos bombardeiros, permitia “ver através das nuvens ou no escuro”. Como outros itens eletrônicos na aviação da época, era acondicionado numa caixa preta. Ao batizá-lo, porém, o jargão da RAF parecia destacar sobretudo a aura de mistério e respeito que cercava uma tecnologia obscura até para quem a usava. Com esse sentido, black-box estreou na língua inglesa por volta de 1945. O sentido que se tornaria o principal – “aparelhagem que grava dados sobre o…